No último domingo (14/02) publicamos aqui no SaudeOcupacional.org a história de uma mulher “que recebia auxílio-doença por depressão perdeu o benefício do INSS pós postar fotos felizes no Facebook. As imagens de passeios em cachoeiras divulgadas na rede social, com legendas como ‘não estou me aguentando de tanta felicidade’, foram usadas como prova pela Advocacia-Geral da União (AGU) para provar que ela não estava incapacitada por quadro depressivo grave e poderia retornar ao trabalho”.
Seguindo o pensamento da maioria, essa senhora não tem depressão coisa nenhuma! Nunca teve. E mais, rouba deliberadamente os cofres públicos quando recebe por uma doença que não a acomete. Será?
Pretensiosamente, farei uma provocação dolorosa e contemporânea sobre essa mulher. As perguntas são: se houve alguma mentira dessa mulher, quando ela ocorreu? Quando disse que tinha depressão ou quando postou as fotos de felicidade? Há alguma chance de não ter tido mentira nenhuma? Falemos sobre todas essas questões a partir de agora.
Possibilidade 1: “Ela não mentiu… ela apenas melhorou.”
Seria isso possível? Sim. O estado depressivo cursa com um ou mais dos sintomas a seguir: tristeza, perda de interesse pelas atividades, ideação suicida, irritabilidade, falta de energia, isolamento, menor capacidade de interação social, entre outros sintomas. Considerando que ela tenha ido à cachoeira após a última perícia, a história não deixa claro após quanto tempo desde a derradeira consulta pericial é que isso ocorreu. Pode ser que ela tivesse todos esses sintomas na época da perícia e que tenha melhorado? Sim. Em média, após 4 semanas de início de um tratamento medicamentoso eficaz, aproximadamente, 60% dos quadros depressivos apresentam boas melhoras. E que bom que isso acontece (aqui me referindo as remissões dos quadros depressivos!). Alguns pacientes demoram mais, outros menos. Alguns doentes não respondem com um determinado medicamento, mas respondem com outro. Enfim, muita coisa pode ter acontecido após a última perícia.
Possibilidade 2: “Ela não mentiu na depressão… ela mentiu apenas na felicidade do Facebook.”
Não é próprio do verdadeiro depressivo querer passear em cachoeiras. Pelo contrário, o paciente com depressão tem uma vocação muito maior pelo isolamento. Mas essa mulher pode ter ido a tal cachoeira, e nem por isso estava feliz. Quantos de nós já ouvimos falar que nas redes sociais as pessoas mostram apenas estados de felicidade? E mais, que em boa parte dos casos essa felicidade é exagerada apenas pra ficar bonita na foto? Acontece! Me atrevo a dizer que nas redes sociais tem muito mais gente fingindo que é feliz do que gente que é feliz de fato. Que eu esteja errado… e quem não conhece alguém assim que atire a primeira pedra!
Possibilidade 3: “Ela não mentiu na depressão… ela tem transtorno bipolar do humor e estava na fase depressiva da doença.”
Não é incomum que um paciente em episódio depressivo grave seja, na verdade, portador de transtorno bipolar do humor (TBH). Mesmo os mais renomados psiquiatras, acompanhando a evolução de seus pacientes, mudam o diagnóstico de depressão para TBH com alguma frequência. Pessoas com TBH tipo I variam o humor em larga amplitude: ora depressivo grave, sem nenhuma energia e com exagerada tristeza… e ora extremamente eufórico, cheio de energia, “não se aguentando de tanta felicidade”. Essa última fase é chamada de fase maníaca do transtorno bipolar do humor. Pode ser que, justamente nessa fase, a mulher tenha visitado a tal cachoeira. Vou além: se foi isso que ocorreu, essa mulher, mesmo em meio aos seus longos banhos nas águas geladas dessa cachoeira, continua muito doente e digna do benefício auxílio-doença. A fase maníaca do TBH é um quadro grave e que pode deixar consequências terríveis para os doentes e seus familiares.
Possibilidade 4: “Ela mentiu que tinha depressão, enganou todo mundo e, na foto, não se aguentava de tanta felicidade mesmo.”
Pode ser? Sim. É a maior probabilidade? Não sei.
Possibilidade 5: “Ela mentiu duas vezes: que tinha depressão, e que estava feliz da vida. Na verdade, nem tinha depressão e nem estava tão feliz assim.”
Pode ser? Sim. É a maior probabilidade? Talvez. Que cada um faça sua análise.
Reflitamos.
Marcos Henrique Mendanha
SaudeOcupacional.org