06 maio 2017

Ilegalidade da NR-4 (não “a nova”… é a velha mesmo!)

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Prezados leitores.

Assim coloca o atual item 4.4 da NR-4:

“4.4. Os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho devem ser compostos por Médico do Trabalho, Engenheiro de Segurança do Trabalho, Técnico de Segurança do Trabalho, Enfermeiro do Trabalho e Auxiliar ou Técnico em Enfermagem do Trabalho, obedecido o Quadro II desta NR.” (grifo meu)

No entanto, especialmente em relação ao “Médico do Trabalho”, é possível observar uma afronta deste item da NR-4 à Lei 3.268/1957, que assim ensina em seu artigo 17:

“Art. 17. Os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.” (grifo meu)

Conforme o texto legal colocado acima, qualquer médico pode exercer a Medicina em qualquer de seus ramos ou especialidades. Tal entendimento é pacificado, inclusive, pelo próprio Conselho Federal de Medicina (CFM), nos termos dos pareceres a seguir:

– Parecer CFM n. 08/1996: “Nenhum especialista possui exclusividade na realização de qualquer ato médico. O título de especialista é apenas um presuntivo de ‘plus’ de conhecimento em uma determinada área da ciência médica”. (grifo meu)

– Parecer CFM n. 17/2004: “Os Conselhos Regionais de Medicina não exigem que um médico seja especialista para trabalhar em qualquer ramo da Medicina, podendo exercê-la em sua plenitude nas mais diversas áreas, desde que se responsabilize por seus atos (…).” (grifo meu)

– Parecer CFM n. 21/2010: “O médico devidamente inscrito no Conselho Regional de Medicina está apto ao exercício legal da medicina, em qualquer de seus ramos; no entanto, só é lícito o anúncio de especialidade médica àquele que registrou seu título de especialista no Conselho.” (grifo meu)

– Parecer CFM n. 06/2016: “O médico regularmente inscrito no CRM está legalmente autorizado para exercer a medicina em sua plenitude, assumindo a responsabilidade dos atos médicos que pratica.” (grifo meu)

– Parecer CFM n. 09/2016: “O médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina (CRM) da jurisdição na qual atua está apto a exercer a profissão em toda sua plenitude, sendo impedido apenas de anunciar especialidade sem o registro do respectivo título no CRM.” (grifo meu)

Assim, restringir a atuação médica no que tange as atividades junto aos SESMTs somente aos “Médicos do Trabalho” (com pós-graduação ou título de especialista ou residência em Medicina do Trabalho, ou qualquer outra exigência além de apenas “ser médico”) configura-se uma flagrante e arrastada ilegalidade. Isto porque, em alinho com a Lei 3.268/1957 e relativos pareceres do CFM, qualquer médico (apenas por ser médico!) pode exercer a medicina, em sua plenitude e em todas as especialidades, inclusive na Medicina do Trabalho.

Percebam a incoerência quando comparamos com outras especialidades: não se exige ser um cardiologista para que qualquer médico prescreva um anti-hipertensivo. Também não se exige ser um psiquiatra para prescrição de um antidepressivo. Por que se exigir então que um médico, para assinar um PCMSO, tenha que ter ou pós-graduação, ou título de especialista, ou residência em Medicina do Trabalho, ou qualquer outra exigência além de apenas “ser médico”? Seria a Medicina do Trabalho tão diferente das outras especialidades? Claro que não. E vale lembrar que o conteúdo de uma NR não pode se sobrepor ao conteúdo de uma lei federal em contrário, sobretudo quando essa lei é mais específica quanto ao tema em análise e o aborda de forma clara e objetiva, como é o caso da Lei 3.268/1957.

Assim, o item 4.4 da NR-4 estaria em conformidade com a Lei 3.268/1957 se estivesse escrito, por exemplo, da seguinte forma:

“4.4. Os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho devem ser compostos por Médico (preferencialmente especialista em Medicina do Trabalho), Engenheiro de Segurança do Trabalho, Técnico de Segurança do Trabalho, Enfermeiro do Trabalho e Auxiliar ou Técnico em Enfermagem do Trabalho, obedecido o Quadro II desta NR.” (grifo meu)

Importante salientar que a Portaria MTE n. 2018/2014 não solucionará a ilegalidade aludida nesse texto à partir de 25/12/2018 (data prevista para que Portaria MTE n. 590/2014 – “nova NR-4” – entre em vigor), uma vez que não alterará o item 4.4 da NR-4, mas apenas o item 4.4.1 da NR-4.

Reflitamos com verdade (mesmo em tempos de “pós-verdades”).

Como sempre, estejam à vontade para os bons (e preferencialmente embasados) contraditórios.

Autor: Marcos Henrique Mendanha: Médico do Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP. Perito Judicial / Assistente Técnico junto ao TRT-GO e TRF-GO. Diretor Técnico da ASMETRO – Assesoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda. Autor do livro “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Editor do “Reflexões do Mendanha”, no site www.saudeocupacional.org. Coordenador do Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas (realização anual). Coordenador Geral do CENBRAP – Centro Brasileiro de Pós-Graduações.

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista Marcos Henrique Mendanha, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

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