A Pluralidade do Nexo Causal.
Fala-se indistintamente do “nexo causal” como se único fosse, mas na verdade são três nexos. Basta perguntar quem é o responsável pelo estabelecimento do nexo causal entre o acidente e o trabalho para perceber que, na verdade não existe um, mas sim três responsáveis: o SESMT, representante do empregador, o INSS e a Justiça do Trabalho, ambos representantes do governo.
O nexo trabalhista, estabelecido pelo SESMT, resulta na emissão da CAT. Se entender que o acidente é do trabalho, emite a CAT; se entender que o acidente não é do trabalho, não emite a CAT. Podemos concluir incialmente que o nexo trabalhista é portanto de natureza “qualitativa”, ou seja, é sim ou não. Abre ou não abre a CAT. Os critérios para registrar ou não registrar a CAT são baseados nos critérios técnico-legais, tendo como base a legislação trabalhista (Normas Regulamentadoras, lei 8213, CLT, etc.) e os conceitos técnicos dos componentes do SESMT (Medicina do Trabalho, Engenharia de Segurança, etc.).
O nexo previdenciário, estabelecido pelo INSS, resulta no tipo de benefício concedido. Se entender que o acidente é do trabalho, o benefício é acidentário; se entender que o acidente não é do trabalho, o benefício será “não acidentário”. De forma similar, o nexo previdenciário é também de natureza “qualitativa”, ou seja, é sim ou não. O benefício concedido é acidentário ou não acidentário. Os critérios para a concessão do benefício, se acidentário ou não acidentário são baseados principalmente na legislação previdenciária, como a Instrução Normativa 31 que determina a existência de três nexos, o profissional, NTEP e o individual.
O nexo cível, estabelecido pela Justiça do Trabalho, resulta na sentença do Juiz do Trabalho. Se entender que a ação trabalhista é procedente, determina o quantum indenizatório, se entender que a ação trabalhista é improcedente, não há o que indenizar. Porém, se é procedente, o valor da indenização determinada pelo magistrado é dependente de algumas variáveis, como a extensão do dano, grau de culpa ou presença de risco acentuado, condição econômica das partes, caráter pedagógico, etc.
Assim, o nexo cível é de natureza quantitativa, ou seja, “quanto deverá ser a indenização”? Portanto o valor vai de zero (quando o magistrado entende ser a ação improcedente) até valores os mais variados. Daí ser quantitativo.
Os critérios para a conclusão do juiz diante da ação trabalhista, se procedente ou improcedente, embora possa considerar a opinião do perito, são baseados principalmente no código civil, na reparação do patrimônio jurídico, com base no dano, culpa/dolo/risco acentuado. Comparando os três nexos, assim como entre gêmeos, só a aproximação entre as semelhanças é capaz de evidenciar as diferenças. Dos três, apenas o nexo trabalhista (SESMT) é “íntimo” tanto do acidentado, quanto do ambiente laboral, sendo portanto o nexo mais próximo do ponto de vista geográfico e temporal, o que seria motivo de sobra para assumir um papel de referência para os outros dois nexos, não fossem as pressões que sofre tanto para subnotificação (pressões do empregador) quanto para supernotificação do acidente (pressões do trabalhador, sindicato, CEREST, INSS, Justiça do Trabalho, MTE, MPT), muitas vezes vencido por uma mais pressões, adulterando assim o que seria a conclusão mais fiel, o que acaba por fragilizar este “pretenso protagonismo” do nexo trabalhista.
As demais instituições (INSS e Judiciário) se encontram muito distantes tanto do acidente quanto do ambiente laboral, restando como elo remanescente os relatos do próprio acidentado ou de um dependente do acidentado (em caso de morte) e do empregador, com relatos geralmente conflitantes, além da fragilidade documental, desde a sua total ausência, até uma documentação incompleta, inconsistente ou inadequada.
A Justiça do Trabalho, também distante do cenário laboral no tempo e espaço, às vezes até que tenta tal aproximação, exigindo do perito uma visita ao posto de trabalho, o que na maioria das vezes resulta em uma frustrada diligência decorrente do total estranhamento entre o perito visitante e o local visitado, porque nem o perito tem formação técnica suficiente para avaliar o posto de trabalho, nem o posto de trabalho é o mesmo, tendo se modificado, às vezes até nem mais existe.
O INSS, na tentativa de suprir tal ofuscamento também causado pela distância do sinistro laboral, até para “escorar” a sua insegurança jurídica, como que justificando o seu desconhecimento do cenário do sinistro, recorreu a recursos normativos como a Instrução Normativa 31 que determina a existência de três nexos, o profissional, NTEP e o individual, como que socorrendo assim os argumentos da perícia previdenciária que, embora frágeis, acabam por ajudar a diminuir o desequilíbrio atuarial desta autarquia.
É nesse cenário que se estabelecem as discórdias entre os três nexos, que se manifestam nas formas, como na contestação de NTEP e CAT pelo empregador, emissão de CAT à revelia do empregador pelo próprio segurado, CEREST, sindicato, por ordem judicial, sentença de juiz concluindo como improcedente uma ação trabalhista em evento já caracterizado como acidente de trabalho pelo SESMT e INSS, por afastar qualquer culpa do empregador, ou ausência de dano, ou ao contrário, concluindo por procedente a ação e determinando o registro da CAT para eventos anteriormente não caracterizados como acidente do trabalho, pelo SESMT, às vezes até pelo próprio INSS.
Ora, então são três nexos causais, posto que são três atores sociais representados por três instituições muito diferentes, cada uma com a sua própria “cartilha” a ser seguida. Portanto, pode-se afirmar que o “nexo causal” não passa de um homônimo, usado pelo SESMT, INSS e Justiça do trabalho, cujas conclusões, embora a princípio independentes, podem ser coincidentes, auto influenciáveis, complementares ou até mesmo, antagônicas.
Concluindo, cada um dos três nexos traduz uma verdade própria, como aquela refletida por cada fragmento de um “mesmo espelho” que se quebrou, cuja imagem reproduzida é a verdade espelhada de cada um, aos olhos de cada observador (SESMT, Previdência Social e Judiciário) que, mesmo não sendo a mesma, não deixa de ser verdade”.
E aí, tem nexo?
Autor: Dr. Lenz Alberto Alves Cabral (MG) – Médico do Trabalho, Especialista em Ergonomia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Professor convidado da Pós-Graduação em Medicina do Trabalho da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Diretor da PROERGON – Assessoria e Consultoria em Segurança e Saúde do Trabalhador / Ergonomia, autor do livro “Abre a CAT?” (Editora LTr). Contato: www.proergon.com.br
O Dr. Lenz escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Lenz”.