07 ago 2012

MÉDICO TRABALHA QUANTAS HORAS POR DIA?

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Prezados leitores.Como um dos objetivos desse blog é falar sobre a saúde dos trabalhadores, falaremos hoje sobre a saúde dos médicos. Para ser mais específico, falaremos sobre a jornada de trabalho dos médicos como fator adoecedor. Infelizmente, não é um texto de “boas novas”.

Abordaremos nesse texto apenas aspectos do Direito Privado. A vigente Lei 3.999/61 (que só é aplicada no Direito Privado, conforme determina a própria lei), assim nos traz:

Art. 8º A duração normal do trabalho, salvo acordo escrito que não fira de modo algum o disposto no artigo 12, será:
a) para médicos, no mínimo de duas horas e no máximo de quatro horas diárias;
§ 1º Para cada noventa minutos de trabalho gozará o médico de um repouso de dez minutos.
§ 2º Aos médicos e auxiliares que contratarem com mais de um empregador, é vedado o trabalho além de seis horas diárias.
§ 3º Mediante acordo escrito, ou por motivo de força maior, poderá ser o horário normal acrescido de horas suplementares, em número não excedente de duas.

Na minha modesta interpretação, o texto acima estabelece sim um limite máximo para jornada de trabalho médico. Conforme a lei, o normal seria que os médicos trabalhassem até 4 horas/dia. A partir daí, já estaríamos dentro do excepcional, exemplo: 6 horas/dia para os médicos que tiverem mais de um empregador, com possibilidade de, no máximo 2 horas-extras por motivo de força maior.

Entendo que o que o legislador quis dizer em 1961 foi o seguinte: “no regime privado, na pior das hipóteses, mediante motivo de força maior (que não ocorre diariamente) médico vai trabalhar no máximo 8 horas/dia – já considerando as horas-extras desse dia de trabalho extremo.”

Penso que naquela época, já poderíamos ter levantado essa bandeira nas faculdades de medicina, e em nossos sindicatos. Mas ao invés disso, o que fizemos (nós, médicos)? Continuamos sem uma politização de classe, trabalhando cada vez mais.

O fato é que nós mesmos (os médicos) fizemos o que era excepcional (trabalharmos bem mais que 4horas/dia) virar uma coisa normal. Tanto assim, que em 2005 o TST reconheceu que 4 horas/dia era muito pouco para os médicos, apesar da vigente Lei 3.999/61. É o que expressa a Súmula 370 do TST:

Súmula 370 do TST: “Tendo em vista que as Leis nº 3999/1961 e 4950/1966 não estipulam a jornada reduzida, mas apenas estabelecem o salário mínimo da categoria para uma jornada de 4 horas para os médicos e de 6 horas para os engenheiros, não há que se falar em horas extras, salvo as excedentes à oitava, desde que seja respeitado o salário mínimo/horário das categorias.”

Minha modesta crítica sobre essa Súmula: não estipula jornada reduzida? Como não?! Vejamos o texto da Lei 3.999/61: “A duração normal do trabalho, será:para médicos, no mínimo de duas horas e no máximo de quatro horas diárias.” Isso não é estipular jornada reduzida?! Pra mim, claro que é. Mas como nada fizemos, e a lei continua sem ser obedecida por nós mesmos (os médicos), o próprio TST “inventou” uma interpretação pra ela, e colocou essa interpretação na forma da Súmula 370. Oficializou-se então que podemos trabalhar bem mais do que 4h/dia.

Nesse mesmo caminho (da Súmula), já existem vários julgados (que parecem traduzir o entendimento majoritário dos juízes). Cito alguns:

EMENTA: HORAS EXTRAS. LEI N. 3.999/61. MÉDICO. A Lei n. 3999/61, que rege a categoria profissional dos médicos, estabelece o salário mínimo da categoria para uma jornada de quatro horas, e não que a jornada máxima diária desses profissionais deva observar esse limite. (…) Adoção da Súmula n. 370 do TST. (RO 769-42-2010.5.04.0221)

EMENTA: MÉDICOS. Tendo em vista que as Leis nº 3999/1961 e 4950/1966 não estipulam a jornada reduzida, mas apenas estabelecem o salário mínimo da categoria para uma jornada de 4 horas para os médicos e de 6 horas para os engenheiros, não há que se falar em horas extras, salvo as excedentes à oitava, desde que seja respeitado o salário mínimo/horário das categorias. (RR 815008120075040010 81500-81.2007.5.04.0010)

Resumindo: no aspecto da jornada de trabalho, o que um dia foi excepcional, hoje é normal, e sumulado! Esqueçamos as tais 4 horas/dia. Hoje, tudo é normal: 4h, 6h, 8h, 12h, 24h, 36h… e assim vamos nós, orgulhando nossos pais, e brigando vorazmente com outras categorias profissionais para encabeçar o ranking das profissões que mais adoecem (vide estatísticas previdenciárias).

Ratificando a constatação mais triste: olhando por um panorama histórico, de 1961 pra cá, talvez nenhuma outra categoria profissional viu a sua jornada de trabalho ser tão oficialmente aumentada, como ocorreu com os médicos. De quem é a culpa? Pra mim, com todo respeito, dos próprios médicos (pela falta de politização e lutas trabalhistas, fartamente evidenciadas nas grades curriculares das faculdades de medicina).

Outro detalhe interessante a ser considerado: o acordo coletivo. A negociação coletiva de trabalho pressupõe a presença do sindicato profissional, como representante legítimo da classe trabalhadora, de um lado, e o sindicato patronal (convenção coletiva de trabalho) ou a própria empresa (acordo coletivo de trabalho), de outro. O acordo coletivo é uma norma de eficácia reconhecida pela Constituição (Art. 7, inciso XXVI), desde que não se frontalize com leis já estabelecidas.

Em alguns casos (acredito que não seja a maior parte dos casos), mesmo frontalizando as leis, as negociações acabam prevalecendo. Um exemplo: a CLT não permite, como regra, jornada de trabalho superior a 10 horas/dia (já contando as horas-extras). Mesmo assim, o TST entende como “vantajoso ao trabalhador” a escala de 12/36 (tanto é assim, que os plantões dos profissionais de saúde – médicos, enfermeiros, etc. – continuam sendo de 12 horas), desde que seja feita via negociação coletiva.

A escala de 12/36 se funda no chamado “Banco de Horas”, ou seja, as horas a mais trabalhadas num dia, serão compensadas com folgas em outro dia. Para alguns doutrinadores, ela é ideal para algumas categorias profissionais, entre elas, os profissionais da saúde. Será?

· Pesquisas recentes mostram que os chamados “erros médicos” ocorrem com maior prevalência justamente nas últimas 4 horas de plantão (após as 8 horas já trabalhadas, e quando o cansaço já é evidente).

· Quem nos dera se os profissionais da saúde trabalhassem 12h, e efetivamente descansassem 36h. Sabemos que não é assim que funciona.

A propósito, pra finalizar com essa boa reflexão, deixo as seguintes perguntas:

· de onde vem essa história de que o plantão tenha que ser de 12 horas?

· Por que 12?

· Por que não ser igual em muitos países europeus, onde há 3 escalas de plantões diárias, com 8 horas cada uma?

· Por que nunca apareceu pelo menos uma numeróloga pra explicar o “porque de 12 e não 8”, já que a jornada de trabalho estabelecida na Constituição Federal, como regra, é de 8h/dia?
“Vivemos esperando dias melhores…”

Que Deus nos abençoe.

Um forte abraço a todos.

Marcos Henrique Mendanha
E-mail: marcos@asmetro.com.br
Twitter: @marcoshmendanha

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