Pela efervescência da matéria sobram normativas entre as quais citamos algumas:
Portaria 1.246 / 2010 do Ministério do Trabalho e Emprego, Art. 2º: “Não será permitida, de forma direta ou indireta, nos exames médicos por ocasião da admissão, mudança de função, avaliação periódica, retorno, demissão ou outros ligados à relação de emprego, a testagem do trabalhador quanto ao HIV.
Parágrafo único: O disposto no caput deste artigo não obsta que campanhas ou programas de prevenção da saúde estimulem os trabalhadores a conhecer seu estado sorológico quanto ao HIV por meio de orientações e exames comprovadamente voluntários, sem vínculo com a relação de trabalho e sempre resguardada a privacidade quanto ao conhecimento dos resultados.”
Nosso comentário: essa portaria foi emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e é direcionada apenas aos que estão sujeitos à relação de emprego. Mas o que é relação de emprego? Trata-se de uma relação de trabalho que está calcada no regime celetista (CLT), como estabelece com seus empregados a maior parte das empresas. Os servidores públicos estaduais e municipais, por exemplo, podem estar submetidos à estatutos próprios que são omissos quanto a esse tema. Nesses casos essa portaria não teria validade (a menos que fosse objeto de discussão judicial ou administrativa, onde os efeitos dessa portaria fossem requeridos por analogia). Obs.: para os servidores públicos federais já existe a Portaria Interministerial 869 / 1992:
Portaria Interministerial 869 / 1992: “Proíbe, no âmbito do Serviço Público Federal, a exigência de teste para detecção do vírus de imunodeficiência.”
Na mesma esteira, vem a Resolução 1.665 / 2003 do Conselho Federal de Medicina, Art. 4º: “É vedada a realização compulsória de sorologia para HIV.”
Pelas normativas expostas, concluímos que não se deve solicitar sorologia para HIV de forma compulsória, em nenhuma hipótese.
Algumas perguntas são freqüentes sobre o tema:
a) No exemplo de um instrumentador cirúrgico: não há o risco de contaminação dos pacientes, caso ocorra um acidente com perfurocortante, e esse instrumentador seja HIV positivo? O Médico do Trabalho / “Médico Examinador” não deveria pedir o teste de HIV no exame admissional para os instrumentadores cirúrgicos?
R.: Há um incontestável risco de contaminação de pacientes, caso ocorra um acidente com perfurocortante envolvendo um profissional que seja HIV positivo (seja instrumentador cirúrgico, seja o próprio médico, etc.). Nossa legislação, no entanto, entende que apesar do risco evidente, não há fator impeditivo para que este profissional exerça a função de instrumentador cirúrgico, apenas pelo fato de ser HIV positivo. A razão é compreensível: que tipo de cuidado diferente para se evitar um acidente com perfurocortante tem o trabalhador que é HIV positivo, quando comparado a um trabalhador que tem sorologia desconhecida? Absolutamente nenhum! A prevenção deve seguir o mesmo rigor, para TODOS os trabalhadores (independente da sorologia). Dessa forma, a solicitação do teste de HIV é proibida, inclusive para trabalhadores da área da saúde, sob pena de ser qualificada como conduta discriminatória. Para reflexão: já imaginaram se todos os pacientes tivessem o direito de exigir sorologia de HIV, Hepatite, etc., para os cirurgiões que os fossem operá-los?
b) Voltando ao exemplo de um instrumentador cirúrgico, caso já tenha ocorrido o acidente com perfurcortante, mas não há confirmação que este instrumentador seja HIV positivo: poderá esse trabalhador se recusar a fazer o teste anti-HIV, caso solicitado?
R.: Sim. Vejamos o que diz o Manual de Condutas em Exposição Ocupacional à Material Biológico do Ministério da Saúde:
“A solicitação de teste anti -HIV deverá ser feita com aconselhamento pré e pós-teste do paciente-fonte com informações sobre a natureza do teste, o significado dos seus resultados e as implicações para o profissional de saúde envolvido no acidente.”
E continua:
“A recusa do profissional para a realização do teste sorológico ou para o uso das quimioprofilaxias específicas deve ser registrada e atestada pelo profissional.”
Percebemos que o próprio Ministério da Saúde considerou a possibilidade de recusa do profissional para realização do teste de HIV. Tanto assim, que preconizou o início da quimioprofilaxia preventiva em casos de acidentes com perfurocortantes, mesmo sem a certeza quanto à sorologia do paciente/trabalhador-fonte.
Pelo exposto, perguntamos também: de acordo com o Protocolo do Ministério da Saúde, qual a diferença de conduta pós-acidente quando se tem conhecimento que o paciente/trabalhador fonte é HIV positivo, quando comparamos com uma situação onde não se conhece a sorologia do paciente/trabalhador fonte? De novo, absolutamente nenhuma! A quimioprofilaxia preventiva será realizada, de igual forma, nos dois casos.
Ora, se despirmos honestamente de todos os nossos preconceitos, fica fácil entender porque a solicitação de HIV de forma compulsória é proibida, mesmo para trabalhadores que atuam em ambiente hospitalar: se as prevenções pré-acidentes e as condutas pós-acidentes são as mesmas para trabalhadores e pacientes HIV positivos, ou com sorologias desconhecidas, a ausência do conhecimento prévio da sorologia não gera prejuízo, nem na prevenção do acidente, nem nos procedimentos pós-acidentes. Sendo assim, qual seria a justificativa da obrigatoriedade da solicitação da sorologia de HIV, se não a justificativa discriminatória?
c) Solicitar exame para hepatite também é proibido?
R.: O tema HIV, por toda repercussão que provoca, conseguiu ser mais legislado do que outras situações de saúde. Nosso entendimento é de que a análise de hepatite, e todas as doenças de transmissão através do sangue, sejam feitas de forma análoga a análise do HIV, parcimoniosa e dentro do maior bom senso e discrição possíveis. Só não valem condutas discriminatórias!
d) Já que não é permitido pedir sorologia para HIV nos exames relacionados ao emprego, isso implica dizer que um trabalhador HIV positivo sempre estará apto ao trabalho?
R.: De forma alguma! O que a legislação entende é que não é pela sorologia de HIV que se define o “apto” ou “inapto”. Apenas isso. Agora, se o quadro clínico do trabalhador estiver incompatível com sua função, ele certamente deverá ser considerado “inapto” ao trabalho, sob pena de estar havendo omissão e negligência do Médico do Trabalho / “Médico Examinador” ao expor esse empregado à condições incompatíveis com seu quadro, condições estas que podem oferecer riscos ao próprio empregado.
Percebam: a inaptidão pelo empregado estar debilitado clinicamente é permitida (e necessária). Já a inaptidão apenas pelo fato do empregado ser HIV positivo (mesmo gozando de boas condições de saúde) é discriminatória, nos termos da legislação em vigor.
Concluindo: por mais controverso que pareça aos olhos de muitos profissionais da saúde (médicos, inclusive), as leis brasileiras entendem que o fato do indivíduo ser HIV positivo não o impede, só por essa circunstância, do exercício de QUALQUER função laboral. Seja no serviço privado, ou serviço público federal (conforme normativas acima), a solicitação rotineira e obrigatória de teste para detecção de HIV configura-se como prática discriminatória.
Um forte abraço a todos e até a próxima segunda-feira (21/11), data provável para postagem de um novo texto nesse blog.
Que Deus nos abençoe.
Marcos H. Mendanha
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Julgado relacionado ao tema: http://bit.ly/khDjK7