Prezados leitores.
Com muito orgulho, coordeno e ministro aulas em vários cursos relacionados a Medicina do Trabalho. Por não ter nenhum vínculo com a ANAMT (Associação Nacional de Medicina do Trabalho), me sinto extremamente à vontade também para coordenar com isenção um curso preparatório para prova de título em Medicina do Trabalho, prova esta que é realizada pela ANAMT. E é com imenso respeito aos meus vários alunos e ex-alunos que ouso, respeitosamente, observar algumas aparentes inconsistência no último edital. Desde já, declaro meu imenso respeito pelos seus redatores. A observação que ora faço não é pessoal.
Conforme matéria publicada no site da ANAMT hoje (31/01/2017), “o [novo] edital traz uma adequação à exigência de carga horária mínima de comprovação de atividades profissionais para os médicos que não têm residência médica ou curso de especialização reconhecido. Para esses casos, a carga horária corresponde ao dobro da residência médica (5.760 horas), o que totaliza 11.520 horas.”
De onde vem essa regra? Assim coloca o art. 7 do anexo da Resolução CFM n. 2.148/2016:
“Art. 7º. A AMB, nos editais de titulação das suas associações filiadas, deverá prever a participação de médicos que não realizaram programas de especialização ou residência médica. Nesses casos, deverá exigir como único pré-requisito, de forma fundamentada, comprovação de atuação na área pelo dobro do tempo de formação do programa de residência médica, ficando vedada a cobrança de cumprimento de cursos ou treinamentos adicionais. “
Ocorre, porém, que a Resolução CFM n. 2149/2016 estabelece que o tempo para formação em Medicina do Trabalho via residência médica é de 2 anos. Na mesma linha vem a Resolução CNRM n. 02/2006, que estabelece os requisitos mínimos dos Programas de Residência Médica. Ora, se o tempo de atuação para valer como pré-requisito para fazer a prova de título, para os médicos que não têm residência médica ou curso de especialização reconhecido, deve ser o dobro, logo, esse tempo deve ser de 4 anos, no caso da Medicina do Trabalho.
PRIMEIRA APARENTE INCONSISTÊNCIA
Por que a ANAMT usou a contagem do tempo de atuação em horas, e não em anos? Alguns entendem, ao meu ver equivocadamente, que a resposta para essa pergunta estaria no o art. 5 do anexo da Resolução CFM n. 2.148/2016, que assim coloca:
“Art. 5º A CME [Comissão Mista de Especialidades] somente reconhecerá especialidade médica com tempo de formação mínimo de dois anos e área de atuação com tempo de formação mínimo de um ano, sendo obrigatória carga horária anual mínima de 2.880 horas.”
Se considerarmos a carga horária anual da residência com 2.880 horas, 4 anos seria mesmo equivalente a 11.520 horas. Mas pelo próprio texto acima, há uma clara divergência entre os termos “tempo de formação” e “carga horária”. “Tempo de formação” é dado em anos. “Carga horária”, em horas. Na mesma linha estão a Resolução CFM n. 2149/2016 e a Resolução CNRM n. 02/2006.
E de forma específica, o art. 7 do anexo da Resolução CFM n. 2.148/2016 sentencia que: a “comprovação de atuação na área [será dada] pelo dobro do tempo de formação“. Ou seja: 2 anos. Não se considera o tempo em horas aqui! Me parece não ser prudente que a ANAMT, sob pena de prejudicar os tantos candidatos interessados em realizar a prova, considere o termo “dobro do tempo de formação” como sinônimo do termo “dobro do tempo da carga horária”. Não há, respeitosamente, ao meu entender, fundamentação normativa para isso.
SEGUNDA APARENTE INCONSISTÊNCIA
Ainda que houvesse alguma fundamentação para usar a contagem de tempo em anos e não em horas, por que a ANAMT considerou a carga horária máxima de 4 anos para um residente (11.520 horas – 60h/semana), também para os que não fizeram residência? Percebam que o o art. 7 do anexo da Resolução CFM n. 2.148/2016 nos ensina que “a AMB, nos editais de titulação das suas associações filiadas, deverá prever a participação de médicos que não realizaram programas de especialização ou residência médica.” Não é razoável exigir a carga horária de 60h/semana para quem não é residente e já está no mercado de trabalho! Para quem não é residente, a carga horária de trabalho de 60h/semana é ilegal.
TERCEIRA APARENTE INCONSISTÊNCIA
Ainda que houvesse alguma fundamentação para usar a contagem de tempo em anos e não em horas, qual seria a equivalência correta de 4 anos de atuação em carga horária? Na minha opinião, ainda que fosse possível a substituição do tempo em anos pela carga horária (em horas), o mais sensato seria usar como parâmetro a carga horária integral para Médicos do Trabalho estabelecida pelo item 4.9 da NR-4, ou seja 30h/semana. Por essa conta, 4 anos de atuação equivaleria a 5.760 horas.
Mas mesmo que o item 4.9 da NR-4 fosse desprezado, usando o próprio edital da ANAMT como referência, 3.840 horas é o equivalente a 2 anos de atividade em período integral para um não residente. O dobro disso, portanto, é 7.680 horas, e não 11.520 horas como faz sugerir o edital. Essa carga horária de 11.520 horas seria compatível com cursos de formação em 3 anos via residência médica, o que, não é o caso da Medicina do Trabalho, cujo tempo de residência é de 2 anos.
Dessa forma, caso eu não tenha feito essas contas erradas, ou até mesmo interpretado o edital de forma equivocada (erros para os quais estamos todos sujeitos), acredito ser justa e necessária a retificação do presente edital.
Aguardemos.
Autor: Marcos Henrique Mendanha: Médico do Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP. Perito Judicial / Assistente Técnico junto ao TRT-GO e TRF-GO. Diretor Técnico da ASMETRO – Assesoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda. Autor do livro “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Editor do “Reflexões do Mendanha”, no site www.saudeocupacional.org. Coordenador do Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas (realização anual). Coordenador Geral do CENBRAP – Centro Brasileiro de Pós-Graduações.