15 ago 2017

NTEP – Ineficiência do Estado a serviço dele mesmo

postado em: Coluna do Opitz

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Após mais de uma década que o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário vem sendo utilizado pelo INSS qual a sua eficácia, além de arrecadatória? Houve diminuição do número de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais? As empresas passaram a investir mais em SST? Não conseguimos vislumbrar nenhuma efetividade do NTEP além da fome arrecadatória do Estado.

Seriam duas as justificativas para a adoção do NTEP:

1. As empresas sonegam emissões de CAT, por isso precisamos de uma ferramenta que identifique a relação entre determinada doença e determinado trabalho;

2. Precisamos punir empresas que não investem em SST através do FAP, sendo o NTEP uma ferramenta para o estabelecimento do nexo causal.

Ocorre que o NTEP parte de uma premissa errada: trata a medicina como sendo uma ciência exata. Todos os profissionais da área de saúde sabem que em medicina nem sempre dois mais dois são quatro. A epidemiologia é uma ferramenta auxiliar no estabelecimento do nexo causal, não podendo ser utilizada como panaceia. Atribuir a epidemiologia papel central no estabelecimento do nexo causal é um equívoco grave, principalmente quando a fonte de dados parte apenas de amostra da própria Previdencia Social.

Neste sentido houve uma inversão do ônus da prova, cabendo a empresa provar que a doença não possui relação com o trabalho quando da aplicação do NTEP. Ocorre que nem sempre existem formas de comprovação de que a doença não ocorreu no trabalho.

É fácil perceber isso, basta pensarmos em casos práticos. Pelo NTEP, em sua lista C do Decreto 3048/99, existe relação causal entre dependência química, entre elas o alcoolismo, e construção civil. Aqui devemos perguntar: é fresquinho porque vende mais ou vende mais porque é fresquinho? Ou seja, ele é alcoólatra porque trabalha na construção civil ou foi trabalhar na construção civil porque era alcoólatra? Qual é a causa e qual é a conseqüência?

Independente da causa ou consequência, estatisticamente haverá uma maior concessão de benefícios por alcoolismo na construção civil. Então, epidemiologicamente existe relação causal?  Fica claro que o uso da epidemiologia não pode ser a panaceia do nexo causal, trata-se de ferramenta auxiliar.

Ocorre que o INSS adotou o NTEP como peça central do estabelecimento do nexo causal, algo a meu ver equivocado. Muitos argumentam: mas a empresa pode recorrer da aplicação do NTEP! Imaginemos o exemplo que citei, alcoolismo e construção civil. Como a empresa comprovará que esta doença era prévia ao contrato de trabalho ou ainda que ocorreu durante o mesmo, não se relaciona a ele? Alguém acha que o trabalhador no exame admissional irá informar ao médico que é alcoólatra? Só quem nunca fez exames ocupacionais ou desconhece a natureza humana irá afirmar que o trabalhador informará  isto ao médico. Nada mais natural, até mesmo eu, provavelmente, não informaria isto no exame admissional.

O trabalhador quer o emprego, muitas vezes está desesperado, então não irá contar ao médico no exame admissional algo que ele entenda que possa ser um empecilho a sua admissão na empresa.  Não há como culparmos os trabalhadores, mas também não posso concordar que está doença seja posteriormente atribuído a empresa através de uma ferramenta absurda criada com base em premissas totalmente equivocadas. Imputar a empresa o ônus de prova neste caso é algo que beira o absurdo!

Sem contar a demora no julgamento dos recursos interpostos contra a aplicação do NTEP. Sem contar ramos de atividade econômica que foram excluídos, curiosamente, da lista C do Decreto 3048/99, ou seja, excluídos do NTEP. Decisão técnica ou política?

“Então você está propondo que as empresas sejam beneficiadas retirando direito dos trabalhadores que sofrem agravos de saúde relacionados ao trabalho?” De maneira alguma! Entendo que já passou da hora do Estado impor políticas públicas de conscientização e fiscalização sobre o cumprimento das normas de SST, além do INSS realizar vistorias nos locais de trabalho para o estabelecimento ou não do nexo causal. A legislação já traz está possibilidade, mas na pratica não verificamos isto ocorrer. Ao fazer vistoria no local de trabalho, em casos que o perito suspeite do nexo causal, é possível que seja estabelecido o nexo técnico de forma precisa e individualizada, analisando o caso profundamente e de forma técnica.

Cada caso é um caso, generalizações tendem a cometer injustiças. Isto impede que seja estabelecido nexo causal em casos que não há relação causal, assim como permite estabelecer o nexo em situações não previstas no NTEP. Presunção de nexo causal, como é o caso do NTEP, não pode ser aceita.

Devemos lembrar que o NTEP é uma via de dupla mão, assim como caracteriza nexo causal baseado em epidemiologia, deixa de caracterizar também apenas por não haver estatísticas sobre a doença, que muitas vezes pode estar relacionada ao trabalho. Quantas doenças e ramos de atividade econômica não estão contempladas pelo NTEP e podem ter nexo causal?

Colocar como peça central a epidemiologia para o estabelecimento do nexo causal é um absurdo técnico, transferindo ao particular com a inversão do ônus da prova uma obrigação do Estado, o que, aliás, já estamos acostumados como brasileiros. Trata-se de um erro metodológico institucionalizado pelo INSS.

Vale lembrar que o perito médico do INSS não está vinculado ao NTEP para estabelecer ou não o nexo causal, contudo sabemos que muitas vezes esta é a única ferramenta que o perito dispõe para tomar sua decisão, o que acaba fazendo com que ele utilize este critério como principal. Basta ler os laudos periciais do INSS para constatarmos isso.

E a culpa, neste caso, não é do perito médico, mas sim de um sistema criado pelo Estado para claramente aumentar sua arrecadação. Mais caracterização de acidentes de trabalho, maior a alíquota do SAT/RAT, mais ações regressivas contra as empresas… Alguém é inocente ao ponto de acreditar que isto foi criado pensando na saúde e segurança do trabalhador? É notório que o único objetivo é aumentar a arrecadação.

Mas qual a solução? O Estado criar equipes profissionais e outras ferramentas para o estabelecimento do nexo causal entre doença e trabalho, realizar fiscalizações nas empresas quanto ao cumprimento das normas de SST e parar de atribuir ao particular sua responsabilidade. O NTEP não cumpre o papel para o qual se divulga, pretensamente punir as empresas e fazer elas investirem em SST, servindo apenas para aumento de arrecadação do Estado. Já passou da hora disso ser revisto e evoluirmos em relação ao estabelecimento do nexo causal entre doenças e trabalho no âmbito do INSS.

“Para um homem ou para uma nação, o descontentamento é o primeiro passo para o progresso.” (Oscar Wilde)

Autor (a): Dr. João Baptista Opitz Neto – Médico do Trabalho; Mestre em Bioética e Biodireito pela UMSA/AR; Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas; Especialista em Ergonomia; Perito Judicial / Assistente Técnico nas áreas trabalhista, cível e previdenciária. Autor do livro "Perícia Médica no Direito" (Editora Rideel); Colunista do portal SaudeOcupacional.org; Professor e Palestrante nas área de Pericia Médica, Medicina do Trabalho e Meio Ambiente do Trabalho; Diretor do Instituto Paulista de Higiene, Medicina Forense e do Trabalho.

O Dr. João Baptista Opitz Neto escreve periodicamente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Opitz”.

Obs.: o texto acima é de autoria do colunista João Baptista Opitz Neto, e não reflete a opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

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