27 set 2011

DOENÇA MENTAL GERA ESTABILIDADE NO EMPREGO?

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Prezados leitores.

Quando o assunto é estabilidade no emprego em virtude de doença, logo nos vem à memória a redação do Art. 118 da Lei 8.213 / 1991:

“O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente da percepção de auxílio-acidente.”

Conforme nos ensina o Artigo 20 da mesma lei, o acidente do trabalho equipara-se à doença ocupacional. Sendo assim, o empregado acometido por alguma doença relacionada ao trabalho também tem a prerrogativa do gozo da estabilidade mínima de 12 meses, após cessação de seu auxílio-doença acidentário. É o que nos confirma também o inciso II da Súmula 378 do TST:

“São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a conseqüente percepção do auxílio doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego.” (grifo nosso)

E quando a doença não é ocupacional: terá o empregado direito à alguma estabilidade quando de sua dispensa do trabalho?

A dispensa arbitrária (sem justa causa), é permitida em nossa legislação, baseado no princípio fundamental do empregador, estabelecido pela própria Constituição Federal de 1988 (CF/88), da livre iniciativa, e do exercício do seu poder potestativo (poder que o empregador tem de “escolher com quem quer trabalhar”).

Mas, se por um lado a CF/88 dá ao empregador a possibilidade deste contratar (e descontratar) quem quiser, e quando quiser; a mesma CF/88 dá garantias fundamentais à cada cidadão brasileiro, tais como: preservação da intimidade, da liberdade de expressão, da igualdade, da dignidade da pessoa humana, etc.

E quando a CF/88 for contrária à própria CF/88? Ou seja, e quando o poder potestativo do empregador (de contratar e descontratar quem quiser, e quando quiser) ofender à alguma garantia fundamental do cidadão, como por exemplo, à preservação da igualdade, ou da dignidade da pessoa humana?

Vejamos alguns exemplos desses casos:

>> suponhamos um excelente professor de uma escola de ensino médio. Nas horas vagas, este professor escreve poesias eróticas e alimenta um blog pessoal com tais poesias. A escola poderia dispensá-lo do emprego por esse motivo, ou haveria aí uma afronta à garantia fundamental da liberdade de expressão desse professor?

>> um empregado é HIV positivo. Ao revelar isso na empresa, esse empregado é dispensado do trabalho. Houve lesão à preservação da igualdade estabelecida na CF/88?

>> um trabalhador é dispensado em virtude de uma doença crônica não ocupacional (por exemplo, câncer). Há lesão ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana?

Todos os exemplos citados confrontam os direitos fundamentais e constitucionais do empregador e do empregado. Qual deve prevalecer? O juiz decidirá.

Mas então: doença não ocupacional também gera estabilidade? Resposta: pode gerar. Senão vejamos os seguintes julgados:

a) processo: 0000467-07.2010.5.04.0611. Nesse caso, o empregador dispensou (sem justa causa) um empregado HIV positivo (cuja contaminação não tinha nenhuma relação com o trabalho), pouco mais de uma semana após ter ciência do diagnóstico do trabalhador. Como a contaminação com o vírus HIV não foi em virtude do trabalho, teoricamente esse empregado não gozava de estabilidade. Resultado: o empregador foi condenado a indenizar o trabalhador em R$ 8.000,00 por danos morais em virtude da afronta à garantia constitucional da igualdade;

b) processo: 810404-10.2001.5.12.5555. Aqui, o empregado comunicou à empresa que faria uma cirurgia de hérnia inguinal (nesse caso, considerada doença não ocupacional), e que depois teria que ficar afastado para se recuperar da cirurgia por alguns dias. Após o comunicado, e antes que a cirurgia ocorresse, o empregador dispensa o empregado (sem justa causa), uma vez que esse empregado não gozava de estabilidade. Resultado: a empresa foi condenada a pagar o valor de R$ 20.000,00 por danos morais em virtude da afronta ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, mesmo diante de uma doença não relacionada ao trabalho;

c) processo 165140-46.2006.5.01.0027. Nesse exemplo, após cessação do auxílio-doença do INSS, um empregado portador de cirrose (considerada como doença não ocupacional) foi dispensado do emprego, pois foi considerado “apto” e legalmente não gozava de estabilidade. Resultado: a empresa foi obrigada a reintegrá-lo;

d) processo 49/2006-046-02-40.7. Nesse caso, o empregador dispensou um empregado acometido por câncer (nesse caso, considerada uma doença não ocupacional). O Tribunal Superior do Trabalho (TST) foi enfático: “o trabalhador comprovadamente portador de doença grave não pode ter seu contrato rompido, esteja ou não afastado previdenciariamente do serviço, uma vez que a manutenção da atividade laborativa, em certos casos, é parte integrante do próprio tratamento médico”. Além disso, o TST qualificou a atitude da empresa como discriminatória. Resultado: o empregado foi reintegrado ao trabalho.

e) processo RR – 105500-32.2008.5.04.0101. Aqui, a empresa Walmart teve de reintegrar ao emprego um ex-funcionário, portador de esquizofrenia (doença não ocupacional), dispensado sem justa causa logo após ter ficado afastado do trabalho, pelo INSS, para tratamento médico. A decisão, que considerou a dispensa arbitrária e discriminatória (pois se deu após a empresa ter ciência de que o empregado possuia enfermidade ligada ao uso de drogas), prevaleceu em todas as instâncias judiciais trabalhistas, inclusive no TST.

f) processo AIRR-12635-31.2010.5.04.0000. Nesse caso, verificaremos um caso que se contrapõe frontalmente ao exemplo anterior, o que mostra que não temos posicionamentos pacificados nos tribunais no que se refere à essa matéria. Vejamos: uma ex-diretora da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do Rio Grande do Sul (Fase), portadora de transtorno afetivo bipolar foi dispensada do emprego. Por ter gozado de auxílio-doença (não acidentário), ajuizou uma ação trabalhista alegando que sua doença era ocupacional, e que sua dispensa da empresa caracterizava uma atitude discriminatória, pedindo assim indenização. A perícia médica judicial concluiu pela ausência do nexo de (con)causalidade entre o transtorno afetivo bipolar e o trabalho da ex-diretora. O ministro Horácio de Senna Pires, do TST, não reconheceu a existência de doença ocupacional que justificasse a indenização, “embora a doença a tornasse incapaz para o trabalho”. Entendeu, ainda, que a dispensa não foi discriminatória, e absolveu a fundação.

Por todo exposto, enquanto permanecer a discórdia de entendimentos entre os julgadores no que tange a esse assunto, devemos considerar que, independente de serem (ou não) doenças ocupacionais, as doenças crônicas consideradas graves podem garantir ao trabalhador estabilidade no emprego, apesar de não haver lei em vigor que imponha isso de forma específica.

Conclusão: é dado constitucionalmente ao empregador o poder potestativo, ou seja, o poder de contratar e descontratar quem quiser, e quando quiser. No entanto, se ao dispensar algum empregado (sem justa causa), houver questionamento judicial de que houve lesão de alguma garantia fundamental do cidadão estabelecida na mesma CF/88 (ex.: intimidade, liberdade de expressão, igualdade, dignidade, etc.), a reintegração ao emprego (e alguma indenização) poderá ser pleiteada.

Um forte abraço a todos.

Que Deus nos abençoe.

Marcos H. Mendanha

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