Os cientistas estão cada vez mais interessados em entender como a atividade e os exercício físicos mexem com o cérebro.
Os benefícios do movimento podem ir muito além de um melhor funcionamento muscular e cardiorrespiratório e têm até a capacidade de “rejuvenescer” o sistema nervoso central, protegendo-o e freando o progresso de doenças neurodegenerativas.
A razão alegada pelos pesquisadores para o benefício cognitivo -como na melhora da memória e da atenção- é o aumento de uma proteína conhecida como fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF, na sigla pelo qual é conhecido, em inglês).
Ela funciona como um fator de crescimento, provavelmente estimulando o surgimento de novos neurônios e a formação de novas ligações entre eles (sinapses), característica batizada de neuroplasticidade.
“Era um dogma antigo o de que o cérebro se desenvolve até a adolescência ou começo da vida adulta e que dali em diante só iria ‘morro abaixo’, sem muito o que fazer”, diz o neurologista e professor da Unicamp Li Li Min.
RESERVA
De fato, a taxa de surgimento de novos neurônios despenca na vida adulta, mas o exercício é capaz de melhorá-la, atrasando o aparecimento de doenças.
Um dos conceitos biológicos que explica isso é o de “reserva funcional”. Para exercer ou manter uma determinada função, um órgão ou sistema geralmente dispõe de mais recursos que o necessário. Faz sentido porque, no caso de uma crise, o organismo continua funcionando.
Com a deterioração provocada pela idade (com a taxa de perda de neurônios muito maior do que a de surgimento de novas células), a reserva funcional vai sendo consumida, até um limiar em que o prejuízo cognitivo se evidencia.
Terapeuticamente, o exercício físico poderia atuar de duas formas: criando a reserva funcional ao longo da vida e/ou retardando o desgaste dela durante o período de acometimento da doença.
A ciência ainda patina, entretanto, em definir qual exercício seria o melhor para tratar cada doença. Curiosamente, o exercício aeróbico (como andar em esteira ou em uma bicicleta ergométrica) nem sempre leva vantagem nas pesquisas sobre o tema.
Em uma tese de doutorado da USP, orientada pelo geriatra Wilson Jacob Filho, os pesquisadores viram que exercícios de musculação conseguem melhorar a memória de idosos. Outro trabalho, que comparou caminhada com técnicas de respiração viu que, em termos cognitivos, valia mais a pena respirar direito do que caminhar no parque três vezes por semana.
“O exercício também pode atuar sobre o sistema imunológico, o sono e a esquizofrenia, mas também não sabemos qual seria a intensidade (como a velocidade em uma corrida) e o volume (quilômetros percorridos) ideais para cada situação”, diz o professor da Unifesp Marco Túlio de Mello.
‘DEPENDÊNCIA’
Segundo Mello, uma das características preponderantes do ganho funcional proporcionado pela atividade física é também uma das mais emblemáticas da musculação: com o cessamento das atividades, vão-se os benefícios.
“Um paciente com depressão moderada, ao praticar exercícios, pode ir para um quadro de depressão leve e até diminuir a dose de medicamento necessária”, diz Mello. “No entanto, se a atividade for interrompida, a depressão volta a piorar.”
Claro, se há atraso do aparecimento dos primeiros sintomas de demências é algo a comemorar. Alguns estudos, porém, dizem ainda não haver clareza de que as atividades sempre trazem benefícios.
Em 2015, uma meta-análise -estudo que congrega dados de vários outros para tirar uma conclusão mais robusta sobre um tema- disse não haver indícios de que adultos saudáveis sem demência tenham ganhos cognitivos com a prática de exercícios.
Em 2008, um estudo semelhante, organizado pela mesma instituição (a Rede Cochrane), disse que tais benefícios eram reais. O que se observa é a própria ciência refinando suas conclusões e tentando convergir para uma posição mais sólida.
É difícil prever como as prescrições de exercícios serão no futuro porque a maneira que cada cérebro se adapta para executar cada atividade é única -e podem existir pessoas que simplesmente não se beneficiem deles.
Por outro lado, por mais que os benefícios fisiológicos sejam discutíveis, a interação social e a saída da mesmice diária provocadas pela prática de uma atividade física, exercício ou esporte, na opinião dos especialistas, já são suficientes para convencer qualquer um a não ficar parado esperando a morte da bezerra (ou a sua própria).
Fonte: Folha de S. Paulo.
Título Original: Parar de fazer exercício físico pode atrapalhar combate contra demências