I – Considerações iniciais
Ao viajar por todo o Brasil ministrando cursos em “Legislação do Trabalho” para médicos sempre sou interrogado com esta questão que intitula o artigo. O médico assistencialista do SUS pode (ou deve) preencher a CAT? Trata-se de tema inquietante para muitos profissionais que atendem em nível ambulatorial da atenção primária e plantonistas de UPA’s (Unidades de Pronto Atendimento) e pronto-socorros. Muitos têm receio de preencher o documento, ficam inseguros acerca das repercussões legais da emissão da CAT. Pois bem. Enfrentemos a questão. A resposta é sim!
O dispositivo que ampara o médico do SUS encontra-se em nossa Constituição Federal, artigo 200, incisos II e VIII, CR/88:
“Art. 200 – Ao SUS compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
II – executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;
VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.” (Grifo nosso)
Em nível infraconstitucional, o normativo que regulamenta o SUS, lei 8.080/90, em seu artigo 6º, I, melhor esclarece:
“Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):
I – a execução de ações: (c) de saúde do trabalhador”
“Art. 6, § 3º: Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo: I – assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho. (Grifo nosso)
Portanto, o §3º inclui o preenchimento do campo “atestado médico” da CAT, em consonância com os princípios do SUS: integralidade e universalidade.
Assim, na ausência dos médicos das empresas, os médicos do SUS estão obrigados a preencher o campo “atestado médico” da CAT, ou fornecer ao trabalhador um atestado correspondente, quando requisitados de forma pertinente.
II – Preenchimento do Quadro “2” da CAT – ATESTADO MÉDICO
Qualquer médico pode fazer! Ressalta-se, ainda que o atestado preenchido pelo médico assistente tem o mesmo valor do quadro “atestado médico” da CAT preenchido. Desde 2007, com o advento do NTEP, a CAT não é mais condição indispensável para concessão do auxílio-doença acidentário. Como as CAT’s eram (e ainda são) muito subnotificadas, abriu-se essa possibilidade. O embasamento legal que corrobora que este entendimento está na Instrução Normativa nº 45/2010 do INSS, artigo 357, § 3º, que informa que o atestado médico original exarado pelo médico supre a ausência de preenchimento do quadro “2” do formulário CAT, caso seja anexado ao mesmo:
§ 3º Para fins de cadastramento da CAT, caso o campo atestado médico do formulário desta não esteja preenchido e assinado pelo médico assistente, deverá ser apresentado atestado médico original, desde que nele conste a devida descrição do atendimento realizado ao acidentado do trabalho, inclusive o diagnóstico com o CID, e o período provável para o tratamento, contendo assinatura, o número do Conselho Regional de Medicina, data e carimbo do profissional médico, seja particular, de convênio ou do SUS. (Grifo nosso)
Esta Instrução Normativa previdenciária utiliza o termo “médico assistente”, expressão genérica, ou seja, qualquer profissional que atenda o paciente.
III – O que o Conselho Federal de Medicina informa acerca do preenchimento da CAT
A Resolução 1.488 do CFM informa em seu artigo 3º:
“Art. 3° – Aos médicos que trabalham em empresas, independentemente de sua especialidade, é atribuição:
IV – Promover a emissão de CAT, ou outro documento que comprove o evento infortunístico, sempre que houver acidente ou moléstia causada pelo trabalho. Essa emissão deve ser feita até mesmo na suspeita de nexo causal da doença com o trabalho. Deve ser fornecida cópia dessa documentação ao trabalhador” (Grifo nosso)
Por isso, esse médico (assim como a empresa) tem obrigação de emitir (e não apenas preencher o campo “atestado médico” da CAT), quando for o caso.
IV – Quem é responsável pelo preenchimento da CAT?
Quem pode abrir a CAT?
A Instrução Normativa do INSS, IN 45/2010, informa: O emitente da CAT PODE SER: a empresa, o segurado, o médico, o sindicato, etc., conforme o art. 359, in verbis:
Art. 359. A empresa deverá comunicar o acidente ocorrido com o segurado empregado, exceto o doméstico, e o trabalhador avulso até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa aplicada e cobrada na forma do art. 286 do RPS.
§ 1º Na falta de comunicação por parte da empresa, podem formalizá-la o próprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública, não prevalecendo nestes casos o prazo previsto no caput.
§ 2º Para efeito do disposto no § 1º deste artigo, consideram-se autoridades públicas reconhecidas para tal finalidade os magistrados em geral, os membros do Ministério Público e dos Serviços Jurídicos da União e dos estados, os comandantes de unidades militares do Exército, da Marinha, da Aeronáutica e das Forças Auxiliares (Corpo de Bombeiros e Polícia Militar), prefeitos, delegados de polícia, diretores de hospitais e de asilos oficiais e servidores da administração direta e indireta federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal, quando investidos de função.
§ 3º A CAT entregue fora do prazo estabelecido no caput e anteriormente ao início de qualquer procedimento administrativo ou de medida de fiscalização, exclui a multa prevista no caput.
§ 4º A CAT formalizada nos termos do § 1º deste artigo, não exclui a multa prevista no caput. (Grifo nosso)
Todavia, somente a empresa é penalizada caso não emita a CAT (art. 359, caput).
O médico do trabalho / “médico examinador” age como se empresa fosse (Art. 932, inc. III, Código Civil).
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
(…)
III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
Do emitente da CAT espera-se: verdade quanto às informações do acidente de trabalho (supostamente) ocorrido, e suas circunstâncias; envio das 4 vias aos seus destinatários: INSS, segurado, sindicato e empresa (art. 357), in verbis:
Art. 357. A CAT deverá ser preenchida com todos os dados informados nos seus respectivos campos, em quatro vias, com a seguinte destinação:
I – primeira via: ao INSS;
II – segunda via: ao segurado ou dependente;
III – terceira via: ao sindicato dos trabalhadores; e
IV – quarta via: à empresa.
V – Considerações finais
A CAT é um documento que pode ser aberta por diversos atores sociais, todavia o quadro 2 – “Atestado Médico” deverá ser exclusivamente por médico, independentemente de sua especialidade ou vinculação a um sistema de saúde.
Autor (a): Rodrigo Tadeu de Puy e Souza – Médico. Advogado. Pós-Graduado em Medicina do Trabalho. Mestre pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: rodrigodepuy@yahoo.com. Site: www.pimentaportoecoelho.com.br
O doutor Rodrigo Tadeu de Puy e Souza escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Puy”.