Prezados leitores.
Quando o assunto é estabilidade no emprego em virtude de alguma doença, logo nos vem à memória a redação do art. 118 da Lei 8.213/1991:
“O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente da percepção de auxílio-acidente.”
Conforme nos ensina o art. 20 da mesma lei, o acidente do trabalho equipara-se à doença ocupacional. Sendo assim, o empregado acometido por alguma doença relacionada ao trabalho também tem a prerrogativa do gozo da estabilidade mínima de 12 meses, após cessação de seu auxílio-doença acidentário. É o que nos confirma o inciso II da Súmula 378 do TST:
“São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a conseqüente percepção do auxílio doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego.”
E quando a doença não é ocupacional: terá o empregado direito a alguma estabilidade quando de sua dispensa do trabalho?
A dispensa arbitrária (sem justa causa) é permitida em nossa legislação, baseada no direito que o empregador tem, assegurado constitucionalmente, da livre iniciativa, e do exercício do seu poder potestativo (poder que o empregador tem de “escolher com quem quer trabalhar”).
Mas, se por um lado a CF/1988 dá ao empregador a possibilidade deste contratar (e descontratar) quem quiser, e quando quiser; a mesma CF/1988 dá garantias fundamentais a cada cidadão brasileiro, tais como: preservação da intimidade, da liberdade de expressão, da igualdade, da dignidade da pessoa humana, etc.
E quando a CF/1988 for contrária à própria CF/1988? Ou seja, e quando o poder potestativo do empregador (de contratar e descontratar quem quiser, e quando quiser) ofender a alguma garantia fundamental do cidadão, como por exemplo, à preservação da igualdade, ou da dignidade da pessoa humana?
Vejamos alguns exemplos desses casos.
1) Suponhamos um excelente professor de uma escola de ensino médio. Nas horas vagas, este professor escreve poesias eróticas e alimenta um blog pessoal com tais poesias. A escola poderia dispensá-lo do emprego por esse motivo, ou haveria aí uma afronta à garantia constitucional da liberdade de expressão desse professor?
2) Um empregado é HIV positivo. Ao revelar isso na empresa, esse empregado é dispensado do trabalho. Houve lesão à preservação da igualdade estabelecida na CF/1988, ou seja, houve discriminação?
3) Um trabalhador é dispensado em virtude de uma doença crônica não ocupacional (por exemplo, câncer). Há lesão ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana?
Todos os exemplos citados confrontam os direitos fundamentais e constitucionais do empregador e do empregado. Qual deve prevalecer? O juiz decidirá.
Nesse contexto, uma doença não ocupacional também poderá gerar estabilidade. Senão, vejamos os julgados a seguir:
a) Processo 0000467-07.2010.5.04.0611. Nesse caso, o empregador dispensou (sem justa causa) um empregado HIV positivo (cuja contaminação não tinha nenhuma relação com o trabalho), pouco mais de uma semana após ter ciência do diagnóstico do trabalhador. Como a contaminação com o vírus HIV não foi em virtude do trabalho, teoricamente esse empregado não gozava de estabilidade, nos termos do art. 118 da Lei 8.213/1991. No entanto, o empregador foi condenado a indenizar esse trabalhador em R$ 8.000,00 (oito mil reais) por danos morais em virtude da afronta à garantia constitucional da igualdade.
b) Processo 810404-10.2001.5.12.5555. Aqui, o empregado comunicou à empresa que faria uma cirurgia corretiva de hérnia inguinal (nesse caso, considerada doença não ocupacional), e que depois da cirurgia teria que ficar afastado do trabalho por alguns dias visando sua própria recuperação. Após o comunicado, e antes que a cirurgia ocorresse, o empregador dispensou o empregado (sem justa causa), uma vez que esse empregado não gozava de estabilidade. Resultado: a empresa foi condenada a pagar o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por danos morais em virtude da afronta ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, mesmo diante de uma doença não relacionada ao trabalho.
c) Processo 165140-46.2006.5.01.0027. No caso em tela, após a cessação do auxílio-doença previdenciário do INSS (código 31), um empregado portador de cirrose (considerada como doença não ocupacional) foi dispensado do emprego, uma vez que foi considerado “apto”, e legalmente não gozava de estabilidade. Por ordem judicial, a empresa foi obrigada a reintegrá-lo, por afronta ao direitos fundamentais da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
d) Processo 49/2006-046-02-40.7. Nesse caso, o empregador dispensou um empregado acometido por câncer (aqui considerada uma doença não ocupacional). O Tribunal Superior do Trabalho (TST) foi enfático: “o trabalhador comprovadamente portador de doença grave não pode ter seu contrato rompido, esteja ou não afastado previdenciariamente do serviço, uma vez que a manutenção da atividade laborativa, em certos casos, é parte integrante do próprio tratamento médico”. Além disso, o TST qualificou a atitude da empresa como discriminatória. Consequência: o empregado foi reintegrado ao trabalho.
e) Processo RR – 105500-32.2008.5.04.0101. Aqui, a uma empresa que atua no ramo de hipermercados teve que reintegrar um ex-empregado, portador de esquizofrenia (doença não ocupacional), dispensado sem justa causa logo após ter ficado afastado do trabalho, recebendo auxílio-doença do INSS, para tratamento médico. A decisão, que considerou a dispensa arbitrária e discriminatória (pois se deu após a empresa ter ciência de que o empregado possuia enfermidade ligada ao uso de drogas), prevaleceu em todas as instâncias judiciais, inclusive no TST.
f) Processo 00351-2011-074-03-00-1. Nessa ação, a empresa dispensou um empregado (motorista) dependente de crack, sob o argumento de abandono de emprego (uma justa causa de rescisão de contrato de trabalho, conforme art. 482 da CLT). A magistrada qualificou a atitude do empregador como discriminatória. E foi além: “assim como a empregada gestante tem estabilidade no emprego desde a concepção até 5 meses após o parto, independente de o empregador ter o não o conhecimento da gravidez, tudo em prol da proteção à vida, também o empregado viciado em crack possui o direito de não ter seu contrato de trabalho extinto durante todo período que se fizer necessário para sua recuperação”. Com esses argumentos, a juíza determinou a reintegração do empregado em uma função compatível com seu estado, e o encaminhamento ao INSS para devido tratamento.
g) Processo RO 0001417-69.2010.5.01.0491. Aqui, uma empregada de uma clínica de nefrologia, portadora de Hepatite C, foi dispensada ainda no período de experiência. Ao ser contratada em 01º/05/2010 para a função de técnica de enfermagem, a trabalhadora realizou exame admissional, sendo considerada apta para o trabalho. Após o resultado do exame de sangue revelar a existência da enfermidade, a clínica solicitou novo exame, que ratificou o diagnóstico em 18/05/2010, sendo a empregada dispensada no dia seguinte, menos de 20 dias depois da contratação. Além da condenação por dano moral, o juiz da 1ª Vara do Trabalho de Magé/RJ declarou a nulidade da dispensa da trabalhadora, por entendê-la discriminatória, e determinou sua reintegração no emprego.
h) Processo AIRR-12635-31.2010.5.04.0000. No caso em tela, temos uma situação frontalmente oposta ao exemplo anterior, o que mostra que ainda não temos posicionamentos pacificados nos tribunais, no que se refere à essa matéria. Vejamos: uma ex-diretora de uma fundação, portadora de transtorno afetivo bipolar foi dispensada do emprego. Por ter gozado de auxílio-doença (não acidentário), ajuizou uma ação trabalhista alegando que sua doença era ocupacional, e que sua dispensa da empresa caracterizava uma atitude discriminatória, pedindo assim indenização. A perícia médica judicial concluiu pela ausência do nexo de (con)causalidade entre o transtorno afetivo bipolar e o trabalho da ex-diretora. O TST não reconheceu existência de doença ocupacional que justificasse a indenização, “embora a doença a tornasse incapaz para o trabalho”. Entendeu ainda a Egrégia Corte, que a dispensa não foi discriminatória, e absolveu a fundação.
Por todo exposto, enquanto permanecer a discórdia de entendimentos entre os julgadores no que tange a esse assunto, devemos considerar que, independente de serem (ou não) doenças ocupacionais, as doenças crônicas consideradas graves podem garantir ao trabalhador estabilidade no emprego, apesar de não haver lei em vigor que imponha isso de forma específica. Quando de uma dispensa de um empregado, o empregador deverá estar atento e vigilante para que não haja possibilidade de afronta, especialmente aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, e da igualdade (não discriminação) dos cidadãos/trabalhadores.
Concluindo, é dado constitucionalmente ao empregador o poder potestativo, ou seja, o poder de contratar e descontratar quem quiser, e quando quiser. No entanto, se ao dispensar algum empregado, houver questionamento judicial de que houve lesão de alguma garantia fundamental do cidadão estabelecida na mesma CF/1988 (ex.: intimidade, liberdade de expressão, igualdade, dignidade da pessoa humana, etc.), a reintegração ao emprego (e alguma indenização) poderá ser pleiteada.
Um forte abraço a todos!
Que Deus nos abençoe.
Marcos Henrique Mendanha