A reforma da Previdência Social (PEC 287): reflexão acerca da constitucionalidade da fixação da idade mínima de 65 anos para ambos os sexos
A reforma da Previdência Social é assunto que há muito tempo vem sendo debatido, sem contudo apresentar mudanças efetivas nas regras desde a “era FHC”, momento em que foi instituído o “famigerado” Fator Previdenciário e a aposentadoria por tempo de contribuição (e não mais aposentadoria por tempo de serviço).
O contexto atual é de rápido envelhecimento populacional (mais aposentadorias sendo concedidas, maior sobrecarga da PEA – população economicamente ativa), aumento de mercado informal do trabalho e desemprego (menor recolhimento de INSS de segurados obrigatórios), além da concessão de benefícios assistenciais sem previsão legal da fonte de custeio (benefícios de prestação continuada) e da necessidade de se aprimorar os mecanismos de controle na continuidade da concessão de benefícios (em especial o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez).
Neste cenário, é imperioso a reforma da Previdência Social com intuito de se garantir a solvência do sistema e preservar o direito do segurado que hoje contribui para a autarquia tenha a expectativa futura de se aposentar concretizada de fato.
Incialmente, vejamos o quadro abaixo (Quadro I) que demonstra o incremento da população de idosos acima de 80 anos, ao longo do tempo no Brasil:
Quadro I – População de 80 anos ou mais de idade, por sexo, período 1980 – 2050
O quadro I nos mostra claramente que, na faixa etária acima de 80 anos, a população idosa brasileira é majoritariamente feminina (dados atuais e projetados para o futuro).
Segundo IBGE (2015), a expectativa média de vida do brasileiro é de 75,2 anos.
A tabela I abaixo informa qual é a expectativa de vida entre os sexos e a diferença (em anos) da expectativa média de vida por sexo e a idade para Aposentadoria por Idade.
Homem | Mulher | |
Expectativa média de vida | 71,6 | 78,8 |
Tempo médio de gozo da Aposentadoria por idade (Diferença entre a expectativa de vida por sexo e Idade preconizada para Aposentadoria por Idade – 65 anos para o homem e 60 anos para a mulher) | 71,6 – 65 = 6,6 anos | 78,8 – 60 = 18,8 anos |
Tabela I – Expectativa de vida e tempo médio de gozo de Aposentadoria por idade entre os sexos
Nesta tabela I, entende-se que, mantendo o cenário atual, o homem gozaria em média 6,6 anos da aposentadoria por idade, ao passo que a mulher gozaria em média 18,8 anos, ou seja, quase o triplo do tempo.
A reflexão que fazemos acerca da PEC 287 se refere quanto à fixação de idade mínima de 65 anos para ambos os sexos. Enfrentaremos agora esta questão.
Inicialmente, lembremos o fundamento da fórmula do Fator Previdenciário, utilizado no caso das aposentadorias de trabalhadores que reúnem tempo mínimo de contribuição para pleitear aposentadoria (180 contribuições) e que se aposentam antes da idade preconizada (65 anos para o homem e 60 anos para a mulher):
Fórmula do Fator Previdenciário.
f = Fator previdenciário
Tc = Tempo de contribuição
a = Alíquota de contribuição (0,31)
Es = Expectativa de sobrevida
Id = Idade do trabalhador na data de sua aposentadoria
Esta fórmula reforça duas variáveis que já expomos alhures, vale dizer, a idade do trabalhador na data de se aposentar e a expectativa de sobrevida da população (que no caso é levado em consideração a expectativa de vida média do sexo feminino).
Estas duas variáveis são exatamente as que estão envolvidas nesta Proposta de Emenda à Constituição (PEC 287)! A idade mínima de 65 anos para todos e a expectativa de vida do trabalhador, conforme a tábua da vida fornecida pelos dados estatísticos do IBGE.
Prosseguindo no enfrentamento da questão, avaliemos se há consonância com os princípios constitucionais estampados na Constituição Federal de 1988.
Os princípios norteadores da Seguridade Social estão inseridos no parágrafo único do artigo 194 da Constituição Federal. Além dos sete princípios enumerados no texto constitucional, a doutrina elaborou outros, sendo que o mais importante é o princípio da solidariedade.
1 – PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE SOCIAL
Consiste no fato de toda a sociedade, indistintamente, deve contribuir para a Seguridade Social, independentemente de se beneficiar de todos os serviços disponibilizados.
2 – PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE DA COBERTURA DO ATENDIMENTO
Consiste em promover indistintamente o acesso ao maior número possível de benefícios, na tentativa de proteger a população de todos os riscos sociais previsíveis e possíveis. As ações devem contemplar necessidades individuais e coletivas, bem como ações reparadoras e preventivas.
3 – UNIFORMIDADE E EQUIVALÊNCIA DOS BENEFÍCIOS E SERVIÇOS ÀS POPULAÇÕES URBANAS E RURAIS
Teve como o objetivo central equiparar os direitos dos trabalhadores rurais aos trabalhadores urbanos, resgatando uma injustiça histórica.
4 – PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE E DISTRIBUTIVIDADE NA PRESTAÇÃO DOS BENEFÍCIOS E SERVIÇOS
Tem por finalidade orientar a ampla distribuição de benefícios sociais ao maior número de necessitados. Nem todos terão direito a todos os benefícios, devendo o legislador identificar as carências sociais e estabelecer critérios objetivos para contemplar as camadas sociais mais necessitadas.
5 – PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DO VALOR DOS BENEFÍCIOS
Este princípio tem por finalidade preservar o valor de compra dos benefícios financeiros concedidos pela seguridade social. A legislação infraconstitucional materializou este dispositivo ao determinar que anualmente os valores dos benefícios serão corrigidos por um índice de preço.
6 – PRINCÍPIO DA DIVERSIDADE DA BASE DE FINANCIAMENTO
O financiamento da seguridade social se dá atualmente através da contribuição dos trabalhadores, das empresas e dos orçamentos dos entes estatais.
7 – PRINCÍPIO DO CARÁTER DEMOCRÁTICO E DESCENTRALIZADO DA ADMINISTRAÇÃO, MEDIANTE GESTÃO QUADRIPARTITE, COM PARTICIPAÇÃO DOS TRABALHADORES, DOS EMPREGADORES,DOS APOSENTADOS E DO GOVERNO NOS ÓRGÃOS COLEGIADOS
8 – PRINCÍPIO DA EQUIDADE NA FORMA DE PARTICIPAÇÃO NO CUSTEIO
Cada um contribuirá para a seguridade social na proporção de sua capacidade contributiva.
Wladimir Novaes Martinez entende desnecessária a sua inclusão no rol dos princípios do artigo 195 da Constituição, uma vez que o mesmo já está previsto no artigo 150, II, senão vejamos:
“Trata-se de norma securitária abundante, praticamente desnecessária diante do artigo 150, II, onde prescrita regra exacional universal, a vedação da instituição de “tratamento desigual entre os contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”, isto é, a igualdade fiscal”.
Todos estes princípios seriam de fato imaculados por esta proposta de Emenda à Constituição (PEC).
Por fim, vale destacar outro princípio constitucional estampado no art. 5º, caput, da Constituição Federal, que aborda o princípio da Isonomia, in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…)
A igualdade, de acordo com a Constituição Federal, possui duas vertentes:
- Igualdade Material: tipo de igualdade, em que todos os seres humanos recebem um tratamento igual ou desigual, de acordo com a situação. Quando as situações são iguais, deve ser dado um tratamento igual, mas quando as situações são diferentes é importante que haja um tratamento diferenciado.
- Igualdade Formal: é aquela presente na Constituição Federal e que trata da igualdade perante a lei. De acordo com o artigo 5º, isso quer dizer que homens, mulheres e todos os cidadãos brasileiros são iguais conforme a legislação.
Em consonância com o texto constitucional e na vertente da igualdade material, entendemos perfeitamente cabível a uniformização da idade mínima para 65 anos, haja vista que a PEC busca atender a proposta de manter a solvência do sistema, além de tentar corrigir uma histórica distorção na concessão de benefícios previdenciários entre os sexos, conforme exposto.
Com esta mudança para um padrão uniforme de idade mínima (65 anos), teríamos uma aproximação do tempo médio de concessão de benefícios de aposentadoria entre os gêneros, mantendo-se o homem com um período de 6,6 anos e a mulher com 13,8 anos.
A uniformização da idade mínima, portanto atende os preceitos constitucionais. Todavia, salientamos que o Brasil possui grande disparidade econômica e social entre os estados, sendo que a expectativa de vida da população é menor nos estados do norte e nordeste (Maranhão – 70 anos *) e maior nos estados do sul e sudeste (Santa Catarina – 78,4 anos *). Cabe aí outra discussão se esta fixação da idade de 65 anos é viável para todos os entes federados.
Finalmente e por óbvio, não é escopo do artigo discutir diferenças históricas entre o papel do homem e da mulher no ramo do Direito de Família, na condução das tarefas domésticas e assistência aos filhos. Importante apenas destacar que este tema que vem sofrendo rápida e ampla mudança, seja na constituição da família (uniões homoafetivas, famílias unipessoal, anaparental e monoparental), seja nos papéis sociais desempenhados por cada ente familiar no lar.
BIBLIOGRAFIA:
1- Constituição Federal de 1988
2- FILIPPO, Filipe de. Os princípios e objetivos da Seguridade Social, à luz da Constituição Federal. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 43, jul 2007. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.phpn_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2012>. Acesso em dez 2016.
*Fonte: IBGE,2015
Autor (a): Rodrigo Tadeu de Puy e Souza – Médico. Advogado. Pós-Graduado em Medicina do Trabalho. Mestre pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail:rodrigodepuy@yahoo.com. Site: www.pimentaportoecoelho.com.br
O doutor Rodrigo Tadeu de Puy e Souza escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Puy”.