Em nosso país, ainda hoje, os indivíduos transgêneros, infelizmente, ainda enfrentam grandes desafios em todas as áreas de sua vida, dentre elas o mercado de trabalho.
Sem a pretensão de adentrar neste vasto e rico assunto, inicialmente, é importante definir, em geral, o que é ser Transgênero. “Trans” vem do latim e significa “do outro lado”, assim sendo, por consequência, é possível afirmar que transgênero é o indivíduo cujo gênero difere do gênero designado em seu nascimento ou imposto pela sociedade.
Verifica-se que seu conceito está relacionado à identidade de gênero, já que diz respeito ao gênero com o qual você se identifica enquanto sujeito. A pessoa pode ser travesti ou transexual, por exemplo, caso se identifique com algum gênero diferente do designado no seu nascimento; e cisgênero se a sua identificação de gênero corresponde ao seu sexo biológico. Ainda, é possível também optar por não se definir a partir de qualquer gênero.
O Brasil não possui legislação específica sobre os transgêneros. No entanto, vem se observando um relativo progresso no reconhecimento de direitos de transgêneros. Através, principalmente, de decisões judiciais e atos administrativos, começam a ser reconhecidos direitos e garantias de indivíduos transgêneros como: o direito a documentos públicos que correspondam ao nome e ao gênero adotados, e o de proteção desta minoria contra a discriminação; violência no emprego e nos serviços públicos.
Tudo se inicia com o nome. Ora, é evidente que a proteção da identidade do trabalhador transexual e travesti é um dos principais pilares de concretização de um ambiente de trabalho saudável. As pessoas devem ser reconhecidas pelo modo como elas se identificam para o outro, bem como devem ser respeitadas como tal.
Assim sendo, é importante esclarecer que o nome social é aquele pelo qual as travestis e os transexuais se identificam e preferem ser identificados, enquanto o seu registro civil não é adequado à sua identidade e expressão de gênero.
Neste ponto, vale destacar o princípio aristotélico de igualdade, segundo o qual se deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.
Há anos, na exposição de motivos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, em seu item nº 27, se previu a importância da carteira profissional como elemento primacial para a manutenção, identificação e qualificação profissional do trabalhador.
Outrossim, um dos exemplos de avanços recentes veio por meio da Portaria Ministerial nº 233/2010, emitida pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que dispõe em seu artigo 1º: “Fica assegurado aos servidores públicos, no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, o uso do nome social adotado por travestis e transexuais.”.
Resta claro que, além da função de identificar e individualizar a pessoa perante a família e a sociedade, o nome é um fator de autodeterminação e repercute nas relações privadas e públicas.
Também é reconhecido pelas redes de ensino o nome social no tratamento oral, sendo usado o nome civil apenas na emissão de documentos oficiais. A decisão faz parte do texto da Resolução n° 12/2015 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais da Secretaria de Direitos Humanos, em seu artigo 2º.
Do mesmo conselho, a Resolução n° 11/2014 determina os parâmetros para a inclusão dos itens “orientação sexual”, “identidade de gênero” e “nome social” nos boletins de ocorrência emitidos pelas autoridades policiais.
Tais avanços tiveram como parâmetro, entre outros, o artigo 5° da Constituição Federal. Esse artigo estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
A Constituição brasileira de 1988 nos expõe, ainda, em art. 3º, IV, que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Adiante, no art. 7º, XXX, proíbe-se a “diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”.
Nesse passo, o artigo 6º do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais prevê: “Os Estados membros do presente Pacto reconhecem o direito ao trabalho, o qual inclui o direito de todos à oportunidade de ganhar seu sustento pelo trabalho, que ele escolhe livremente ou aceita, e tomará as atitudes apropriadas para defender este direito.”
O Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais declarou que o Pacto “proíbe discriminação no acesso e manutenção do emprego baseado na (…) orientação sexual.” É importante ressaltar que esse princípio de não discriminação se aplica a todos os aspectos do direito ao trabalho.
Com esse mesmo intuito foi criado o “Programa Brasil, Gênero e Raça” que tem o seguinte embasamento: “O Programa é um dos principais instrumentos de articulação das políticas de promoção da igualdade de oportunidades no âmbito do Ministério do Trabalho – MTE, bem como de proposição das diretrizes que devem orientar a execução das políticas de combate à discriminação nos estados e municípios brasileiros, por meio das unidades descentralizadas do Ministério.”
Há também outro programa denominado “Brasil sem Homofobia”. Em relação ao mercado de trabalho tal programa visa, dentre vários outros objetivos: “Articular, em parceria com o Ministério Público do Trabalho, a implementação de políticas de combate à discriminação a gays, lésbicas e travestis no ambiente de trabalho; (…)”.
Ainda visando eliminar a discriminação na contratação, temos a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que faz a seguinte afirmação em seu artigo 1º, alínea “a”: “Para os fins desta Convenção, o termo ’discriminação’ compreende: a) toda distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito anular ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão”.
Cumpre destaque também à Lei nº 9.029/95, que nos aduz o seguinte: “É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.”.
O princípio da não discriminação está previsto em diversos diplomas legais, além dos já citados, como: a Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 7º), e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, art. 24) e, também, na própria CLT.
A exposição de motivos da CLT em seu item nº 48 discorre o seguinte: “O que não poderia ser admitido, em uma Consolidação que se propõe a sistematizar os princípios do nosso Direito Social, era a persistência de um singular privilégio para uma categoria de trabalhadores, quando o prestígio das instituições públicas exige exatamente uma igualdade de tratamento para situações sociais idênticas.”.
Vale salientar, ainda, que, na ocorrência de desrespeito à identidade de gênero do empregado, o empregador poderá incorrer no art. 483, alínea e da CLT: “O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;”.
Nesse passo, a Lei n. 9.029/95, prevê em seu art. 4º que “o rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre: I – a readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais; ou II – a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.”.
É possível afirmar que esta minoria, no mercado de trabalho, ainda é dominada pelo preconceito e discriminação, fazendo necessária a intervenção do Estado e de toda a sociedade para promoção da conscientização e cumprimento das leis.
Por fim, reputo importante ressaltar a existência do “Transempregos”, um site com vagas exclusivas para travestis e transexuais.
“Preconceito”, definição dada pelo dicionário Aurélio[1]: Ideia ou conceito formado antecipadamente e sem fundamento sério ou imparcial; 2 – Opinião desfavorável que não é baseada em dados objetivos; 3 – Estado de abusão, de cegueira moral; 4 – Superstição. Repense o(s) seu(s).
Nas belas palavras do grande líder Nelson Mandela: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar.”.
Autor (a): Elisa Zafalão – Advogada, graduada pela Universidade Federal de Goiás – UFG e Pós-Graduanda em Direito Público pela Instituição Damásio Educacional, atuante nas áreas Cível e Administrativo. Email: elisazafalao@gmail.com.
A advogada Elisa Zafalão escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna da Zafalão”.