Como o objetivo desse blog é incentivar a boa reflexão sobre temas diversos ligados à área médica, aproveito a oportunidade dessa data para transcrever o excelente texto de autoria da Professora Dra. Isabella Vasconcellos de Oliveira, que chegou ao meu e-mail.
Um forte abraço a todos até a próxima terça-feira (27/09), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.
Que Deus nos abençoe.
Boa leitura!
Médicos, Operadoras e eu
Hoje, 21 de setembro de 2011, meus colegas médicos brasileiros que atuam como prestadores para operadoras de saúde suplementar participaram de uma paralisação nacional em defesa de seus honorários. Defendem uma remuneração mais justa, de R$ 60,00 pela consulta, o que, comparado a serviços prestados por outros profissionais, realmente não é muito.
Concordo que as tabelas de remuneração estão defasadas e admiro quem luta pela valorização do trabalho médico. Entretanto, da forma como a mídia anuncia o fato à população, as operadoras ficam parecendo as vilãs da história, enquanto que a classe médica ocupa a posição de vítima.
Nós que estamos dentro do sistema, sabemos que as coisas não são tão simples assim. Só quem acompanha o dia-a-dia de uma operadora de saúde suplementar, constata que a responsabilidade pela atual relação entre OPs e médicos é de todos e que a situação não é assim tão claramente fragmentada.
Venho repetindo ad nauseam que a principal responsável pela inflação da saúde é a classe médica. É a caneta do médico que solicita exames desnecessários, indica cirurgias quando o tratamento padrão é o conservador, pede próteses de marcas e medicamentos de alto custo dos quais recebe participações financeiras e atualmente até indica advogados a pacientes para que eles entrem com liminares, quando seus planos de saúde negam algum procedimento. Não estou dizendo que todos os médicos agem desse modo, sabemos que é uma minoria. Mas temos que parar de fingir que essas coisas não acontecem.
E claro que também sabemos por outro lado que existem OPs que praticam glosas lineares, ferem contratos e interferem na conduta médica. Mas o que é exatamente interferir na conduta médica? É querer conversar com o colega quando ele solicita algo que nós, como auditores médicos consideramos sem evidencias ou desnecessário? Por que somente nós auditores temos que nos preocupar com o custo da saúde? Isso não deveria ser uma obrigação de todos?
Hoje, durante a tarde, indeferi uma solicitação de uma colega obstetra que pedia uma internação de véspera para uma cesárea numa gestante portadora de estreptococo do grupo B. Sua conduta médica estava corretíssima: pretendia fazer a profilaxia da infecção do recém nato pela bactéria presente na mãe com um antibiótico venoso. O problema: a operadora teria que pagar uma diária a mais por isso. Como a profilaxia é feita 4 horas antes do parto / cesárea, não vi justificativa para internação de véspera. Caso a paciente internasse às 7 da manhã, poderia ser operada na parte da tarde com toda a segurança. Diante da negativa, a colega médica entrou em contato comigo para tentar justificar sua solicitação. Havia agendado a cesárea eletiva para às 9 da manhã e então precisava que a gestante internasse na véspera. Então pedi que ela remarcasse a cirurgia para mais tarde, pois isso não justificava uma internação na véspera e ela argumentou que tinha consultório à tarde e não queria desmarcá-lo. Quando eu, educadamente disse que isso não era argumento que justificasse um incremento de custo para a operadora, a colega se enfureceu e disse: “Isso é um abuso. Você, como minha colega médica deveria entender que tenho meus compromissos”. Pois bem, na cabeça da minha colega, os “seus compromissos” justificam a transferência do ônus para a operadora, e conseqüentemente para toda a carteira da empresa da paciente. Ela se acha coberta de razão e certamente engrossará a fila dos que dizem que as Ops interferem na conduta dos médicos.
Estou cansada de ouvir dos meus colegas que eles não têm que se preocupar com custo, mas sim com o paciente, pois precisam oferecer a ele o melhor atendimento possível. Correto. Mas e nós auditores de OPs, não estamos preocupados com os nossos beneficiários? Temos uma preocupação muito mais complexa que vai da saúde do paciente / indivíduo à saúde de todos os beneficiários de uma carteira. Pois quando um colega indica um procedimento desnecessário, são todos os beneficiários daquela carteira que pagam por ele (é o princípio do mutualismo). Quando será que a classe médica se conscientizará disso?
Para finalizar este belo dia, ouço no Jornal nacional que o TCU auditou os hospitais federais no RJ e encontrou um rombo de 16 milhões de reais por desvios de verba. E o Governo querendo nos impingir um novo imposto para financiar o rombo da saúde pública.
Algo está errado com o mundo ou estarei ficando louca?
Abraço a todos,
Dra. Isabella Vasconcellos de Oliveira
Docente do tema “Avaliação de Tecnologia em Saúde” da Rede LFG de Ensino
Auditora Médica da CAREPLUS