Deputados lembram que recomendações da Assembleia são para cumprir. Benefícios fiscais e no trabalho só em 2018
Em Portugal existem 110 mil pessoas dependentes ao cuidado de familiares em casa. No Parlamento já está uma petição com mais de 14 mil assinaturas que pede o que o que cinco partidos – PS, PCP, BE, CDS e PSD – aprovaram em maio e resultou numa resolução da Assembleia da República: a criação do estatuto do cuidador informal, apoio psicossocial, direito ao descanso, horário flexível, formação, baixa prolongada.
Os partidos colocam a pressão no governo, lembrando que as recomendações são para cumprir. O Ministério da Saúde refere que há medidas em marcha, como as unidades de dia. Outras como a redução de horários ou apoios fiscais não avançam antes de 2018. Hoje é o Dia do Cuidador.
“O PSD e os outros partidos apresentaram projetos de resolução que foram discutidos e aprovados. Agora carecem da iniciativa do governo. A petição irá colocar o tema na ordem do dia”, diz Miguel Santos, deputado do PSD. O mais provável é que seja discutida em plenário no início de 2017. Nessa altura, afirma Isabel Galriça Neto, deputada do CDS, “vamos relembrar o governo que esta é uma matéria muito importante. Os projetos culminaram em recomendações da Assembleia ao governo. Estaremos atentos para ver se tomam medidas”.
O mesmo esperam os partidos da esquerda. “Estamos a debater o orçamento. O governo ainda está dentro do tempo para acatar as recomendações. E sabemos que um dos seus objetivos é criar o estatuto do cuidador. Isso não significa que o PS não possa pensar em apresentar uma proposta de lei no início do próximo ano se o governo não avançar. Este é um tema prioritário para esta legislatura”, diz a deputada socialista Luísa Salgueiro. “Quando a petição for discutida, o partido irá avaliar o que quer fazer. As recomendações contemplam questões laborais, apoios sociais, o descanso do cuidador. O PCP irá acompanhar e exigir o cumprimento das resoluções”, afirma Carla Cruz, do PCP. Moisés Ferreira, deputado do BE, refere que “na discussão da petição reafirmará as propostas aprovadas e que queremos que sejam efetivadas. E que estamos disponíveis para estudar outras medidas”.
Medidas no próximo ano
O governo, diz o Ministério da Saúde, “pretende iniciar a discussão pública no inicio de 2017 e ainda durante o decorrer do ano implementar algumas das recomendações e eventualmente efetuar experiências-piloto, de forma a aferir a mais valia e o impacto que pode ter em termos de benefícios clínicos”.
Manuel Lopes, coordenador da reforma dos cuidados continuados, lembra que Portugal já tem algumas medidas como o descanso do cuidador e a sua capacitação, embora não de forma sistemática. Por isso candidataram um projeto de formação com recurso à internet. “Está previsto o início de atividade das unidades de dia e de promoção de autonomia, úteis por criarem um apoio terapêutico durante as horas normais de trabalho. As medidas com repercussões fiscais e laborais exigem uma discussão em sede própria, estando previsto que ocorra durante 2017 para poderem ser consideradas em 2018.”
Leonor Guimarães, vice-presidente da associação Alzheimer Portugal, defende: “É preciso assumir que isto é um problema de saúde pública. São doentes que obrigam a uma vigilância constante e a prestação de cuidados não se compadece com a vida profissional. Não existem benefícios fiscais e é preciso encontrar soluções que permitam aos cuidadores descansar. As estimativas é que existem 182 mil pessoas com demência em Portugal. Cada vez aparecem mais casos de pessoas na casa dos 40 anos. As instituições não estão preparadas para receber pessoas destas idades”.
Cuidar de quem se ama
“Às vezes digo à minha avó que tenho dores de barriga só para ela me dar um carinho. É muito complicado vermos aquela pessoa, a matriarca da família, deixar de existir”, desabafa Sofia Figueiredo, 39 anos e cuidadora da avó há três. É uma das promotoras da petição lançada pelo Grupo de Cuidadores de Pessoas com Doença de Alzheimer e Outras Demências, a quem agradece por terem tornado isto possível.
A avó Maria, 82 anos, está longe da mulher independente que já foi. A demência vascular mudou a vida de todos. Sofia divide-se com a mãe, Rosália (vivem todas juntas com os filhos de Sofia), numa ginástica diária. Até que o corpo e a mente das duas aguente. Porque alguém tem de estar sempre presente. “Levanto-me às 5.00 da manhã para entrar ao trabalho às 6.30 e saio às 15.30. Venho a correr para casa para receber a minha avó porque o centro de dia fecha às 16.00. Há um dia que não vou aguentar. Não quero deixar de trabalhar, mas serei obrigada”, diz. Na zona do Seixal onde mora não tem a resposta que precisa.
Aprendeu com o médico e na internet a fazer estimo cognitivo à avó, a ter um dia que é só para si para carregar baterias que vão sendo cada vez mais fracas. Mas ainda não conseguiu convencer a mãe a fazer o mesmo. É duro ver que cada dia se perde mais um pouco. “A maioria das vezes não me reconhece. Pergunta onde está a moça. Perdeu a memória, mas mantém a memória emocional. Ela sabe que lhe pertencemos.” Não esquece o dia em que a avó estava a estender toalhas na banheira. “Chorei porque já não tem noção de que a banheira é para o banho e a cama para dormir.”
Tal como é duro não ver nos outros a compreensão do que é ser cuidador, não ter respostas ágeis cada vez que vai ao hospital com a avó, sentir o olhar do preconceito porque não sabem o que é a demência. “Conforme avança a perda de mobilidade, aumenta o desgaste dos cuidadores e a ansiedade. A maioria dos cuidadores não é educado lidar com as situações que podem gerar conflito e ter métodos para desviar a atenção. Faltam campanhas de sensibilização e informação”, diz.
Ana Paula Faria cuida da mãe, Bertini, que tem 94 anos, há seis anos. Foi a falta de mobilidade que a impediu de estar sozinha. Ana também sabe o que é viver com o medo e a ansiedade. “Tenho apanhado tantos sustos que as noites deixaram de ser sossegadas. Nunca se sabe se vai acordar mal, com a tensão a 20, com infeção urinária ou problemas no estômago”, diz. Recorda o cheiro do almoço que a mãe lhe preparava quando ainda vivia na sua casa: “É difícil ver a pessoa a ficar cada vez mais debilitada”.
É o receio de não saber o que fazer nas horas em que a mãe está doente que mais a assusta. A Linha Saúde 24 tem sido uma fiel companheira. Tal como agora é o fisioterapeuta que duas vezes por semana vai ajudar a mãe e a empregada que durante quatro horas permite a Ana ter momentos só seus. “Quero part time para compensar a reforma antecipada e também porque me faz falta ter alguma coisa para manter a sanidade.” A mãe? “Acho que é feliz. Tem o quarto dela, a visita dos netos, não está isolada. Prometi ao meu pai que cuidava da minha mãe. Não a punha num lar de forma nenhuma”, diz.
Fonte: Diário de Notícias.
Título Original: Partidos pressionam governo para criar estatuto do cuidador