Já falei em inúmeras palestras que, às vezes, tenho dificuldade de falar para o público leigo qual minha especialidade.
A Medicina do Trabalho, infelizmente ainda não é reconhecida como uma das especialidades mais importantes para o indivíduo, as empresas e a sociedade. Nosso trabalho, baseado principalmente na promoção da saúde e prevenção de doenças, não é, ainda, muito valorizado. Abrir um peito ou uma barriga parece trazer mais status que orientações sobre como evitar acidentes e doenças, sejam elas ligadas ou não ao trabalho.
Como a maioria das especialidades termina com o sufixo “ista”, exemplos cardiologista, ginecologista, entre outros, para facilitar nossas apresentações no futuro, sugiro aos colegas que, quando for perguntado “Qual a sua especialidade?” respondam: Sou NEXIALISTA. Nosso grande desafio é estabelecer o nexo entre o estilo de vida do trabalhador, sua ocupação, seu histórico patológico, familiar e a queixa ou a doença apresentada.
É sabido que o ambiente de vida e trabalho influencia fortemente na ocorrência de doenças e de agravos à saúde. A exposição a agentes ambientais, teoricamente mais fácil, pode ser quantificada como uma “dose” que é usada para estabelecer relações dose-efeito e dose-resposta. Por outro lado, o ambiente humano é constituído por vários elementos básicos, como o estilo de vida, o ambiente social e cultural, que são de grande importância para a saúde física e mental. A saúde ocupacional e ambiental possuem um grande número de fatores causais específicos. Estimativas têm mostrado a contribuição das exposições ambientais para a saúde, algo entre 25% e 35% da carga global de doenças, são devido à exposição a fatores ambientais.
Quando pensamos em nexo, um fato importante a ser analisado é a causalidade das doenças. Algumas doenças são causadas unicamente por fatores genéticos, a maioria delas resulta da interação destes com fatores ocupacionais e ambientais. O fator ocupacional é um dos mais complexos e amplos ao permitir a inclusão de qualquer fator biológico, químico, físico, psicológico, econômico e cultural, que possa afetar a saúde. O comportamento e o estilo de vida são de grande importância nessa conexão e, muitas das vezes, ignorados neste processo. Em minhas andanças, fico tentado a quantificar o peso do estilo de vida na causalidade das doenças. Em alguns casos ele pode chegar a mais de 80%.
O entendimento das causas das doenças e agravos à saúde é importante não apenas para a prevenção, mas também para o correto diagnóstico e tratamento. Este fato aumenta a responsabilidade do NEXIALISTA, pois não só há questões éticas, relacionadas ao exercício da medicina, bem como questões legais. O conceito de causa é fonte de muita controvérsia em epidemiologia. O processo pelo qual se faz inferência causal – julgamento ligando possíveis causas e seus desfechos – é o principal tema da filosofia geral da ciência, e o conceito de causa tem diferentes significados em diferentes contextos. Os NEXIALISTAS precisam utilizar o conceito de amplo de causa, no sentido de ser uma condição para a ocorrência de doença. As doenças geralmente têm múltiplos fatores causais, ou seja, há uma cadeia causal.
Outros conceitos importantes deverão ser estudados para estabelecimento dos nexos ocupacionais. Os determinantes de saúde são definidos como fatores sociais, econômicos, culturais e ambientais, a maioria dos quais fora do setor saúde, mas responsáveis pela manutenção da saúde ou instalação da doença no indivíduo. Esta definição requer atenção especial do NEXIALISTA. Já o fator de risco refere-se a aspectos de hábitos pessoais ou de exposição ambiental, que está associado ao aumento da probabilidade de ocorrência de alguma doença. Uma vez que os fatores de risco podem ser modificados, medidas que os atenuem podem diminuir a ocorrência de doenças. Aqui mora a verdadeira atuação do NEXIALISTA.
Se pensarmos em fazer ciência, o que particularmente não é o principal objetivo dos NEXIALISTAS, ao comparamos a ocorrência de doenças, o primeiro passo do processo epidemiológico é medir a ocorrência de doença ou de qualquer outra condição relacionada ao estado de saúde das populações. O passo seguinte é a comparação entre as medidas de dois ou mais grupos de pessoas cuja exposição tenha sido diferente. Em termos qualitativos, um indivíduo pode estar exposto ou não exposto a um determinado fator em estudo, que tanto pode ser de risco quanto de proteção. O grupo não exposto é frequentemente usado como grupo de referência, também denominado grupo basal ou baseline. Em termos quantitativos, a exposição pode variar conforme a intensidade e a duração. A quantidade de exposição sofrida pelo indivíduo é chamada “dose”. A comparação dessas ocorrências permite estimar o risco resultante da exposição. Essa comparação pode ser tanto absoluta quanto relativa e mede a força de associação entre exposição e desfecho.
Com ou sem ciência, os NEXIALISTAS precisam, cada vez mais trabalhar com dados para gerar informação e conhecimento. O próximo passo é utilizar tudo com sabedoria.
BIBLIOGRAFIA
ARANTES, E.F. O Retorno Financeiro de Programas de Promoção da Saúde e Qualidade de vida nas Empresas. São Paulo. SESI-SP Editora. 2014.
BONITA, R. Epidemiologia básica / R. Bonita, R. Beaglehole, T. Kjellström; [tradução e revisão científica Juraci A. Cesar]. – 2.ed. – São Paulo, Santos. 2010
LEE JW. Public health is a social issue. Lancet 2005;365:1005-6
MARMOT M. Social determinants of health inequalities. Lancet 2005;365:1099-104.
Autor (a): Dr. Eduardo Arantes – Médico com especialização em Medicina do Trabalho pela Universidade São Francisco de São Paulo, Ergonomia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e em Gestão de Saúde pela FGV. Autor dos livros: O Retorno Financeiro de Programas de Promoção da Segurança, Saúde e Qualidade de Vida nas Empresas, Ciências da Vida Humana e o recém-lançado Crônicas de Saúde, Ciência e Cotidiano. Atualmente é Diretor Técnico na Beecorp – Bem Estar Corporativo.
O Dr. Eduardo Arantes escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Edu”.