Assim nos traz o vigente Código de Ética Médica em seu Art. 89:
“É vedado ao médico: liberar cópias do prontuário sob sua guarda, salvo quando autorizado, por escrito, pelo paciente, para atender ordem judicial ou para a sua própria defesa.”
Pela interpretação do texto acima, ainda que solicitado via mandado judicial para ser anexado aos autos de um processo, o prontuário só poderá ser liberado com a autorização expressa do paciente. Caso o paciente se negue a liberar o seu prontuário, até mesmo a ordem judicial poderá ser descumprida.
No entanto, assim coloca o inciso V do Art. 14 do Código de Processo Civil (CPC):
“São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.”
Percebemos que o CPC qualifica como atentatório ao exercício da jurisdição o descumprimento de qualquer mandado judicial.
Já o Art. 330 do Código Penal qualifica o descumprimento de ordem judicial como crime, vejamos:
“Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa.”
Agora imaginem um médico, inquestionavelmente responsável pela boa guarda do prontuário de seus pacientes, sendo solicitado mediante ordem judicial para entrega do prontuário de um determinado paciente. Por sua vez, este paciente se nega expressamente a fornecer as cópias de seu prontuário ao juiz. E agora? O médico deve seguir o Código de Ética Médica ou o Código Penal? Ser ético ou ser correr o risco de ser preso?
Vejam o absurdo: se o médico for ético conforme seu código profissional, poderá ser preso. Em contra-partida, se for anti-ético conforme seu código profissional, ainda que seja penalizado administrativamente em seu CRM, não correrá o risco de ser preso.
Por que os médicos são frequentemente expostos a situações como essa? Convém lembrar que o Brasil é um Estado Democrático de Direito. Nesse tipo de Estado, as leis costumam seguir uma hierarquia determinada. No Brasil, isso não é diferente. De maneira hiper simplificada, colocarei o ranking das principais normas que podem estar envolvidas com o assunto que tratamos:
1) >> Constituição Federal – a lei mais importante do Brasil, a qual todas as outras se submetem;
2) >> Lei Ordinária / Decreto-Lei (ex.: Código Penal);
3) >> Resolução de Autarquias*.
*Autarquias são órgãos da Administração Pública Indireta, como por exemplo: CFM (Conselho Federal de Medicina), COFEN (Conselho Federal de Enfermagem), COFFITO (Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional), CFO (Conselho Federal de Odontologia), Conselho Federal de Fonoaudiologia, Conselho Federal de Psicologia, etc. O Código de Ética Médica é uma Resolução do CFM (Resolução 1931 / 2009).
É muito importante lembrar, que uma norma inferior (aqui representada pelo o Código de Ética Médica) não deveria contrariar uma norma superior (aqui representada pelo Código Penal). Sobre isso, assim se posicionou o Supremo Tribunal Federal (STF):
“Normas inferiores não podem inovar ou contrariar normas superiores, mas unicamente complementá-las e explicá-las, sob pena de exceder suas competências materiais, incorrendo em ilegalidade.” (Supremo Tribunal Federal – Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.398. Relator: Min. Cezar Peluso, julgado em 25/06/07)
Pela desobediência do Art. 89 do Código de Ética Médica ao Art. 330 do Código Penal (já citados), os médicos acabam tendo que optar entre serem éticos ou correrem o risco de serem presos. Lamentável.
Não fugirei da seguinte pergunta: que opção tomar num caso como o exposto, ser ético ou correr o risco de ser preso? Darei minha resposta sem o menor interesse de convencimento a quem quer que seja. Estejam à vontade em suas convicções. Eis a minha: o Código Penal tem status de Lei Ordinária, e está hierarquicamente superior às normativas expedidas pelo CFM. Por isso, e apenas por isso, prefiro seguir as instruções oferecidas pelo Código Penal.
Continuo justificando meu posicionamento com base nos 2 exemplos abaixo:
1) Se em alguma provável sindicância o CFM/CRM disser que não cometi nenhuma infração, mas por outro lado, num processo judicial o juiz entenda que meu registro de médico deva ser cassado. Qual decisão prevalecerá: a do CFM/CRM ou a do juiz?
2) De maneira inversa: se uma provável sindicância do CFM/CRM casse meu exercício profissional, mas por outro lado, num processo judicial o juiz me absolva de qualquer acusação e ratifica que é livre o meu exercício profissional. Mais uma vez, que decisão prevalecerá: a do CFM/CRM ou a do juiz.
Como nas 2 perguntas a resposta foi a mesma (prevalecerá a decisão do juiz), pra mim, dúvidas não restam que, em casos de lamentáveis conflitos normativos, é melhor obedecer ao mandado judicial do que às Resoluções/Pareceres do CFM/CRMs.
Respeito os que pensam de forma contrária. O assunto é polêmico.
Ratifico meu imenso apreço pelas normativas expedidas pelo CFM/CRMs. A crítica pontual que ora faço, nem de longe macula o excelente serviço prestado pelo(s) CFM/CRMs a toda classe médica, da qual honrosamente faço parte.
Estejam à vontade para emissão de suas opiniões.
Um forte abraço a todos! Até a próxima semana.
Que Deus nos abençoe.
Marcos H. Mendanha
E-mail: marcos@asmetro.com.br
Twitter: @marcoshmendanha