03 maio 2012

PRONTUÁRIO MÉDICO: GUARDAR POR QUANTO TEMPO?

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Prezados leitores.

Imaginem a seguinte situação hipotética: um indivíduo trabalhou em uma mineradora, e dela se desligou há 37 anos. Hoje, recebeu diagnóstico de silicose. Será que ele poderá processar a empresa (caso ela ainda exista) solicitando algum tipo de indenização? Resposta: sim.

Muitos dirão: “a resposta é não, pois no Direito do Trabalho, o (ex)empregado tem apenas 2 anos para acionar juridicamente a empresa, e só poderá questionar os fatos relativos aos últimos cinco anos, contados a partir da data em que ele ingressou com a ação judicial (prescrição qüinqüenal, conforme art. 11 da CLT)”. Isso é bem verdade, mas nos casos de doenças profissionais (equiparadas legalmente a acidentes de trabalho), a regra é diferente. Vejamos o que diz a Súmula 230 do Supremo Tribunal Federal (STF):

“A prescrição da ação de acidente de trabalho conta-se do exame pericial que comprovar a enfermidade ou verificar a natureza da incapacidade”.

Na mesma linha, vem a Súmula 278 do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

“O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral.”

Explicando: se o diagnóstico de silicose (naturalmente considerada doença profissional) chegou hoje, então, somente hoje começa o prazo para que esse indivíduo acione juridicamente a empresa da qual se desligou há 37 anos, pleiteando assim uma provável indenização em virtude dessa moléstia ocupacional. Dentro do mesmo raciocínio, veio o julgado a seguir:

EMENTA: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ACIDENTE DE TRABALHO, DANO MORAL E MATERIAL. PRESCRIÇÃO. CERCEIO DE DEFESA. DANOS MORAIS E MATERIAIS. DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO. Em se tratando de acidente de trabalho e doença ocupacional, o marco inicial para a contagem do prazo prescricional para a propositura da ação de indenização não é a data do afastamento ou da constatação da doença, e sim a da ciência inequívoca da incapacidade laboral – no caso, da constatação por laudo médico da incapacidade total para o trabalho, apesar da alta previdenciária – por se considerar o critério da actio nata. Esse é o sentido do art. 104, II, da Lei 8.213/91, o qual, conquanto direcionado às ações previdenciárias, aplica-se, por analogia, às ações trabalhistas indenizatórias de acidente de trabalho. Neste sentido, inclusive, o entendimento pacificado no âmbito da jurisprudência do STF (Súmula 230) e no STJ (Súmula 278). Na hipótese, o Regional concluiu estar presente o nexo de causalidade entre a atividade laboral e o acidente que vitimou o Reclamante, o qual, em 5/6/1999, sofreu fratura na coluna, concluindo o laudo pericial que o infortúnio decorreu do labor em carregamentos de sacos de terra de 100 kg. O Reclamante permaneceu em auxílio-doença acidentário até 16/11/2006, quando teve alta definitiva pelo INSS. Entretanto, o laudo médico atestou que o empregado teve incapacidade total para o trabalho braçal. Portanto, em 16/11/2006, o Reclamante teve a ciência inequívoca da incapacidade laboral, sendo este o marco inicial para o fluxo da prescrição de cinco anos previsto no art. 7º, XXIX, CF. Como a ação foi ajuizada em 14/03/2008, dentro do quinquídio legal, não está prescrita a pretensão. Inviável o processamento do recurso de revista quando as razões expendidas no agravo de instrumento não logram infirmar os termos da decisão denegatória, que subsistem por seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento desprovido.” (AIRR – 22140-11.2008.5.10.0821)

Já que é assim, voltemos ao exemplo da silicose. E se, diante de um processo judicial instaurado, houver necessidade do prontuário, sob guarda do Médico do Trabalho daquela mineradora, e este prontuário já não exista mais? Isso será lamentável.

Ora, então por quanto tempo esse prontuário deveria ter sido guardado?

Diz a Norma Regulamentadora n. 7 (NR-7) do Ministério do Trabalho e Emprego, em seu item 7.4.5.1, que o prontuário médico de um empregado deve ser guardado pelo período mínimo de 20 anos, contados a partir da data do desligamento desse empregado da respectiva empresa. Essa regra também se aplica aos hospitais e clínicas de uma forma geral, conforme Resolução 1.821 / 2007 do Conselho Federal de Medicina, que assim resolveu:

“Art. 8º: Estabelecer o prazo mínimo de 20 (vinte) anos, a partir do último registro, para a preservação dos prontuários dos pacientes em suporte de papel, que não foram arquivados eletronicamente em meio óptico, microfilmado ou digitalizado.”

A mesma resolução determina que, no caso dos prontuários arquivados eletronicamente em meio óptico, microfilmado ou digitalizado, a guarda desses prontuários deverá ser permanente.

Na esfera da “saúde do trabalhador”, há situações específicas onde, mesmo o prontuário sendo impresso, o tempo mínimo de seu armanezamento é de 30 (trinta) anos. Um exemplo, são os prontuários daqueles que trabalham com asbesto (amianto), conforme item 11.1 do Anexo 12 da NR-15, que assim coloca:

“Os registros das avaliações deverão ser mantidos por um período não inferior a 30 (trinta) anos.”

De maneira análoga é a armazenagem dos prontuários impressos dos trabalhadores expostos às radiações ionizantes, conforme item 32.4.8 da NR-32, transcrito a seguir:

“O prontuário clínico individual previsto pela NR-07 deve ser mantido atualizado e ser conservado por 30 (trinta) anos após o término de sua ocupação.”

No entanto, mesmo guardando o prontuário por 30 anos, situações como as descritas no início desse tópico (indivíduo que recebe diagnóstico de silicose 37 anos após ter se desligado da mineradora) poderão ocorrer. Em tais situações, se o prontuário do serviço de Medicina do Trabalho da empresa já tiver sido descartado, talvez, nem todos os fatos relativos à uma determinada doença ocupacional poderão ser satisfatoriamente esclarecidos.

Assim, apesar das legislações citadas, para uma maior segurança de todos os atores envolvidos num processo judicial que envolva alguma hipotética doença ocupacional, o ideal é que a guarda dos prontuários seja permanente (independente do prontuário ser impresso, arquivado eletronicamente em meio óptico, microfilmado ou digitalizado).

Vale lembrar que até mesmo os familiares de um trabalhador falecido poderão acionar a justiça em virtude de uma eventual doença profissional, ou seja, nem mesmo a morte do trabalhador é indicativo de uma segura destruição do seu respectivo prontuário.

Um forte abraço a todos!

Que Deus nos abençoe.

Marcos Henrique Mendanha

Notícia relativa ao tema:

EMPREGADO CONSEGUE INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE TRABALHO (PERDA AUDITIVA) 15 ANOS APÓS A DISPENSA.‏

O ex-empregado de uma das maiores empresas têxteis do país procurou a Justiça do Trabalho alegando que sofreu perda auditiva em decorrência dos ruídos e das condições inadequadas de trabalho.

Por conta disso, pediu que a reclamada fosse condenada ao pagamento de indenizações por danos morais e materiais, além de ressarcimento pelo período de estabilidade que não chegou a usufruir.

O problema é que o contrato de trabalho durou de 1986 a 1997 e o reclamante ajuizou a ação apenas em 2013. Em razão dessa demora, a empresa argumentou que o direito de ação já estaria prescrito.

Mas a tese foi rejeitada pela 6ª Turma do TRT-MG. Acompanhando o voto da juíza convocada Rosemary de Oliveira Pires, os julgadores decidiram manter a sentença que afastou a prescrição e concedeu indenizações ao reclamante.

A decisão se baseou na teoria da “actio nata” (nascimento do direito de ação), pela qual, somente a partir da ciência inequívoca das lesões é que começa a correr o prazo prescricional.

O trabalhador relatou que, por volta do ano de 1994, percebeu redução de acuidade auditiva à direita e posteriormente à esquerda. Dispensado pela reclamada em 1997, foi trabalhar no campo. Ao tentar retornar ao trabalho urbano, foi reprovado em exame admissional realizado no dia 10/01/2012, em função da perda auditiva bilateral constatada.

Na sentença, o juiz entendeu que, apesar de ter percebido a redução da percepção auditiva há mais tempo, o reclamante só teve ciência inequívoca da consolidação das lesões e de sua incapacidade anos depois. A decisão rejeitou a prescrição, reconhecendo que o direito de ação somente nasceu com as conclusões do laudo pericial produzido nos autos.

Ao analisar o recurso da indústria, a relatora também entendeu que não ocorreu a prescrição. Ela lembrou que, até a edição da Emenda Constitucional 45/2004, havia controvérsia sobre a competência para processar e julgar ações que versavam sobre acidente do trabalho.

Com a nova redação conferida ao artigo 114 da Constituição Federal pela EC 45/04, ficou definido que a Justiça do Trabalho é competente para julgar os pedidos de indenização por danos morais e materiais decorrentes do acidente de trabalho.

Com isso, aplica-se o inciso XXIX do artigo 7º da Constituição da República, que prevê que o direito de exigir os créditos resultantes das relações de trabalho se sujeita ao “prazo prescricional de 5 (cinco) anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de 2 (dois) anos após a extinção do contrato de trabalho”.

De acordo com a magistrada, o prazo do Direito Civil aplica-se às ações propostas antes da vigência da Emenda 45/04. No caso do processo, como o reclamante propôs a reclamação em 2013, ou seja, muitos anos depois da edição da Emenda Constitucional, a julgadora não teve dúvidas de que a prescrição aplicável é mesmo a trabalhista.

A relatora aplicou ao caso a Súmula 278 do STJ, que prevê que o termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o empregado tem ciência inequívoca de sua incapacidade laboral. No mesmo sentido, destacou o Enunciado nº 46, aprovado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, segundo o qual:

“O termo inicial do prazo prescricional da indenização por danos decorrentes de acidente do trabalho é a data em que o trabalhador teve ciência inequívoca da incapacidade laboral ou do resultado gravoso para a saúde física e/ou mental”.

Nesse contexto, a prescrição total foi afastada. “Apesar de o reclamante ter notado a redução de sua capacidade auditiva há muitos anos, conforme exame realizado em 1996, exsurge dos autos que apenas em 10/01/2012, quando foi reprovado no exame admissional realizado, é que teve ciência inequívoca do comprometimento de sua audição e da incapacidade consequente”, destacou a juíza convocada, ponderando, ainda, que “se a própria reclamada não carreou aos autos a audiometria realizada por ocasião da demissão, o que impede verificar a consolidação da doença na época, não pode pretender que o marco inicial da prescrição seja a dispensa, ocorrida no ano de 1997”.

Dano moral decorrente da doença

Com base na perícia médica, a magistrada reconheceu que as atividades desenvolvidas no trabalho influenciaram no desenvolvimento da doença. Segundo o perito, o problema de ruído é antigo na empresa, que não tinha tradição de oferecer proteção auditiva eficiente.

A oferta de protetores auriculares era feita de forma irregular e destituído de certificação de qualidade. Nesse cenário, a relatora considerou que a ré não provou a adoção dos procedimentos imprescindíveis à humanização do trabalho, devendo indenizar os danos causados.

“A responsabilidade da empregadora em indenizar o empregado por danos provenientes de acidente de trabalho, ou do surgimento de doenças ocupacionais, quando incorrer em dolo ou culpa, consoante o disposto no artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição da República, emerge do dever legal de conduta de evitar a ocorrência de tais infortúnios, pela observância das regras previstas na CLT, no art. 19, §1º da Lei 8.213/91 e nas Normas Regulamentadoras do MTE, referentes à saúde, higiene e segurança do trabalho, elevadas a nível constitucional (art. 7º, XXII), exigindo do empregador a adoção de medidas tendentes a garantir a integridade física e mental de seus empregados”, registrou a relatora no voto, acrescentando, ainda, que a concausa (causa que concorre com outra para a produção do seu efeito) é suficiente para caracterizar a doença ocupacional, nos termos do artigo 21, inciso I, da Lei 8.213/91.

Portanto, considerando presentes os elementos caracterizadores da responsabilidade civil, a Turma de julgadores confirmou a obrigação da reclamada de reparar os danos morais sofridos pelo reclamante. O valor da indenização por danos morais foi elevado para R$ 15 mil.

Além disso, foi reconhecido o direito à estabilidade provisória, nos termos da parte final do item II da súmula 378 do TST. No entanto, por se tratar de doença profissional constatada após a despedida, não foi exigido o afastamento superior a 15 dias e a consequente percepção do auxílio-doença acidentário.

Processo: RO 0000599-67.2013.5.03.0100

Fonte: TRT/MG.

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