[ATUALIZADO EM 22/03/2018]
Foi divulgado essa semana o estudo Demografia Médica no Brasil 2018, realizado por pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) com apoio do Conselho Federal de Medicina (CFM) e Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). Os números do estudo foram colhidos ao longo de 2017 (conforme págs. 17 e 30 do respectivo documento).
Dados interessantes sobre a Medicina do Trabalho foram descritos, vejamos (clique na imagem para ver em tamanho maior):
Conforme o estudo, a Medicina do Trabalho figurou na sexta colocação como especialidade com maior número de profissionais (vide ranking abaixo):
1 – Clínica Médica – 42.728 profissionais (7.668 a mais do que no mesmo estudo divulgado em 2015);
2 – Pediatria – 39.234 profissionais (4.597 a mais);
3 – Cirurgia Geral – 34.065 profissionais (4.865 a mais);
4 – Ginecologia e Obstetrícia – 30.415 profissionais (2.135 a mais);
5 – Anestesiologia – 23.021profissionais (2.123 a mais);
6 – Medicina de Trabalho – 15.895 profissionais (2.552 a mais).
“Entre 2015 (última edição de Demografia Médica no Brasil) e 2017, foram acrescidos ao banco de dados do estudo 53.436 médicos com títulos de especialistas. O aumento é consequência da formação de novos especialistas, mas também de melhorias na alimentação e captação de dados implementadas pelas fontes originais (CNRM, AMB e CRMs).” (CFM, 2018 – p.104)
“O total de 15.895 especialistas em Medicina de Trabalho incluiu 1.317 (8,28%) com duplicação de registro” (CFM, 2018 – p. 237), ou seja, 1.317 foram contados duas vezes, por terem inscrições em dois CRMs diferentes. Isso implica que, em números reais, o estudo contabiliza 14.578 Médicos do Trabalho, com RQE (Registro de Qualificação de Especialista), registrados no Brasil.
No fim de 2014, apenas em torno de 2.000 Médicos do Trabalho possuíam o título de especialista (fonte ANAMT, em matéria publicada no site oficial da instituição em 30/12/2014). Arbitrariamente, consideraremos 2.500.
Para efeito desta matéria, consideraremos também que todo acréscimo de 2.552 profissionais, que ocorreu entre os estudos publicados em 2015 e 2018, tenha decorrido exclusivamente do número de médicos aprovados nas últimas provas de título de especialista. Assim, teríamos hoje, algo próximo de 5.052 Médicos do Trabalho com título de especialista.
Essa análise nos mostra que, aproximadamente 65% dos médicos contabilizados como Médicos do Trabalho ainda não possuem o título de especialista, embora muitos estejam registrados nos seus CRMs, ou seja, eles possuem o RQE.
É possível obter RQE em Medicina do Trabalho sem ter feito residência ou ter o título de especialista? Hoje, não mais. Mas certamente que a maior parte desses médicos foi registrada nos respectivos CRMs antes de 2002, quando a Medicina do Trabalho não era reconhecida como especialidade médica e muitos certificados de cursos de Pós-Graduação Lato Sensu em Medicina do Trabalho foram aceitos pelos CRMs para efeitos de registro.
Importante frisar que os profissionais egressos das residências em Medicina do Trabalho não precisam ter o título de especialista para que se registrem junto aos CRMs. Imaginemos então que, desde 1985 (1985 também foi um ano escolhido arbitrariamente) tenha havido 25 formados via residência por ano (na verdade esse número é bem menor pois não tivemos essa média no número de vagas de residências em Medicina do Trabalho desde 1985; e precisamos considerar que muitos que começam a residência acabam não concluindo-a). Mesmo nesse cenário otimista, os hipotéticos 825 concluintes dos cursos de residência representariam apenas 5,6% do total de registrados como Médicos do Trabalho nos CRMs, conforme estudo publicado em 2018. Isso se considerarmos também que todos os egressos das residências não tinham conjuntamente o título de especialista, algo muito improvável.
De forma bastante resumida e considerando os números (otimistas!) de residentes e aprovados nas provas de título de especialista que arbitramos nesse texto, teríamos a seguinte distribuição de Médicos do Trabalho com RQE no Brasil: dos 14.578 profissionais, 825 fizeram residência médica (5,6%); 5.052 foram aprovados na prova de título de especialista (34,6%); e 8.701 (59,8%) não fizeram residência médica, e nem foram aprovados na prova de título, ou seja, provavelmente são profissionais que obtiveram RQE registrando seus certificados de Pós-Graduação ou cursos equivalentes antes de 2002, quando a Medicina do Trabalho não era considerada uma especialidade médica (clique na figura abaixo e veja resumo).
ALTA FAIXA ETÁRIA
Como consequência de a maior parte dos registros terem acontecido antes de 2002, o estudo publicado em 2018 comprova que a especialidade tem um alto valor médio de idade dos profissionais registrados como Médicos do Trabalho: 57,6 anos (no estudo de 2015, a idade média era de 56,3 anos). Esse número mantém a Medicina do Trabalho como a quarta especialidade “mais velha”, perdendo apenas para Homeopatia (59,8 anos), Medicina Legal e Perícia Médica (59,0 anos), e Patologia Clínica / Medicina Laboratorial (58,8 anos de média).
Outro dado que chamou a atenção: dos 15.895 contabilizados como Médicos do Trabalho, 83,7% tem 45 anos ou mais (no estudo de 2015, esse valor era de 82,2%).
Números de uma pesquisa descrita no livro “Competências essenciais requeridas para o exercício da Medicina do Trabalho”, p. 37 (ANAMT, 2016), mostraram que, na amostra contabilizada de Médicos do Trabalho (n=218), “a média de idade foi de 50,08 anos, com distribuição homogênea para todas as faixas etárias entre os participantes da amostra ANAMT, com discreto predomínio na faixa etária de 50 a 59 anos. Dentre os egressos de residências houve concentração na faixa etária abaixo de 40 anos”.
MÉDICOS DO TRABALHO QUE EXERCEM OUTRAS ESPECIALIDADES
O estudo publicado em 2018 também revela que 76,6% (12.178 dos 15.895) dos profissionais contabilizados como Médicos do Trabalho possuem outra(s) especialidade(s) médica(s).
Impressiona o fato de que 76,6% dos médicos registrados como Médicos do Trabalho possuem e/ou exercem outras especialidades, já que Medicina do Trabalho não é pré-requisito para nenhuma outra área médica.
Existe, portanto, mais Médicos do Trabalho com outra especialidade (12.178) do que Médicos do Trabalho com título de especialista em Medicina do Trabalho (hoje, aproximadamente 5.052). Ou seja, dos Médicos do Trabalho registrados nos CRMs, 76,6% possuem outra especialidade registrada, enquanto que, aproximadamente, apenas 35% possuem o título de especialista em Medicina do Trabalho.
NÚMEROS POR ESTADO
- São Paulo: 3.799
- Rio de Janeiro: 3.002
- Minas Gerais: 2.454
- Paraná: 799
- Santa Catarina: 298
- Espírito Santo: 655
- Goiás: 479
- Rio Grande do Sul: 466
- Distrito Federal: 440
- Pernambuco: 429
- Bahia: 343
- Ceará: 332
- Pará: 299
- Alagoas: 227
- Mato Grosso: 214
- Rio Grande do Norte: 208
- Paraíba: 202
- Sergipe: 193
- Amazonas: 183
- Maranhão: 179
- Mato Grosso do Sul: 69
- Rondônia: 51
- Tocantins: 48
- Piauí: 37
- Acre: 28
- Amapá: 26
- Roraima: 15
Com relação ao mesmo estudo feito em 2015, alguns dados chamam a atenção. O Rio de Janeiro foi o único estado em que o número de Médicos do Trabalho contabilizados diminuiu: foi 3.002 para 2.931 (decréscimo de 2,3%). Já Sergipe aumentou seu quantitativo em apenas uma unidade (foi de 192 para 193).
Por outro lado, alguns estados aumentaram consideravelmente o número de Médicos do Trabalho contabilizados. No Ceará o número saltou de 121 para 332 (um acréscimo de 274%). Em Santa Catarina, aumentou de 298 para 789 (um acréscimo de 264%). Pernambuco praticamente dobrou, saltando de 213 para 429.
Parte dessa variação tão irregular entre os estados pode ser explicada pelas “melhorias na alimentação e captação de dados implementadas pelas fontes originais (CNRM, AMB e CRMs)” que ocorreu de entre 2015 2018.
MAIS HOMENS
O estudo de 2018 mostrou que 67,1% dos Médicos do Trabalho contabilizados são homens e 32,9% são mulheres, embora haja um crescente e gradativo aumento de profissionais do sexo feminino na especialidade.
REFLEXÕES
Toda essa análise nos remete também às seguintes reflexões: (a) quantos Médicos do Trabalho em exercício temos hoje no Brasil? Essa análise é pertinente pois, é preciso considerar que muitos profissionais registrados como Médicos do Trabalho jamais exerceram/exercem a especialidade; (b) quantos Médicos do Trabalho teremos daqui a 1, 10 ou 20 anos? Essa reflexão se justifica no fato de 70% dos estados brasileiros ainda não terem nenhuma vaga de residência para Medicina do Trabalho. No Brasil, o número de vagas de residência em Medicina do Trabalho preocupa.
Hoje, são 38 vagas de residência em Medicina do Trabalho autorizadas/ano em todo país, das quais 23 (60%) não são ocupadas. Isso coloca a Medicina do Trabalho em vigésimo sétimo lugar no número de residentes/especialidade. (CFM, 2018)
Outro dado preocupante quanto ao crescimento da área: entre os graduandos, a Pediatria é a opção de especialização mais escolhida, seguida, respectivamente, por Clínica Médica; Cirurgia Geral; Ginecologia e Obstetrícia; e Anestesiologia, exatamente as cinco especialidades “mais populosas” que existem. A Medicina do Trabalho, que é a sexta em número de profissionais, aparece apenas em vigésimo primeiro lugar na escolha dos graduandos. (CFM, 2018)
NÚMEROS DO SISTEMA SESMT/MINISTÉRIO DO TRABALHO
Números do Sistema SESMT, também chamado de SESMT Online, divulgados em maio de 2017, mostraram 2.496 médicos cadastrados nos SESMTs das empresas do Brasil (fonte: DSST/MTE). O número de profissionais cadastrados ainda é baixo, o que provavelmente reflete a baixa adesão das empresas junto ao Sistema SESMT, criado em 2016.
Do total de médicos cadastrados, 30% é de São Paulo, 12% de Minas Gerais, 9,5% do Rio de Janeiro e 3,7% do Espírito Santo. Em sintonia com o estudo feito pelo CFM em 2018, os números evidenciam uma má distribuição de profissionais, com 55,2% dos médicos cadastrados no SESMT Online sendo da região Sudeste (clique na imagem para ver em tamanho maior).
Mas nem todos os médicos cadastrados são especialistas em Medicina do Trabalho. Os números mostraram que, desses 2.496 médicos:
– 51% tem Registro de Qualificação de Especialista (RQE) em Medicina do Trabalho;
– 4,3% possuem o título de especialista em Medicina do Trabalho (fonte: CFM/ANAMT);
– 46,7% chegaram ao RQE: (a) ou registrando nos CRMs os certificados de cursos de Pós-Graduação em Medicina do Trabalho, antes de 2002; (b) ou via residência médica em Medicina do Trabalho (a menor parte). Vale lembrar que, atualmente, o RQE é obtido apenas via residência em Medicina do Trabalho ou aprovação na prova de título de especialista.
– 10% possuem RQE em outras especialidades;
– 39% não possuem RQE em nenhuma especialidade médica.
Conforme o estudo do Sistema SESMT, em mais metade dos estados da federação, o número de profissionais médicos com RQE em Medicina do Trabalho e atuantes nos SESMTs é igual ou menor do que 50%, em relação do número total de médicos cadastrados no mesmo sistema daqueles estados.
Reflitamos.
Autor: Marcos Henrique Mendanha: Médico do Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito e Processo do Trabalho. Perito Judicial / Assistente Técnico junto ao TRT-GO e TRF-GO. Diretor Técnico da ASMETRO – Assessoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda. Autor do livro “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Coordenador do Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas (realização anual). Coordenador Geral do CENBRAP – Centro Brasileiro de Pós-Graduações. Colunista da Revista PROTEÇÃO.
Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista Marcos Henrique Mendanha, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.
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