16 mar 2017

As clínicas de Medicina do Trabalho também devem ser responsabilizadas por acidentes de trabalho e doenças ocupacionais?

postado em: Coluna do Saulo

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Condenação Solidária das Assessorias de SST em acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais

Cabe esclarecer, inicialmente, que o presente artigo tem natureza jurídica, no campo do Direito Processual do Trabalho, não refletindo necessariamente uma convicção pessoal, mas sim apresentando uma temática atual em debate pelos doutrinadores e jurisprudência.

No Brasil, parcela significativa das empresas delegam a assessorias de Saúde e Segurança do Trabalhador (SST) a execução das normas relativas à SST, visando reduzir os riscos inerentes ao trabalho e prevenir acidentes do trabalho Ae doenças ocupacionais, em vista do art. 157, I da CLT, que dispõe que incumbe às empresas cumprirem as normas de saúde e segurança do trabalhador.

Contudo, e quando ocorrem acidentes do trabalho/doenças ocupacionais e a empresa contratante do empregado vitimado é condenada a pagar indenização, caberia essa reprimenda pecuniária ser suportada somente pelo empregador do acidentado? E a assessoria de SST, ficaria impune?

Em solução a esse cenário, uma tendência vem sendo avigorada na Justiça Federal do Trabalho nas ações que discutem a responsabilidade por acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais: a condenação solidária da assessoria de SST.

A complexidade das relações empresariais vem exigindo a utilização de instrumentos processuais que visem a concretização de um dos objetivos fundamentais dispostos no art. 3° da Lei Maior, que é o da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, reduzindo as desigualdades sociais.

A responsabilidade solidária da assessoria de SST tem amplo embasamento legal. Se extrai da NR-1, item 1.6.1, que a assessoria de SST é solidariamente responsável à empresa que contrata seus serviços, pelos acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais. Na CLT, art. 2°, §2°, se define que todas as empresas têm legitimidade para integrar a lide, devendo responder de forma solidária pelas indenizações. E, no Código Civil, a responsabilidade solidária tem fundamento no artigos 264 e 942, visto que quando a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Ademais, estipula o art. 2° da CLT, que cabe a empresa assumir os riscos da sua atividade econômica.

A responsabilidade solidária é de todos envolvidos da relação jurídica, ou seja, empresa principal e assessoria de SST que possuía contrato de prestação de serviços entre as empresas. A assessoria de SST tendo ciência que poderá ser condenada por acidentes do trabalho ocorridos no estabelecimento empresarial das empresas contratantes, envidará todos esforços para realizar um serviço de qualidade, iniciando da contratação legal de médicos “examinadores”, com reconhecimento do vínculo empregatício, não promovendo a prática do dumping social. A condenação solidária proporcionará uma moralização desse mercado.

Essa tendência processual consiste na atuação do advogado da parte autora, ou o próprio autor pelo jus postulandi, de fazer integrar a assessoria de SST no polo passivo da ação trabalhista, em litisconsórcio, em casos de acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais, para alcançar mais garantias do pagamento do crédito da parte autora, e sob o argumento que é uma violação ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade que a empresa principal suporte desacompanhada uma condenação por acidente do trabalho, diante de que contrata uma assessoria de SST para realização dos exames ocupacionais e implantação de todos programas ocupacionais de prevenção, cabendo também a ela zelar por um meio ambiente do trabalho saudável.

Essa integração na lide gera um litisconsórcio, que é um fenômeno processual pertencente ao elemento subjetivo da relação jurídica processual, no que concerne as partes, em uma pluralidade de sujeitos, com fundamento no art. 113 do CPC, haja vista existir uma comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide. Ocorre, portanto, um litisconsórcio inicial, considerando que é formado a partir da propositura da ação. Renomados juristas consideram que sempre é pertinente litigar em conjunto nas ações de acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais, pois é benéfico para a parte autora, uma vez que haverá o ingresso de outro réu que irá garantir, conjuntamente com seu empregador, o crédito trabalhista que demanda.

Com o processo já em andamento, caso o trabalhador não tenha ingressado contra à consultoria de SST em litisconsórcio facultativo inicial, cabe a empresa ré utilizar-se do instrumento processual do chamamento ao processo, que é uma modalidade de intervenção de terceiros provocada, prevista no art. 130 do CPC, propondo o incidente na contestação. É uma intervenção facultada ao réu para requerer um terceiro responsável solidário pelas obrigações. No entanto, se decidir por não fazer, não fica inviabilizado o direito de regresso, que pode ser promovido futuramente em processo autônomo.

A título elucidativo, é plenamente possível, por parte do Magistrado Federal do Trabalho e do Membro do Ministério Público do Trabalho, apurar a real responsabilidade que a assessoria de SST tem com sua atuação. Para isso, é prova indiciária a constatação como a assessoria trata seus próprios médicos responsáveis pela realização dos exames ocupacionais: os médicos “examinadores”. Uma consultoria de SST que promove fraude trabalhista do não reconhecimento do vínculo empregatício, o direito trabalhista mais comezinho, já demonstra cabalmente que não cumpre à legislação trabalhista nem mesmo em seu próprio estabelecimento, promovendo exames ocupacionais pró-forma para seus contratantes, devendo ser condenada solidariamente por todos os acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais na qual as empresas que contratam seus serviços forem condenadas, suportando os efeitos da indenização, visto ser uma relação jurídica incindível. Não há mais dúvidas que essas assessorias de SST são corresponsáveis pelos índices alarmantes de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais no Brasil, prejudicando a construção de um sistema eficaz de proteção integral da saúde do trabalhador.

É preciso respeitar o art. 10 da Convenção nº 161 da OIT, em vigor no Brasil, que determina que “O pessoal prestador de serviços de saúde no trabalho deverá gozar de independência profissional completa com relação ao empregador […]”. Sem independência, o profissional é transformado em uma mercadoria subserviente aos executivos, inviabilizando uma atuação com plena autonomia, que busque efetivamente atender os fins para que foi previsto. O autor Michel Llory, em sua obra (1999, p. 313) “Acidentes Industriais: o custo do silêncio – operadores privados da palavra e executivos que não podem ser encontrados”, declara que os executivos “[…] estão na origem da concepção dos sistemas, das regras de exploração, das doutrinas de segurança, da formação pessoal […] Ora, a apuração dos acidentes e a reflexão sobre sua origem tropeçam nessa questão fundamental: qual o trabalho dos executivos?”

Assim, enquanto os executivos continuarem a utilizar a força do poder econômico para desvirtuar a verdadeira finalidade que deveria ser das assessorias de SST, de promover um meio ambiente do trabalho saudável, com profissionais com autonomia para tomar decisões que possam inclusive desagradar os interesses patrimoniais dos executivos, os acidentes do trabalho e doenças ocupacionais continuaram a assolar os trabalhadores, o Estado e as empresas.

São inúmeras as vantagens de demandar também em desfavor da assessoria de SST, desde a pedagógica e preventiva de eliminar a impunidade; a fática, de ter mais uma garantia de recebimento do crédito, aos argumentos processuais de economia processual e harmonização de julgados. Ainda, o princípio da comunhão das provas garante que as provas produzidas, com a pericial, possa impactar qualquer um litisconsorte. Conforme o art. 852-I, § 1º da CLT, o juiz deve adotar a decisão que atenda aos fins sociais da lei e as exigências do bem comum. E, é indubitável que o combate a impunidade é um atendimento aos fins sociais e do bem comum.

No que se refere a fixação do valor da condenação, tem inspiração no enunciado n° 51 da Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho, que dispõe que “o valor da condenação por danos morais decorrentes da relação de trabalho será arbitrado pelo juiz de maneira equitativa, a fim de atender ao seu caráter compensatório, pedagógico e preventivo”.

Entrementes, nas sentenças, os magistrados da Justiça Federal do Trabalho, nos termos da Recomendação conjunta n° 02/2011 do TST, já providenciam o envio de uma cópia para a Procuradoria Federal da AGU, para que ingresse com ação regressiva contra as empresas condenadas, inclusive à assessoria de SST, conforme o art. 120 da Lei n° 8.213/91.

É preciso lutar pelo aprimoramento da saúde e segurança do trabalho, não sendo mais aceitável que as assessorias de SST aufiram somente o bônus dos lucros e não suportem o ônus dos acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais, pois essa condição é cara, injusta e desumana. Nesse cenário, a Justiça do Trabalho tem papel essencial, de solucionar os conflitos decorrentes da relação de trabalho e efetivar os direitos fundamentais do trabalho, específicos e de cidadania.

Constata-se que tal fundamentação se firma estritamente em total consonância com determinações constitucionais, a saber: o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III), o valor social do trabalho (art. 1°, IV), a saúde como um direito (art. 196), nele compreendido o meio ambiente do trabalho (art. 200, VIII), da garantia de outros direitos aos trabalhadores que visem à melhoria de sua condição social (art. 7°, caput), o princípio da proibição do retrocesso social e o princípio do progresso social, a valorização do trabalho humano, assegurando a todos uma vida digna, conforme os ditames da justiça social (art.170, caput), e a definição que a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça social (art. 193).

Por fim, fica evidenciado que a incorporação processual da condenação solidária das assessorias de SST em acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais tem verdadeiro potencial de transformar a realidade desse país desigual e injusto, reduzindo radicalmente a quantidade de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais. A condenação da assessoria de SST a pagar indenização, em qualquer de suas modalidades, quais sejam algumas: danos materiais, morais, existenciais, estéticos, pensão mensal, punitive damages, compensatory damages, perda de uma chance, ação regressiva previdenciária etc., apresenta-se como um significativo avanço jurisprudencial e uma via de triunfo para se alcançar a efetiva proteção integral da saúde e segurança dos trabalhadores e a dignidade da pessoa humana, sendo uma tendência processual irreversível e que está sendo vigorosamente estimulada a ser reproduzida por todo o Brasil na edificação do Estado Democrático de Direito.

Autor (a): Saulo Soares – Médico do Trabalho. Advogado. Professor. Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre Magna cum Laude em Direito pela PUC Minas. Especialista em Direito Médico, Direito do Trabalho e Medicina do Trabalho. Autor do livro “Ser Médico ‘examinador’ do Trabalho: subserviência e precarização do jaleco branco – uma abordagem jurídico-científica” (Editora Buqui). Coordenador do livro “Temas Contemporâneos de Direito Público e Privado” (Editora D’Plácido).

Obs.: esse texto é de autoria do respectivo colunista, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

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