Prezados leitores.
Acabo de ter ciência do Parecer n. 26/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM), cuja ementa assim coloca: “não é eticamente aceitável a solicitação de exames de monitoramento de drogas ilícitas, em urina e sangue, para permitir acesso ao trabalho, pois isto contraria os postulados éticos.”
No texto, o parecer é enfático: “os exames exigidos pela empresa por ocasião da admissão devem ser aqueles previstos na legislação específica, visando sempre a avaliação da capacidade laborativa do empregado, caracterizando-se discriminatória qualquer exigência de realização de exames que extrapolem os requisitos técnicos para a função a ser exercida. Em resposta à solicitação, não é cabível a realização de exames em funcionários de empresas para detectar a presença de álcool e/ou drogas, por se tratar de postura discriminatória.”
Não tenho a menor dúvida de que a intenção do CFM, ao proferir esse parecer, foi nobre. Vislumbrou-se, acima de tudo, proteger qualquer trabalhador de alguma possível atitude discriminatória, por parte dos empregadores.
Lindo no papel, mas na prática, a coisa não é tão simples assim…
Imaginemos um motorista profissional! Conforme a nova redação do art. 235-B da CLT (instituída pela Lei 12.619/2012), é dever do motorista profissional submeter-se a teste e a programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica, instituído pelo empregador, com ampla ciência do empregado. E complementa: “a recusa do empregado em submeter-se ao teste e ao programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica serão consideradas infração disciplinar, passível de penalização nos termos da lei.”
Convenhamos: essa lei é necessária, e merece louvores. Não se trata de uma simples discriminação, pelo contrário: o cunho maior é a proteção (do trabalhador e de tantas outras pessoas que podem ser vitimadas). Se fosse apenas discriminação avaliar o estado de um motorista, o “bafômetro” já estaria proibido. Mas graças a Deus, não está. A regra é simples: um direito individual jamais pode se sobrepor a um direito coletivo. Exemplificando: um sujeito pode beber (é um direito individual que lhe assiste), mas não pode dirigir alcoolizado (pois estaria afrontando um direito coletivo: de ter um trânsito mais seguro, além do fato de estar colocando em risco a própria vida – o bem maior a ser resguardado por nossa legislação).
Voltando ao assunto inicial, e agora? Sabendo que os Médicos do Trabalho / “Médicos Examinadores” são quem solicitam testes de drogas, a quem eles devem seguir: ao Parecer n. 26/2012 do CFM ou à CLT? E se optarem por serem éticos, não solicitarem nenhum teste, e algum motorista profissional venha a provocar um grave acidente em virtude do uso de drogas em sua jornada de trabalho? Vale lembrar, que o art. 132 do Código Penal, diz que “expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente pode acarretar pena de detenção de 3 meses a 1 ano, se o fato não constituir crime mais grave”. Por terem sido éticos e não terem solicitado o teste de droga pertinente, estariam então os Médicos do Trabalho / “Médicos Examinadores” cometendo um crime? Complicado, não?!
Com imenso respeito às opiniões divergentes, acredito que a CLT e o Código Penal devem prevalecer sobre o nobre parecer emitido pelo CFM. Por quê? Pois, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, os primeiros possuem status de Lei Ordinária, e estão hierarquicamente superiores às normativas expedidas pelo CFM, como o respeitável Parecer n. 26/2012.
Para ilustrar e justificar melhor meu posicionamento, vejamos:
>> num caso hipotético, se alguma provável sindicância do CFM concluir que um médico nãocometeu nenhuma infração ética, mas por outro lado, num processo judicial, que trate do mesmo assunto, o juiz entender que o registro desse médico deva ser cassado. Nesse caso, qual decisão prevalecerá: a do CFM ou a do juiz?
>> De maneira inversa: se uma provável sindicância do CFM cassar o exercício profissional de um determinado médico, mas por outro lado, num processo judicial, que trate do mesmo assunto, o juiz o absolver esse médico de qualquer acusação. Mais uma vez, que decisão prevalecerá: a do CFM ou a do juiz?
Como nas 2 perguntas a resposta foi a mesma (prevalecerá a decisão do juiz), para mim, dúvidas não restam que, em casos de lamentáveis e inconciliáveis conflitos normativos, mesmo procedendo todas as tentativas pertinentes de preservação da intimidade do paciente, e fazendo sempre o uso do bom senso, é melhor obedecer as regras do juiz (no caso, a CLT e o Código Penal), do que as eventuais regras divergentes estabelecidas pelo CFM, por uma simples questão hierárquica. Ressalto aqui a extrema importância das regras confeccionadas pelo CFM. Esse texto enfoca uma rara situação onde poderá haver conflito entre a norma ética (editada pelo CFM) e o texto legal (contido em leis hierarquicamente superiores).
Pra finalizar, vale salientar que muitos exames toxicológicos negativam-se (tornam-se normais) pouco tempo após a interrupção do uso da substância em análise. Isso é verdade. No entanto, na minha opinião, por questões legais e preventivas, esse argumento é pobre para justificar a não realização de tais exames de forma indistinta.
À vontade para os comentários.
Um forte abraço a todos.
Que Deus nos abençoe.
Marcos Henrique Mendanha
Matéria na Folha de São Paulo relacionada a esse tema: