Vinte e nove de novembro de 2016, dia em que o Brasil parou para acompanhar a tragédia do avião que transportava a equipe Chapecoense, tomou ciência da aprovação, em 1º Turno no Senado, da PEC nº 55, conhecida como PEC do Congelamento e, por fim, acompanhou o histórico voto do Supremo Tribunal Federal – STF acerca do aborto, o qual pode mudar o rumo da abordagem deste tema em nosso país, de agora em diante. Que dia!
De início, é importante rememorar que o STF consubstancia duas Turmas, sendo que o Presidente do STF delas não participa, quais sejam: a Primeira Turma, atualmente composta pelos eminentes Ministros(as) Luís Roberto Barroso (Presidente da Turma), Marco Aurélio, Luiz Fux, Rosa Weber e Edson Fachin; já a Segunda Turma é hodiernamente composta pelos eminentes Ministros(as) Gilmar Mendes (Presidente da Turma), Celso de Mello, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Teori Zavascki.
Importante ressaltar que não há ordem hierárquica entre as Turmas, que são pequenos colegiados que têm por fito julgar alguns processos que chegam à Suprema Corte e que não demandam a declaração de inconstitucionalidade de leis, o que compete somente ao Plenário. Cabe às Turmas decidir, por exemplo, sobre Agravo de Instrumento (AI), Recursos Extraordinários (RE), Habeas Corpus (HC), Recurso em Habeas Corpus (RHC), Reclamação (RCL) e Petição (PET), ressalvada a competência do Plenário.
Pois bem, se trata de um caso que envolve pessoas de Duque de Caxias/RJ, denunciadas pelo Ministério Público pela suposta prática do crime de aborto com o consentimento da gestante e formação de quadrilha. Trata-se de uma clínica clandestina para realização de aborto, localizada em Xerém, mais especificamente, que foi fechada pela polícia, em 2013, e funcionários e médicos foram presos.
As pessoas envolvidas foram presas em flagrante, no entanto, logo foram libertadas pelo juízo de primeiro grau. Nesse passo, o Ministério Público recorreu da decisão que colocou os envolvidos em liberdade e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou a prisão preventiva, que fora mantida pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ.
Tal processo caminhou até o Supremo Tribunal Federal – STF e, em agosto, o Ministro Marco Aurélio Mello concedeu Habeas Corpus por entender que não caberia prisão preventiva no caso e, por corolário, determinou a soltura dos acusados. Em seguida, o Ministro Luís Roberto Barroso pediu vistas do processo. Diante da situação delineada, a 1ª Turma do STF se reuniu para deliberar de forma definitiva sobre o tema e proferiu a decisão ora sob análise, na noite de terça-feira, dia 29 de novembro de 2016.
Por unanimidade, os ministros entenderam que as prisões não se sustentam. No entanto é importante ressaltar que os Ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, bem como a Ministra Rosa Weber entenderam que a criminalização do aborto até o terceiro mês da gestação não é crime porque viola os direitos fundamentais da mulher como, in verbis: “os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria.”.[1]
Além disso, entenderam que também se configurava lesão ao princípio da proporcionalidade, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria. Outrossim, se ressaltou o impacto da criminalização sobre as mulheres pobres, já que o tratamento criminal conferido pela lei brasileira, in verbis: “impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis”[2]. Assim sendo, são cada vez mais frequentes os casos de automutilação, lesões graves e óbitos.
Importante pontuar que O aborto é descrito pela doutrina especializada como “a interrupção da gravidez com a consequente morte do feto (produto da concepção)”[3].
Os Ministros Marco Aurélio e Luís Fux não adentraram na discussão sobre a criminalização, apenas entenderam que não estavam “presentes os requisitos que legitimam a prisão cautelar, a saber: risco para a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal (CPP, art. 312). Os acusados são primários e com bons antecedentes, têm trabalho e residência fixa, têm comparecido aos atos de instrução e cumprirão pena em regime aberto, na hipótese de condenação.”[4].
Entretanto, é possível dizer que a manifestação de três ministros do Supremo em favor da descriminalização do aborto é um indicativo de que, caso este tema seja levado ao plenário do STF em um debate de repercussão geral, são grandes as chances de que as proibições ao aborto, que estão inseridas no Código penal, sejam derrubadas. É válido lembrar que, hoje em dia, somente abortos envolvendo gestações que geram risco à mãe e as resultantes de estupro que são permitidos pela Lei.
Nesse ponto, cumpre ressaltar que o Ministro Luís Roberto Barroso (Presidente da 1ª Turma do STF), grande jurista, nomeado Ministro do STF em junho de 2013, tem apresentado posições consideradas por alguns como progressistas e extremamente necessárias e por outros como absurdas. O Ministro defende com maestria o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a legalização do consumo da maconha, aborto dos fetos anencefálicos, pesquisas com células tronco, dentre outros.
Por fim, com o fito de propor um norte para as discussões acaloradas sobre o tema, nas palavras do Ministro Barroso, transcritas a partir de uma sustentação oral feita por ele na ADPF nº 54: “toda crença sincera e não violenta merece respeito e merece consideração. A verdade não tem dono. Portanto, nós estamos aqui em um debate de valores, em um debate de ideias. (…) A tolerância e a diversidade fazem parte da vida.
[1] Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivos/2016/11/art20161130-01.pdf>. Acesso em 01 dez 2016.
[2] Ibidem.
[3] Damásio E. de Jesus, Código Penal anotado, 2002, p. 424.
[4] Ibidem.
Autor (a): Elisa Zafalão – Advogada, graduada pela Universidade Federal de Goiás – UFG e Pós-Graduanda em Direito Público pela Instituição Damásio Educacional, atuante nas áreas Cível e Administrativo. Email: elisazafalao@gmail.com.
A advogada Elisa Zafalão escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna da Zafalão”.