06 jan 2013

SAIBA COMO DISPENSAR UM EMPREGADO COM CÂNCER (OU HIV)

3 comentários.

Prezados leitores. Neste tópico, de forma agressiva e realista, ousamos convidar todos os leitores para uma reflexão ética, moral e legal sobre as demissões de trabalhadores acometidos por doenças graves. Antes que emitam qualquer juízo de valor sobre o título deste texto (que foi propositalmente concebido para ser “chocante” e chamar a atenção para o tema), sugerimos sua leitura completa.

Como ponto de partida, usaremos o texto abaixo, publicado no site do Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região, no dia 17/08/2012.

“TRABALHADOR COM DOENÇA GRAVE DESPEDIDO SEM JUSTA CAUSA DEVE SER INDENIZADO

Uma instituição de ensino de Porto Alegre deverá indenizar um professor em R$ 25 mil por tê-lo dispensado mesmo após saber que ele tem câncer. O trabalhador prestava serviços à reclamada há aproximadamente 30 anos e foi despedido após um ano do diagnóstico da doença. O ato da empregadora foi considerado discriminatório e, por este motivo, a empregadora também deverá pagar R$ 257,6 mil, valor que corresponde ao dobro dos salários que ele deixou de receber entre a data da despedida e o julgamento da ação trabalhista. O pagamento dos salários do período de afastamento é alternativa utilizada quando a reintegração do trabalhador dispensado ilegalmente não é mais possível.

A decisão é da 11ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) e reforma parcialmente sentença do juiz Rafael da Silva Marques, da 29ª Vara do Trabalho de Porto Alegre. Para os desembargadores da 11ª Turma do TRT4, a dispensa de empregado portador de doença grave e que está em tratamento de saúde é discriminatória quando demonstrado que a empregadora tinha ciência sobre o estado de saúde do trabalhador. As determinações baseiam-se na lei nº 9.029 de 1995, que trata de práticas discriminatórias no acesso ao trabalho e na manutenção da relação de emprego.

Segundo informações do processo, no rodapé do Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho do professor constava a informação de que ele se encontrava em tratamento de saúde, o que demonstra, conforme os julgadores, que a reclamada sabia da condição em que se encontrava seu empregado. Por outro lado, atestados médicos anexados aos autos certificaram a existência do câncer, diagnosticado no ano de 2008, sendo que a despedida do trabalhador ocorreu em 2009.

O relator do acórdão na 11ª Turma do TRT4, desembargador Herbert Paulo Beck, explica que no Brasil os empregadores podem dispensar sem apresentar motivos, mas que essa possibilidade, chamada de poder potestativo do empregador, encontra limites no ordenamento jurídico. No caso de trabalhadores com doenças graves, o empregador precisa comprovar que não está despedindo o empregado justamente por ele estar doente.Segundo o julgador, não foi o que ocorreu no caso dos autos.”

Sobre o mesmo assunto, eis um hipotético (e intencionalmente provocador) diálogo:

1) É possível dispensar um trabalhador HIV positivo, ou com câncer, sem que isso tenha conotação discriminatória?

Resposta de uma empresa que já teve que pagar essa indenização: “Claro que é! A Súmula n. 443 do TST, publicada em setembro de 2012, presume como discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Mas acreditamos que essa presunção seja relativa, portanto, admite prova em contrário (juris tantum). Assim, caberá a empresa fazer essa prova.”

2) E como a empresa fará essa prova?

Resposta de uma empresa que já teve que pagar essa indenização: “É simples: ao descobrirmos que alguém tem HIV positivo ou câncer (ou qualquer outra doença com a qual não queremos trabalhadores em nossa empresa), disfarçamos, esperamos de 6 meses a um ano, e dispensamos o funcionário doente juntamente com mais uns outros sete empregados saudáveis. Na verdade, esses outros sete empregados nada fizeram por merecer essa dispensa, coitados! Eles estão sendo mandados embora apenas para encobrir o caráter discriminatório da dispensa do funcionário doente, entendeu? Além disso, daremos como fundamento para todas as dispensas a contenção de despesas. Pronto! Funciona que é uma beleza!”

3) Como a empresa descobriu essa estratégia?

Resposta de uma empresa que já teve que pagar essa indenização: “Apanhando e estudando! Veja o trecho de uma decisão judicial que considerou discriminatória a dispensa de um empregado com HIV (Processo: 0000467-07.2010.5.04.0611): ‘os fatos demonstraram que a dispensa foi discriminatória, pois não houve sequer alegação da ré de que foram despedidos outros empregados ou que a despedida da trabalhadora decorreu de alguma justificativa econômica ou financeira’. Tá vendo? Os próprios magistrados nos ensinam como fazer: manda um monte embora (nunca só um) e fundamente tudo na falta de grana.”

4) Quer dizer que se a empresa não fizer assim, todo trabalhador com HIV positivo, ou câncer (ainda que não seja de origem ocupacional), deverá ser indenizado ao ser dispensado?

Resposta de uma empresa que já teve que pagar essa indenização: “Conforme julgado acima, e outros tantos no mesmo sentido, parece que sim, o risco é grande. Ainda mais após setembro de 2012, com o advento da Súmula n. 443 do TST. E não é só câncer e HIV não, é tudo quanto é tipo de doença. É quase impossível desqualificar o caráter discriminatório quando se dispensa um único funcionário doente, mesmo que a razão da dispensa seja a queda na produtividade desse empregado, ou até a proteção da integridade do próprio funcionário, por exemplo. Configurar uma “justa causa” hoje é muito difícil.”

5) No caso do HIV, e se a empresa provar que o trabalhador já era soropositivo antes de ser admitido através da solicitação do teste de HIV no exame admissional?

Resposta de uma empresa que já teve que pagar essa indenização: “Não funciona! Aliás, fica até pior. A Portaria 1.246/2010 do Ministério do Trabalho e Emprego, combinada com a Resolução 1.665/2003 do Conselho Federal de Medicina, proíbem textualmente a solicitação obrigatória de teste de HIV para fins de admissão ao emprego, independente da função que será ocupada. Imaginemos: como uma empresa, que porventura tenha solicitado o teste de HIV (através de seu Médico do Trabalho/”Médico Examinador”) a um dos seus trabalhadores provará que não agiu com discriminação, sabendo que a simples solicitação desse exame já se constitui com um ato discriminatório e ilegal, conforme legislação vigente? Fica difícil. Nesse caso, o teste de HIV pode ser a prova documental de que a empresa foi sim discriminatória, e portanto, esse trabalhador poderá, oportunamente, pleitear sua reintegração (e até sua estabilidade definitiva) no emprego, nos termos da Súmula n. 443 do TST. Resumindo: é fria pedir teste de HIV no exame admissional. É como se a empresa fizesse uma prova (de que foi discriminatória) contra ela mesma.”

6) É justo com o empregador ter sempre que arcar com essa indenização, mesmo que não tenha contribuído com nenhuma culpa no aparecimento da doença?

Resposta de uma empresa que já teve que pagar essa indenização: “Claro que não! Por isso, em vez de dispensarmos só um, dispensamos uns sete. Em vez de prejudicarmos só um, prejudicamos uns sete. Sai bem mais barato, e fica muito mais difícil dos magistrados entenderem que houve uma discriminação! Se é pra corrermos risco, que seja o menor. Foram os próprios juízes e a justiça brasileira que nos ensinaram a agir assim.”

Reflitamos!

Marcos Henrique Mendanha

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