Indeferimento da perícia médica do INSS e recurso administrativo para reativação de beneficio previdenciário por incapacidade – De quem é a responsabilidade pelo pagamento dos salários no período de expectativa?
Na prática previdenciária, frequentemente nos deparamos com segurados do INSS que percebem benefício por incapacidade temporária (auxílio doença acidentário -B31 ou auxílio doença previdenciário – B91), mas que não há concordância com a data da cessação do benefício (alta previdenciária). O segurado pode se julgar incapaz para o trabalho após a cessação do benefício, muitas vezes amparado por laudo do médico assistente ou um parecer do médico do trabalho da empresa onde labora. Os segurados e as empresas podem requerer novo recurso administrativo junto ao INSS após a cessação do benefício (Recurso à Junta de Recurso do Conselho de Recursos do Seguro Social -JR/CRSS), sob o fundamento de que não há a certificada capacidade.
Ressalte-se que não estamos discorrendo acerca da modalidade do Pedido de Prorrogação do auxílio-doença, cujo prazo para requerimento é a partir de 15 dias antes até a data de cessação do benefício, ou seja, circunstância no qual o segurado ainda está no gozo do benefício previdenciário.
Retomando a questão dos recursos administrativos, fica um questionamento que tem sido frequentemente apresentado no âmbito trabalhista, como reflexo desta questão previdenciária: quem assumirá o ônus financeiro do pagamento dos salários do trabalhador correspondente ao período de expectativa do segurado se ele não for bem sucedido no recurso administrativo?
Para responder este questionamento, algumas ponderações são importantes trazer à baila. A primeira delas baseia-se numa constatação: é o segurado empregado quem normalmente recorre das conclusões periciais médicas do INSS quando estas não lhe são favoráveis, isto é, consideram capacidade laborativa para o retorno ao trabalho. Neste sentido, é importante destacar que não é o empregador quem obstaculiza o retorno do empregado ao trabalho, mas o próprio trabalhador que, no momento do exame de retorno, se declara incapaz.
O exame de retorno visa à verificação das condições do trabalhador pós-afastamento e leciona nos termos do item 7.4.3.3 da NR-7, in verbis:
7.4.3.3. No exame médico de retorno ao trabalho, deverá ser realizada obrigatoriamente no primeiro dia da volta ao trabalho de trabalhador ausente por período igual ou superior a 30 (trinta) dias por motivo de doença ou acidente, de natureza ocupacional ou não, ou parto. (grifo nosso)
Assim, se, por ocasião do exame de retorno, o empregado afirmar que não tem condições de voltar a trabalhar, o Médico do Trabalho deverá anotar tal alegação em seu parecer e a informará à administração da empresa. Caberá, então, ao empregado, se realmente entender-se incapaz, a ação recursal em face à conclusão médica contrária pleiteando reestabelecimento do benefício por incapacidade.
Se verificada situação favorável à pretensão do segurado, a decisão impugnada será reformada e o INSS restabelecerá o beneficio por incapacidade, pagando (a autarquia previdenciária) pelos dias de expectativa.
Se, no entanto, for mantida a decisão pericial inicial (de alta previdenciária), o empregado recai na hipótese de suspensão temporária do contrato de trabalho (no âmbito trabalhista) e, por isto, não se pode falar em pagamento de salários, salvo se o Médico do Trabalho da empresa (SESMT próprio ou terceirizado) concluiu pela incapacidade do trabalhador e encaminhou o funcionário para o pleito recursal em face ao INSS.
Diante de tal situação, as seguintes perguntas podem ser suscitadas: Mas há empregador que estimula o recurso contra o INSS? E, se houver, por que ele ficará obrigado a pagar os salários do período de expectativa?
Há alguns casos que a resposta será afirmativa. Os empregadores, para prevenir a responsabilidade de tomar serviços de um trabalhador reputado incapaz para o trabalho, tomam a iniciativa de qualificá-lo como inapto para o exercício de qualquer tarefa. Nessa situação, a empresa estará impedindo o retorno do trabalhador ao labor, não lhe oferecendo outro caminho senão o de tentar a reversão do parecer médico pericial do INSS por via recursal.
O fato é que o laudo médico pericial do INSS, como qualquer outro ato administrativo, goza de presunção de legitimação, tanto que a lei nº 605/49, em seu art.6º, §2º, afirma que a decisão do Médico Perito do INSS é soberana em relação à decisão do Médico do Trabalho da Empresa:
§ 2º A doença será comprovada mediante atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado, e, na falta deste e sucessivamente, de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria; de médico da empresa ou por ela designado; de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública; ou não existindo estes, na localidade em que trabalhar, de médico de sua escolha. (grifo nosso)
Assim sendo, quem o contesta via recurso deve assumir o ônus de produzir prova em sentido contrário. Se o trabalhador, concordando com a conclusão do laudo, apresenta-se para o retorno às atividades, mas o patrão identifica situação de incapacidade, este deverá pagar os salários decorrentes do período de expectativa do recurso administrativo que visa à reativação do benefício previdenciário por incapacidade. Durante esse período, o empregado estará tecnicamente à disposição do empregador, conforme o art. 4º da CLT, caput:
Art. 4º – Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.
Por outro lado, se o empregador conclui do mesmo modo que o Instituto Nacional do Seguro Social, ou seja, se o Médico do Trabalho conclui pela aptidão de retorno do empregado ao serviço, caberá a este o ônus da expectativa, sendo o período identificado como mera suspensão contratual, sem a geração do direito de percepção de salários.
Veja a demonstração sistemática das situações que envolve a chamada “alta previdenciária”, o questionamento desta “alta” e assunção da responsabilidade pelos salários no período da expectativa do INSS:
Responsabilidade do empregador
• 1ª situação: quando, no exame de retorno, o empregado concorda com a alta previdenciária do INSS, mas apenas o patrão dela diverge, qualificando-o como “inapto”.
• 2ª situação: quando, no exame de retorno, empregado e patrão divergem da alta previdenciária, mas qualifica o funcionário como “inapto”.
Responsabilidade do empregado
• 1ª situação: quando, no exame de retorno, o patrão concorda com a alta previdenciária, mas apenas o empregado dela diverge.
• 2ª situação: quando o empregado nem sequer se apresenta ao empregador para realização de exame de retorno e, de logo, apresenta questionamento administrativo contra a alta previdenciária.
DEVER DE INFORMAR: por fim, é importante ressaltar que o empregado, independentemente de norma que imponha tal comportamento, deverá levar ao conhecimento do empregador toda a sua pretensão recursal, informando-a, inclusive, da data de entrada do recurso e que permanecerá afastado até decisão administrativa final.
Se o empregado-recorrente, por sua vez, mantiver-se silente, poderá produzir no empregador uma impressão equivocada. Este poderá entender que houve abandono de emprego pela ausência de qualquer justificativa capaz de motivar as faltas ao trabalho. É verdade que isso provocará apenas uma presunção de justa causa operária, e não propriamente uma justa causa operária (art. 482, CLT), mas apesar disso, múltiplos serão os entraves sofridos até o esclarecimento final dos fatos.
Autor (a): Rodrigo Tadeu de Puy e Souza – Médico. Advogado. Pós-Graduado em Medicina do Trabalho. Mestre pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: rodrigodepuy@yahoo.com. Site: www.pimentaportoecoelho.com.br
O doutor Rodrigo Tadeu de Puy e Souza escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Puy”.