16 out 2017

Exame toxicológico de motoristas – Insegurança jurídica

postado em: Coluna do Opitz

Nenhum comentário.

Vemos notícias diariamente sobre os exames toxicológicos em motoristas, principalmente após a Portaria MTB 945 de 01/08/2017 que trouxe as instruções sobre o envio das informações através do CAGED.

Agora as empresas começam a se preocupar em realizar estes exames, ainda mais com a proximidade de vigência do E-Social para todas as empresas a partir de janeiro de 2018, onde certamente será cobrada estas informações.

Mas, quais as consequências destes exames para as empresas e para os trabalhadores?

Não vejo discussões neste sentido, o que me deixa assustado.

No final de 2015, o Ministério do Trabalho publicou uma portaria sobre o tema, Portaria MTPS 116/2015, que para nosso espanto e indignação trazia a seguinte redação:

“3.1. Os exames toxicológicos não devem:

a) ser parte integrantes do PCMSO;

b) constar de atestados de saúde ocupacional;

c) estar vinculados à definição de aptidão do trabalhador.”

Ou seja, o exame toxicológico para motoristas não está integrado ao PCMSO, NR-07, sendo uma exigência a parte que as empresas devem cumprir, sem que isto interfira na gestão da saúde ocupacional de seus colaboradores.

Apesar disto constar na portaria do Ministério do Trabalho, será que na prática de fato isto ocorrerá? A legislação vigente permite que as empresas não façam nada diante da informação de que um colaborador seu está doente?

E algumas situações me fazem duvidar que está regulamentação do Ministério do Trabalho, a meu ver equivocada, irá ser eficaz.

A celeuma está posta!

Imaginemos uma situação hipotética onde o trabalhador realiza o exame admissional para motorista, é considerado apto, mas o exame toxicológico testa positivo. A empresa que demitir este funcionário poderá ser processada pelo trabalhador sob a alegação de que o demitiu por ele ser doente, dependente químico, sendo esta dispensa discriminatória? Qual será o entendimento da Justiça do Trabalho?

O trabalhador que testar positivo no exame demissional, comprovando que se trata de um dependente químico, poderá ser demitido? Mas ele não estava doente no momento da demissão? Não deveria ser encaminhado para tratamento? Isto tudo não poderá ser discutido na Justiça do Trabalho? Trata-se de dispensa discriminatória?

A empresa ciente de que o individuo é dependente químico não deve impedir que o trabalhador dirija uma carreta, por exemplo, colocando em risco a vida de pessoas e dele mesmo? E se não fizer nada, não estará se omitindo na proteção a integridade física de seu funcionário e de toda a população?

E o médico do trabalho, como fica nesta situação? Deve ou não atuar para a preservação da integridade física do trabalhador? Mas se ele não pode usar o resultado do exame para definir a aptidão para o trabalho, fará como?

Qual será a responsabilidade do medico do trabalho e da empresa que, sabendo que o trabalhador é dependente químico, se omitiu e nada fez?

Um motorista dependente químico não tem prejuízo de sua capacidade laboral?

Afinal, para que serve este exame toxicológico?

Ainda não encontrei uma resposta razoável!

Já ouvi e li que se trata de um exame para garantir a segurança no trânsito, por isso não deve ser parte integrante do PCMSO.

Ótimo, então me expliquem como este indivíduo dependente químico será afastado de sua função, garantindo a segurança no transito, se o teste positivo não pode ser usado para a definição da aptidão do trabalhador?

Basta um pouco de bom senso para perceber que a Portaria MTPS 116/2015 simplesmente acabou com qualquer razão para se realizar este exame toxicológico. Se ele não define quem pode ou não dirigir, para que é realizado?

Ao afirmar que o exame não pode ser utilizado na definição da aptidão do trabalhador, a exigência do referido teste perdeu a razão de ser.

Trata-se de letra-morta!

Como vocês podem notar, são muitas perguntas sem respostas.

Mas o mais assustador é observarmos que ninguém está discutindo realmente estas questões, que certamente irão acabar no Judiciário Trabalhista, que terá certamente muitas demandas neste sentido.

Estamos criando novamente uma situação de total insegurança jurídica, pois ninguém sabe qual será o entendimento de nossos tribunais, o que não permite as empresas saber como devem se comportar.

Este é um dos principais problemas que enfrentamos em nosso dia-a-dia no Brasil, a insegurança jurídica nas relações de trabalho.

Temos a clara sensação, acho que uma certeza mesmo, que aqueles que legislam estão tão distantes da realidade dos brasileiros que ignoram os anseios sociais e vivem em um país a parte.

Sem contar a questão do sigilo médico, uma vez que o empregado é obrigado a entregar para seu empregador um relatório, assinado por um médico revisor, informando se o teste foi positivo ou não. É isto que está na Portaria MTPS 116/2015.

Entendo que ainda debateremos muito sobre este tema, sendo que o judiciário certamente será instado a se manifestar.

Só espero que não demore muito, uma vez que enquanto não houver entendimento firmado as empresas continuaram sem saber como agir ou agindo no escuro.

“Maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado!” (Rui Barbosa)

Autor: Dr. João Baptista Opitz Neto – Médico do Trabalho, Mestre em Bioética e Biodireito pela UMSA/AR; Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas; Especialista em Ergonomia; Perito Judicial / Assistente Técnico nas áreas trabalhista, cível e previdenciária. Autor do livro “Perícia Médica no Direito” (Editora Rideel); Colunista do portal SaudeOcupacional.org; Professor e Palestrante nas área de Pericia Médica, Medicina do Trabalho e Meio Ambiente do Trabalho; Diretor do Instituto Paulista de Higiene, Medicina Forense e do Trabalho.

O Dr. João Baptista Opitz Neto escreve periodicamente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Opitz”.

Obs.: o texto acima é de autoria do colunista João Baptista Opitz Neto, e não reflete a opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

Assine a newsletter
saudeocupacional.org

Receba o conteúdo em primeira mão.