Disse a Chefe Maior: “Como Presidenta, eu tenho a obrigação, tanto de ouvir a voz das ruas, como dialogar com todos os seguimentos, mas tudo dentro dos primados da lei e da ordem: indispensáveis para a democracia.”
É isso aí, Presidenta! Se é lei, podemos até discutir, mas para garantia da paz social que a Senhora tanto advoga, cumpramos-a.
Minutos depois, para o meu desencanto, Ela me solta essa:
“(Irei) Trazer, de imediato, milhares de médicos do exterior para ampliar o atendimento do Sistema único de Saúde, o SUS.”
Querida, Excelentíssima, Salve Salve, Presidenta, não era pra ser tudo dentro dos primados da lei? Se era, essa conduta (ainda que via Medida Provisória) não deveria ser feita. Ela afrontaria de forma incisiva e desrespeitosa a própria Constituição Federal/1988, nosso maior documento legal. Senão vejamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.
Neste caso a nossa Carta Magna faz referência às profissões legalmente regulamentadas, ou seja, àquelas que foram criadas por lei e em cujo diploma legal são estabelecidas as condições, prerrogativas, atribuições, etc., para o exercício destas atividades. Exemplo: médicos.
Para atuar como médico no Brasil, dentro dos primados da lei, não basta aprender ou ter habilidade de fato para desempenhar o trabalho. É indispensável que se conquiste o direito de exercer tal atividade através da formação acadêmica e do registro do diploma no respectivo Conselho Regional de Medicina; em outras palavras, tem-se que atender às qualificações profissionais que a lei específica estabelecer. E que lei específica seria essa? Vejamos:
Lei 3.268/1957:
Art. 17. Os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.
Art. 18. Aos profissionais registrados de acordo com esta lei será entregue uma carteira profissional que os habilitará ao exercício da medicina em todo o País.
Deixe-me ver se entendi: a Senhora, de forma unilateral, pretende legalizar “na canetada” milhares médicos estrangeiros (cuja formação mal conhecemos) para cuidar da saúde da nossa gente, é isso mesmo?! Se for, Presidenta, a Senhora mostrou que não está nenhum pouco preocupada com a saúde dos brasileiros e com os primados da lei e da democracia. Ao contrário, tentou jogar a população contra os médicos brasileiros. Sim! Sabemos que só se importa aquilo cuja qualidade nacional é questionável e/ou quantidade é insuficiente. Para os médicos, estudos comprovam que nenhuma dessas teses é verdadeira. Para os políticos, talvez fosse (especialmente a primeira tese). A única verdade (vista diariamente em todos os telejornais) é que existe um descaso histórico dos governantes com o SUS. Qualquer pesquisa na área de recursos humanos nos dirá: num longo prazo, o ambiente e as condições de trabalho são muito mais importantes do que o próprio salário. Trabalhar sem condições básicas é terrível. É o Neymar sem a bola, a Gisele sem a passarela, o Caetano sem o palco. Esse é o médico brasileiro que trabalha no SUS. E a culpa da falta de medicamentos e insumos, e das péssimas condições dos hospitais e postos de atendimento públicos, Presidenta, não é dos médicos. A Senhora bem sabe disso.
Uma outra hipótese é a de que a Senhora tenha mentido em rede nacional quando disse que traria, de imediato, esses milhares de médicos.
De verdade, entre as difíceis opções acima, ainda prefiro acreditar que a Senhora mentiu, Presidenta. Entendo sua inquietação e necessidade de uma rápida resposta para um povo que também está saturado e cansado. Sério, não queria estar na sua pele agora.
Mas que tenha sido uma sincera e bem-intencionada mentira, e que logo a Senhora se retrate com esse país, com seu povo e com os muitos e competentes médicos que aqui existem e investem. Fico com Cazuza: nesse momento, para acalentar os ânimos de um país Maior Abandonado, é provável que boa parte da população ainda acredite que “mentiras sinceras nos interessam”. Só não esqueça que o país está perdido, sem pai nem mãe, bem na porta da sua casa, Presidenta.
Que Deus nos abençoe.
Um forte abraço a todos.
Marcos Henrique Mendanha
E-mail: marcos@asmetro.com.br
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