A Contestação do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) pelo Médico do Trabalho da empresa: há violação do sigilo médico ao se utilizar prontuário médico do trabalhador?
Há três maneiras de o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) estabelecer nexo entre trabalho e doenças, a título de conceder auxílio-doença, seja na espécie previdenciária, seja na espécie acidentária:
1. Através da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) ou nexo individual;
2. Através do anexo II do Decreto 3048/99, que relaciona os agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho, conforme previsto no artigo 20 da lei 8.213 de 1991;
3. Através do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), que é o resultado do cruzamento das tabelas da Classificação Internacional de Doenças (CID) com a da Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE). Neste caso, o nexo entre doença e trabalho é estabelecido estatisticamente quando a incidência de determinada doença tiver sido maior num grupo de trabalhadores, do que em outros, num período de tempo.
Esta terceira modalidade traz à baila o nexo presumido para caracterização do benefício na espécie acidentária (B-91 ou auxílio doença acidentário), cujo reflexo trabalhista é gerar estabilidade no emprego após a alta previdenciária, recolhimento do FGTS do empregado pela empresa, aumento do FAP (Fator acidentário de Prevenção) e, por consequência o SAT (Seguro de Acidente de Trabalho) a ser recolhido pelo empregador.
Ocorre que a correlação entre doença e trabalho utilizada pelo INSS para estabelecer o nexo epidemiológico é muito baixa e permite que alguns nexos causais espúrios sejam estabelecidos, como por exemplo, a caracterização de apendicite aguda e gastrites em trabalhadores de saúde em unidades de emergência, diabetes mellitus em trabalhadores de empresas de captação, tratamento e distribuição de água, ou mesmo de alcoolismo em trabalhadores de empresas de locação de mão de obra, como doenças ocupacionais, causadas ou agravadas por fatores presentes na atividade laboral.
Como este nexo é presumido (presunção de veracidade relativa, ou juris tantum), é facultada à empresa contestar administrativamente este nexo, por meio de processo administrativo junto à autarquia previdenciária.
Os parágrafos 7º, 8º e 9º do artigo 337 do Decreto 6.042/2007 estabelecem que a empresa pode requerer ao INSS a não aplicação do NTEP ao caso concreto mediante a demonstração de inexistência de correspondente nexo causal entre o trabalho e o agravo. O Médico do Trabalho, representante legal da empresa, poderá realizar a contestação do benefício acidentário caso discorde do nexo causal, sendo que estas contestações serão avaliadas pela perícia médica do INSS.
Ressalta-se que a prática adequada da Medicina do Trabalho impõe ao médico a necessidade de conhecer os locais de trabalho e os riscos ocupacionais existentes nas atividades que seus pacientes desempenham. Por outro lado, ao submeter os trabalhadores a exames ocupacionais, o Médico do Trabalho tem a oportunidade de detectar agravos à saúde, relacionados, ou não, às suas atividades laborais. Isto faz do especialista que atua na empresa um conhecedor privilegiado das condições de trabalho e da saúde do trabalhador.
Em relação ao sigilo das informações médicas, o Código de Ética Médica estabelece que o médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei.
No capítulo IX do Código de Ética Médica, em seus artigos 73 e 74, estabelece ser vedado ao médico:
“Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.
Art. 76. Revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.” (grifo nosso)
O segredo médico ou sigilo médico é uma das formas de segredo profissional e se constitui numa das mais acentuadas e tradicionais características da profissão médica, sendo, talvez, o princípio ético mais rígido e ao mesmo tempo o mais observado e respeitado pelos médicos. Estão obrigados à observância de segredo profissional todos aqueles auxiliares do médico que participem da assistência aos pacientes, e, até mesmo o pessoal administrativo, responsáveis pelos arquivos médicos.
Sua observância remonta às Promessas de Hipócrates e está presente no dia-a-dia de cada médico, nas conversas entre colegas de profissão, em suas aulas, conferências, publicações científicas, depoimentos à policia e à Justiça etc. e assim deve continuar.
“…Penetrando no interior das Familias, meus olhos serão
cegos e minha língua calará os segredos que me forem
confiados…” (Hipócrates, 460 a.C.)
O segredo médico pertence ao paciente sendo o médico seu depositário e guardador, somente podendo revelá-lo em situações muito especiais como: dever legal, justa causa ou autorização expressa do paciente.
O dever legal se configura quando compulsoriamente o segredo médico tem de ser revelado por força de disposição legal expressa que assim determina. Cita-se como exemplo: atestado de óbito, notificação compulsória de doença assim considerada e outras situações adiante anotadas. Nestas ocasiões, somente revelará o diagnóstico e não tecerá outros comentários.
A justa causa exprime, em sentido amplo, toda a razão que possa ser utilizada como justificativa para a prática de um ato excepcional, fundamentado em razões legítimas e de interesse ou procedência coletiva. Assim, entende-se como uma razão superior relevante do que seria, a princípio, uma falta. Como exemplo de justa causa para a revelação do segredo médico, temos o peculiar caso de um candidato ao preenchimento de uma vaga profissional como motorista de transporte coletivo, sendo portador de epilepsia. Nesse caso, o Médico do Trabalho da empresa contratante, respaldando-se na justa causa como preservadora dos direitos individuais das pessoas que se utilizam dos serviços de transporte coletivo desta, ao comprovar a doença, deverá comunicá-la aos seus administradores para que estes tomem a decisão de não contratar o referido candidato.
Desde que baseado em justos motivos, se o Médico do Trabalho entender que o nexo estabelecido epidemiologicamente entre doença e trabalho pela perícia médica do INSS não corresponde à realidade, ele está autorizado a usar os elementos do prontuário médico para contestá-lo. Tal autorização se baseia em dois motivos principais:
1.º) A avaliação da contestação é feita obrigatória e exclusivamente por um perito médico no INSS, que também tem a obrigação de guardar sigilo sobre as informações do prontuário médico.
2.º) As falhas existentes no NTEP levam ao estabelecimento de nexos bizarros que devem ser corrigidos e, muitas vezes os fatos anotados no prontuário médico são os que mais facilmente podem levar a esta necessária correção.
Referências:
PROCESSO CONSULTA N.º 2440/2013– CRM-PR
PROTOCOLO N. º 17469/2013
ASSUNTO: MEDICINA DO TRABALHO – VALIDADE DE EXAME MÉDICO
PARECERISTA: CONS.ª KETI STYLIANOS PATSIS
Autor (a): Rodrigo Tadeu de Puy e Souza – Médico. Advogado. Pós-Graduado em Medicina do Trabalho. Mestre pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: rodrigodepuy@yahoo.com. Site: www.pimentaportoecoelho.com.br
O doutor Rodrigo Tadeu de Puy e Souza escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Puy”.