16 abr 2011

JUIZ SEMPRE CONCORDA COM O LAUDO MÉDICO-PERICIAL?

4 comentários.
Caros leitores.Apresento-lhes abaixo, de forma bem resumida, o trabalho do estudioso colega perito de Belo Horizonte/MG, Dr. Daniel Marun Coutinho. Na amostra estudada, os juízes concordaram com apenas 60,8% das conclusões dos laudos médicos-periciais.

Comentários / críticas / elogios ao trabalho podem ser feitos diretamente ao autor através do e-mail: dmarun@globo.com

Boa leitura!

Marcos

Perícias em Ortopedia:
Levantamento epidemiológico de um Perito Oficial do Juízo

Autor: Daniel Marun Coutinho
Médico Ortopedista e Traumatologista;
Membro Titular da SBOT – Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia;
Pós-Graduado em Perícias Médicas
Membro da Sociedade Brasileira de Perícias Médicas
Pós-Graduando em Medicina do Trabalho
E-mail: dmarun@globo.com

1- INTRODUÇÃO e OBJETIVOS

O trabalho que humanizou o homem trouxe também grandes desafios para a saúde, que em meio das facilidades conseguidas acarretam problemas como as lesões por esforços repetitivos (LER) ou doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho (DORT).
Muitas vezes o cidadão, já desanimado pela má remuneração e com um local de trabalho sem condições, transforma uma simples dor em um motivo para “criar” uma doença e com ela um benefício que poderia virar uma aposentadoria.
Tal contexto associado ao baixo poder aquisitivo e ao ganho secundário que um benefício previdenciário pode dar ao contribuinte do INSS provocam um grande número de queixas ortopédicas que são vistas nas perícias.
Desde 2003 eu realizo perícias na área de ortopedia para o Juizado Especial Federal, onde o Réu é na maioria das vezes o INSS.
O juizado foi criado com o objetivo de desburocratizar e agilizar a prestação da justiça, tornando mais fácil o acesso do cidadão a uma instância decisória rápida, em causas mais simples, foram instituídos pela Lei 10.259, de 12 de julho de 2001. (Justiça Federal, 2007).
Logo a justificativa para estudar tal tema se deve a não existir nada parecido com o trabalho proposto, ou seja, de se levantar dados sobre as perícias em ortopedia em um determinado juizado e por seu perito oficial.
Objetivos: avaliar uma população que realiza perícias em ortopedia e desenvolver uma análise para descobrir algum tipo de padrão entre os indivíduos.
2 –METODOLOGIA
Pesquisa quantitativa, exploratória, descritiva e de levantamento epidemiológico (estudo retrospectivo) de indivíduos que foram submetidos a perícias realizadas pelo autor no Juizado Especial Federal.
Como critérios de inclusão foram adotados sujeitos que apresentassem laudos periciais completos, ou seja: presença de todas as variáveis a serem analisadas. Caso um destes dados não existisse, o indivíduo periciado seria excluído.
Os laudos são arquivados pelo autor e os dados dos processos (andamento do processo, parecer do Juiz, etc.) podem ser obtidos pela internet, no site do Juizado Especial Federal.
A população constou de 240 indivíduos periciados pelo autor no Juizado Especial Federal no período de julho de 2003 a junho de 2005.
Estes indivíduos foram analisados em banco de dados com Access (MICROSOFT®) nas seguintes variáveis: data da perícia, idade, sexo, patologia, parecer do perito oficial e concordância deste parecer com o parecer do Juiz.
3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO
Número total de 240 casos: 131 femininos (54,58%) e 109 masculinos (45,42%).
Agrupando-se as idades de vinte em vinte anos via-se: 0 a 20 anos – 1 periciando; 21 a 40 anos – 83 periciandos; 41 a 60 anos – 139 periciandos; maiores de 60 anos – 17 periciandos.
Sem diferenças quando se analisou uma faixa etária comparando-se com o sexo. Estas eram semelhantes, com número de periciandos similares nos dois sexos.
Com relação às patologias, 90,38% poderiam ser agrupadas nos seguintes grupos: Patologias da coluna lombo-sacra – 98 casos (40,83%); Seqüelas de fraturas: 25 casos (10,41%); Patologias do ombro (Capsulites e tendinites/rupturas): 24 casos (10%); Artroses: 22 casos (9,16%); Fibromialgia: 20 casos (8,33%); Seqüela de poliomielite: nove casos (3,75%); Tendinites dos membros superiores: oito casos (3,33%); Síndrome do túnel do carpo: sete casos (2,91%); Artrites (reumatológicas ou não): quatro casos (1,66%).
Número maior de casos foi de patologias relacionadas com a coluna lombo-sacra: 98 casos (40,83%). Deste número, os casos foram divididos assim: Lombalgias músculo-ligamentares – 81 (33,75% do total de 240 casos); Espondilolistese – 4; Hérnia Discal/Estenose de Canal – 11; Cifoescoliose – 2.
Quanto ao sexo, o mesmo número de periciandos com lombalgias músculo-ligamentares: 39 masculinos e 39 femininos.
As patologias do ombro ocorreram na maioria em mulheres. Todos os casos de fibromialgia e síndrome do túnel do carpo eram femininos.
Quanto aos pareceres dados pelo autor 153 periciandos foram considerados aptos para o trabalho (63,75%) e 87 não aptos (36,25%). Não ocorreu diferença na faixa etária destes dois grupos, havia periciandos de todas as idades compreendidas.
Apenas 60,8% dos pareceres estipulados pelo autor foram COMPATÍVEIS e concordantes pelo juiz (146 casos). Destes, a maioria era de periciandos considerados aptos pelo autor: 106 casos.
Quanto aos pareceres não compatíveis entre o autor (perito oficial) e o juiz, 94 casos (39,2%). Destes 94 casos ocorreu um número igual de periciandos considerados aptos e inaptos pelo autor, 47 casos para cada um.
A maioria de casos de pareceres não compatíveis entre o autor e o juiz foi de portadores de lombalgias músculo-ligamentares: 21 periciandos.
Poder-se-ia colocar também que um dos motivos de pareceres não serem compatíveis é um aspecto legal. Ou seja, o Juiz não poderia ser a favor de um indivíduo e este não estar dentro da lei com o INSS.
4 – CONCLUSÃO
O assunto escolhido possui ausência de literatura a seu respeito (perícias em Ortopedia).
Imaginava-se que o Peito Oficial era uma pessoa que, apesar de neutra, influenciava o Juiz. E o Juiz tomaria sua decisão baseado no que fosse ditado pelo parecer do perito oficial. Porém tal concordância não é o que se vê.
O autor repete que um treinamento de peritos oficiais e principalmente uma avaliação conjunta destes com os peritos do INSS poderiam fazer os laudos ficarem mais concisos e mais fortes, com embasamento de patologia maior e visando um correto julgamento pelo Juiz.
Aqui há de se citar também a precariedade do sistema público de saúde do Brasil. O periciando muitas vezes tem um problema de saúde simples, tratável e que necessita de especialidades básicas. Porém, seu estado clínico ou piora ou é estagnado e o benefício previdenciário transforma-se no único apoio que possui.
Observa-se também que a classe médica permanece muito desunida, vendo-se alguns profissionais intitularem-se “peritos” e distribuírem atestados e relatórios com o simples motivo de um ganho financeiro. Algo que só torna o sistema pior e colabora com o número crescente de indivíduos procurando o INSS e solicitando benefícios.

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