07 mar 2011

GESTANTE NO EXAME DEMISSIONAL: APTA OU INAPTA?

8 comentários.

Prezados leitores.

Vários aspectos peculiares envolvem o mercado de trabalho das mulheres. Um deles diz respeito à possibilidade de solicitação do teste de gravidez (exame de sangue comumente chamado apenas de Beta-HCG) pelo médico da empresa, quando da realização do exame médico admissional.

Será que o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” pode fazer essa solicitação? Não seria essa uma atitude discriminatória? A resposta mais adequada é: depende. Assim diz o art. 373-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT):

“Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:

II — recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível.”

Percebemos que a legislação coloca o “estado de gravidez” dentro de um grupo que envolve fatores como sexo, idade, cor e situação familiar. Por tais características ninguém pode ser discriminado, conforme também se aduz do princípio da igualdade, evocado no art. 5, caput, da Constituição Federal.

No entanto, mesmo para esses fatores, o texto celetista faz a exclusão de um possível caráter discriminatório ao colocar: “salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível.” Por exemplo: se houver incompatibilidade de algum posto de trabalho com o estado de gravidez, o fato do Médico do Trabalho / “Médico Examinador” não permitir o ingresso de uma gestante nessa função não se configuraria como uma atitude discriminatória. Muito pelo contrário, seria uma incontestável atitude de proteção à gestante, e/ou a gestação em si. Nesse caso, para que haja certeza do estado gravídico dessa trabalhadora, a solicitação do teste de gravidez é imprescindível.

Assim, nos exames ocupacionais (admissionais, demissionais, etc.), a pergunta que deve ser feita e respondida pelo próprio Médico do Trabalho / “Médico Examinador” é: “ao pedir um teste de gravidez, minha conduta está sendo discriminatória, ou visa a proteção dos interesses da examinada?” Se visar proteção dos interesses da examinada, não há contraindicação absoluta na solicitação do teste de gravidez. Por sua vez, se não visar nenhum tipo de proteção, tal solicitação já se configuraria como uma conduta discriminatória. Nesse último caso, além de afrontar o art. 373-A da CLT, a solicitação do teste de gravidez poderá também ser qualificada como crime. O art. 2 da Lei 9029 / 1995, que assim coloca:

“Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias:

I – a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez.

Pena: detenção de um a dois anos e multa.”

Exemplificando, imaginemos a seguinte situação: uma jovem de 21 anos de idade, candidata à função de “técnica em radiologia”, gozando de plena saúde, chega ao consultório para fazer o exame médico admissional. Nesse caso, sabedor dos sérios riscos de más-formações fetais que as radiações ionizantes advindas da função postulada representariam para a gestação, seria imperativo (obrigatório) ao Médico do Trabalho / “Médico Examinador” solicitar o teste de gravidez antes de considerar a candidata “apta”, sob pena de também estar cometendo um crime caso não o faça. Senão, vejamos o art. 132 do Código Penal:

“Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente pode acarretar pena de detenção de 3 meses a 1 ano, se o fato não constituir crime mais grave”.

Caso o exame confirme a gravidez, a candidata ao emprego teria uma contraindicação absoluta para ocupar a função de “técnica em radiologia”. Nesse caso, o teste de gravidez não seria um fator de discriminação, mas sim, um fator de cuidado, zelo e proteção do Médico do Trabalho / “Médico Examinador” para com a trabalhadora e sua condição gestacional.

Ainda dentro do nosso exemplo, caso a candidata à função de “técnica em radiologia” se recusasse a realizar o teste de gravidez no exame admissional, entendemos que o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” também deveria se recusar a considerá-la “apta” ao trabalho, na função mencionada, sob pena de enquadrar sua conduta no já exposto art. 132 do Código Penal. Também fundamenta essa possibilidade de recusa do médico, o Princípio Fundamental n. II do Código de Ética Médica, que assim coloca:

“O alvo de toda atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.”

Na mesma esteira, vem o Princípio Fundamental n. VII, do mesmo código:

“O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.”

Já nas situações em que o trabalho e/ou a função postulada não representem evidentes riscos para a mulher gestante (e para a gestação em si), a solicitação rotineira do teste de gravidez no exame médico admissional configura-se como uma atitude discriminatória e ilegal. Por exemplo: que motivo justificaria a solicitação do teste de gravidez, no exame admissional, para uma candidata à função de “auxiliar administrativa”, numa empresa de contabilidade? Entendemos que, nesse caso, só haveria o reprovável motivo da discriminação.

Assim, o teste de gravidez só poderá ser solicitado pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador” diante de um risco evidente trazido pelo trabalho à grávida ou à gestação em si, conforme interpretação do art. 373-A da CLT. Importante lembrar que a CLT normatiza as relações de trabalho dentro do Direito Privado. Outras possibilidades sobre essa mesma matéria, embora polêmicas e questionadas, podem existir dentro do Direito Público (ex.: editais de concursos, etc.).

Falamos até agora sobre o exame admissional. E quanto ao exame demissional? A solicitação do teste de gravidez no exame demissional é legalmente permitida?

Pois bem, conforme vimos, o que a CLT proíbe no Art. 373-A é a natureza discriminatória de qualquer avaliação, quando da admissão / manutenção do trabalhador na empresa.

No entanto, entendemos que, no exame demissional, a solicitação do exame Beta-HCG (teste de gravidez), normalmente não caracteriza uma conduta discriminatória. Ao contrário, o que se busca, em regra, é dar maior segurança jurídica ao término do contrato de trabalho, uma vez que, caso a empregada esteja gestante (e ainda não tenha esse conhecimento na data do exame demissional), provavelmente terá que ser reintegrada à empresa após a descoberta de seu estado gravídico.

Assim, em casos de dispensa arbitrária (sem justa causa) da empregada, a solicitação do teste de gravidez no exame demissional, não estaria objetivando discriminar essa trabalhadora. Ao invés disso, o que se buscaria aqui era resguardar um direito constitucional dado à provável gestante (de não ser dispensada arbitrariamente do emprego estando grávida, com fulcro no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, Art. 10, inciso II, item “b”).

Importante salientar que, mesmo não sendo uma conduta discriminatória, a solicitação do Beta-HCG no exame demissional não deve ter um caráter obrigatório (compulsório), uma vez que ausência do resultado do teste de gravidez não será determinante na conclusão de “apta” ou “inapta” atribuída à essa empregada pelo médico da empresa. Exploraremos melhor essa abordagem no tópico 1.7 desse livro (“gestante do dem: apta ou inapta?”).

Alguns dirão: “este blog está sendo contraditório, uma vez que defende em outros tópicos que o critério do exame admissional deve ser exatamente o mesmo do exame demissional. Assim, caso o teste de gravidez não pudesse ser solicitado no exame admissional, então por que poderia ser solicitado no exame demissional?” Defendemos mesmo a idéia de que, em regra, os critérios do exame admissional devam ser idênticos aos critérios do exame demissional. O que propomos ao longo desse tópico não contradiz essa proposta. Ratificamos: o resultado do teste de gravidez não terá nenhuma influência quando o Médico do Trabalho / “Médico Examinador” for concluir se essa trabalhadora está “apta” ou “inapta”, em seu exame demissional. Não! O objetivo do teste de gravidez, no exame demissional, é apenas o de preservar o direito da trabalhadora de manter-se vinculada ao empregado, caso esteja grávida, conforme já descrevemos. Não há nenhum caráter discriminatório aqui. Entendemos, inclusive, que a eventual solicitação do Beta-HCG no exame demissional não tem necessidade de ser descrita no PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional), uma vez que sua justificativa é mais pelo aspecto legal (segurança na rescisão do contrato de trabalho), do que pelo aspecto médico (prevenção de doenças, acidentes, etc.).

Caso o teste de gravidez não seja solicitado no exame demissional, o “risco” que a empresa corre é apenas o de ter que reintegrar posteriormente a empregada gestante, dispensada sem justa causa. Nada mais. É o que se aduz da Súmula 244, inciso I, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), quando afirma:

“O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade.”

O mesmo raciocínio teve o TST em repetidos julgados:

EMENTA: “RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO DO ART. 10, II, “B”, DO ADCT / CF / 88. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. DESCONHECIMENTO DA GRAVIDEZ PELO EMPREGADOR. O artigo 10, inciso II, do ADCT não impôs qualquer condição à proteção da empregada gestante. Assim, o desconhecimento da gravidez, pelo empregador, no momento da despedida imotivada não constitui obstáculo para o reconhecimento da estabilidade constitucional. Dessa forma, viola o texto constitucional a decisão que não reconhece a estabilidade da empregada gestante em virtude do desconhecimento da gravidez pelo empregador no ato da sua demissão.” (ROAR 400356/1997)

EMENTA: “RECURSO DE REVISTA – GESTANTE – CONCEPÇÃO NA VIGÊNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO – DESCONHECIMENTO DO ESTADO GRAVÍDICO PELO EMPREGADOR – IRRELEVÂNCIA – SÚMULA nº 244 DO TST. O fato gerador do direito à estabilidade provisória da empregada gestante, sem prejuízo dos salários, surge com a concepção, na vigência do contrato de trabalho, e se projeta até 5 meses após o parto (artigos 7º, VIII, da CF e 10, II, “b”, das Disposições Constitucionais Transitórias). Nesse contexto, irrelevante a comunicação ao empregador, no ato da rescisão contratual, do estado gravídico, até mesmo porque a própria empregada pode desconhecê-lo naquele momento. O escopo da garantia constitucional é, não só a proteção da gestante contra a dispensa arbitrária, mas, principalmente, a tutela do nascituro. Nesse sentido a Súmula nº 244 desta Corte. Recurso de revista conhecido e provido.” (RR – 177600-41.2006.5.02.0026)

Ratificamos então que, por segurança jurídica (e não por ter um caráter discriminatório) o teste de gravidez no exame demissional não tem contraindicação absoluta (desde que voluntariamente feito pela empregada). No entanto, lembramos que ele não é imprescindível (uma vez que seu resultado não alterará o raciocínio para conclusão de “apta” ou “inapta”, atribuída à essa trabalhadora, pelo Médico do Trabalho / “Médico Examinador” nesse exame demissional). Exploramos melhor essa abordagem em um outro texto desse blog: http://bit.ly/zhwPA7

Ainda em tempo, é importante ressaltar que a o instituto da estabilidade provisória só alcança a empregada gestante dispensada sem justa causa, conforme nos ensina o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, art. 10, inciso II, item b:

“Fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.”

As empregadas gestantes dispensadas por justa causa não fazem jus à estabilidade provisória prevista, que também não se aplica às trabalhadoras que engravidaram na vigência do “contrato de experiência”. Esse tipo de contrato expira pelo simples decurso de tempo, não podendo ser prorrogado além de 90 (noventa) dias em virtude da gestação. Embora controverso, esse ainda tem sido o entendimento majoritário dos magistrados trabalhistas, nos termos da Súmula 244, inciso III, do TST:

“Não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa.”

Porém, não confundamos estabilidade provisória com salário-maternidade. Mesmo nos casos de gestantes dispensadas por “justa causa”, ou em que a gestação for iniciada durante um contrato de experiência (situações que não ensejam estabilidade provisória), o salário-maternidade poderá ser requerido à Previdência Social. Estabelecidas as condições administrativas, a trabalhadora receberá então o salário-maternidade (normalmente, com o mesmo valor mensal do seu salário base) durante o período conhecido como “licença-maternidade”.

A empregada gestante que quiser sair do emprego (por vontade própria) pode abrir mão de sua estabilidade? Sim, desde que se cumpra os procedimentos determinados pelo art. 500 da CLT, que assim expressa:

“O pedido de demissão do empregado estável só será válido quando feito com assistência do respectivo Sindicato e, se não houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho ou da Justiça do Trabalho.”

Ratifica o texto celetista a matéria divulgada no site do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, em 10 de junho de 2011 (título: “Ambiente de trabalho estressante leva trabalhadora grávida a renunciar à estabilidade”). O caso divulgado foi de uma de uma empregada gestante que optou por sair do emprego, e abrir mão de sua própria estabilidade provisória. De acordo com a matéria, “a forma de tratamento dispensada à reclamante fez com que ela desistisse da estabilidade a que tinha direito em razão de sua gravidez. A trabalhadora foi informada pela juíza de que haveria renúncia ao seu direito de estabilidade caso ela persistisse com o pedido de rescisão indireta. Mas, segundo a reclamante, as reiteradas condutas abusivas da supervisora tornaram o ambiente de trabalho tão insuportável, que ela preferiu abrir mão da garantia de emprego para nunca mais ter que retornar à empresa.” (Processo 01763-2009-016-03-00-3).

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha

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