O Atestado Médico é um documento freqüentemente solicitado ao médico, seja em consultas de rotina ou de urgência. O Atestado Médico é um direito do paciente, não podendo ser negado. No entanto, o conteúdo desse documento é de inteira responsabilidade do médico, devendo refletir estritamente seu parecer técnico.
O médico tem liberdade de atestar o que achar conveniente e ético ao exercício de sua profissão. O atestado é um documento que reflete o estado do paciente e, se for o caso, cuidados que devem ser tomados aos olhos do médico. Além disso, o atestado tem fé pública, ou seja, presunção de veracidade (é considerado verdadeiro até prova em contrário).
Ao fornecer um atestado, muitas vezes é comum a seguinte arguição do paciente: “Doutor a empresa não aceita o atestado sem CID. Não esqueça de colocar!”
Será que as empresas não podem mesmo aceitar atestado sem CID? Vejamos:
Resolução 1685/2002 do CFM – Normatiza a emissão de atestados médicos e dá outras providências:
(…)
Art. 5º Os médicos somente podem fornecer atestados com o diagnóstico codificado ou não quando por justa causa, exercício de dever legal, solicitação do próprio paciente ou de seu representante legal.
Parágrafo único No caso da solicitação de colocação de diagnóstico, codificado ou não, ser feita pelo próprio paciente ou seu representante legal, esta concordância deverá estar expressa no atestado.
Então, está claro que por esta resolução, não há nenhuma obrigatoriedade para colocar o CID nos atestados médicos a não ser em 3 condições: justa causa, exercício de dever legal ou solicitação do próprio paciente ou de seu representante legal. E sempre que requerido pelo paciente, deve-se colher assinatura do mesmo no atestado concordando com a divulgação de seu diagnóstico.
E por que tantas empresas não aceitam os atestados de seus funcionários sem o CID? Entendemos que nessa matéria existem muitas vezes “atestados graciosos” (atestados que apresentam número de dias de afastamento maior do que o necessário) bem como a possibilidade de atestados falsos para fins de afastamentos injustificáveis. É compreensível essa desconfiança das empresas e por este motivo tantas empresas não aceitam atestados sem CID. Porém, como colocado aqui, não há obrigatoriedade do médico em colocar CID nos atestados.
Entendemos que o cuidado do médico deva ser, sobretudo, com o paciente. Se o paciente autorizar expressamente, o CID será colocado. Caso não autorize, o CID não será colocado. Pronto. O que passar disso, na nossa opinião, deve ser resolvido entre os empregados (ou seus sindicatos), a empresa, o Ministério do Trabalho, etc.
E mesmo com o CID no atestado, pode uma empresa recusar o atestado médico de um funcionário?
Entendemos que não. Os gestores de RH e empresários não possuem o conhecimento técnico-médico para recusar uma atestado médico que goza de fé pública. Porém, se na empresa houver um serviço de saúde ocupacional com médico do trabalho, este atestado pode sim ser contestado e até mesmo negado.
Ratificando, somente as empresas que dispuserem de serviço médico, possuem a condição técnica de avaliar um trabalhador (através de um novo exame clínico), no sentido de certificar a veracidade e coerência do atestado trazido. Corrobora com esse raciocínio a Lei n. 8.213 / 91, em seu art. 60, § 4º:
“A empresa que dispuser de serviço médico, próprio ou em convênio, terá a seu cargo o exame médico e o abono das faltas correspondentes ao período referido no § 3º (aos 15 primeiros dias de afastamento — grifo nosso) somente devendo encaminhar o segurado à perícia médica da Previdência Social quando a incapacidade ultrapassar 15 dias.”
Quando o médico do trabalho recebe esse atestado e após a avaliação documental percebe que o atestado pode não estar coerente, deve-se convocar o funcionário para uma nova avaliação clinica detalhada para assim concluir sobre a aceitação ou não do referido atestado. Ou seja, pode o médico da empresa a partir de novo exame clínico, verificar a coerência do atestado recebido pelo funcionário, contestando: diminuindo ou aumentado os dias de afastamento ou simplesmente negando tal atestado.
Atestados sem CID prejudicam os estudos de absenteísmo-doença numa empresa. Ao não colocar o CID, não se sabe a causa do afastamento dos funcionários e isso prejudica as campanhas de prevenção e promoção de saúde dento da empresa. Se tais campanhas de saúde estiverem no foco de trabalho, cabe ao serviço médico da empresa convocar o funcionário após seu afastamento para estudar os motivos de adoecimento. Assim, o levantamento estatístico de absenteísmo-doença mostrará os melhores caminhos nas campanhas internas de saúde da empresa.
Qual a justificativa legal para o médico da empresa poder recusar um atestado emitido por um outro médico?
Antes de respondermos a essa pergunta, faz-se necessário algumas considerações sobre a legalidade dos atestados para fins de abonos de faltas ao trabalho.
O enunciado da Lei 605 / 49, art. 6, parágrafo 2, assim coloca:
“A doença será comprovada mediante atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado, e, na falta deste e sucessivamente, de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria; de médico da empresa ou por ela designado; de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública; ou não existindo estes, na localidade em que trabalhar, de médico de sua escolha.”
Na mesma linha, vem a Súmula n. 15 do Tribunal Superior do Trabalho:
“A justificação da ausência do empregado motivada por doença, para a percepção do salário-enfermidade e da remuneração do repouso semanal, deve observar a ordem preferencial dos atestados médicos, estabelecida em lei.”
Complementando, vejamos o que diz a Lei 5.081 / 66, em seu art. 6, inciso III:
“Compete ao cirurgião dentista: atestar, no setor de sua atividade profissional, estados mórbidos e outros, inclusive para justificação de faltas ao emprego.”
Pelo exposto, observamos que, pela Lei 605 / 49, combinada com a Lei 5.081 / 66, somente médicos e odontólogos podem emitir atestados para fins de abonos de faltas ao trabalho. Percebemos também que essas leis não citaram nenhuma outra profissão. Nenhuma.
Importante salientar que essas leis são válidas apenas para trabalhadores vinculados a empresas privadas, ou para servidores públicos regidos pela CLT, conforme estabelece o art. 1 da Lei 605 / 49; e o já citado artigo 6, inciso III, da Lei 5.081 / 66, ao usar o termo “emprego” – palavra atribuída a uma relação trabalho balizada pela CLT. O Direito Público, em regra, tem suas próprias regras (estatutos).
Pela a análise do art. 6, parágrafo 2, da Lei 605 / 49, percebemos também uma clara hierarquia entre os atestados médicos para fins de abonos de faltas ao trabalho. A palavra “sucessivamente” não deixa nenhuma margem de dúvida quanto a isso. Conforme essa hierarquia, temos:
1º lugar: atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado;
2º lugar: atestado de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria;
3º lugar: atestado de médico da empresa ou por ela designado (incluindo aqui a figura do “Médico Examinador”, nos termos do item 7.3.2 da Norma Regulamentadora n. 7 do Ministério do Trabalho e Emprego);
4º lugar: atestado de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública;
5º lugar (e último): qualquer outro médico que o trabalhador escolher.
Portanto, há uma hierarquia para fornecimento dos atestados que envolvam repouso e ausência no trabalho por motivos de saúde e que sucessivamente pode ser contestado conforme colocado acima.
Conclusões:
– Apenas médicos e dentistas podem fornecer atestados para repouso e ausência no emprego daqueles trabalhadores regidos pela CLT.
– Atestados sem CID podem e devem ser aceitos pelas empresas.
– Existe uma hierarquia de atestados médicos e o serviço de Medicina do Trabalho da empesa (quando existente) pode contestar o atestado do funcionário quando este recebe de seu médico assistente.
– Ao fornecer atestado médico com o CID, não se esqueça de colher a assinatura de seu paciente dando ciência da divulgação de seu diagnóstico.
REFERÊNCIAS:
1. Resolução 1685/2002 CFM
2. Lei n. 8.213/91
3. Lei 605/49
4. Lei 5.081/66
5. Norma Regulamentadora N. 07 – MTE
6. Mendanha, M.H, Medicina do Trabalho e Pericias Médicas, 4 edição. Editora Ltr, 2015
Autor: Dr. Octávio Augisto Oliveira – Médico formado em 2007 pela Faculdade Evangélica do Paraná fez residência em Medicina do Trabalho na Santa Casa de São Paulo e pós-graduação em Perícias Médicas na UNIFESP/Escola Paulista de Medicina/Escola Paulista de Magistratura. Professor de pós-gradução em Medicina do trabalho e médico coordenador em uma grande empresa multinacional. Interessado nos estudos de qualidade de vida no trabalho, gestão e administração médica, além de artes, cultura e música.
Fonte: Academia Médica.
Título original: A empresa pode negar atestado médico sem CID?