Prezados leitores.
Considerada uma inovação positiva por muitos juristas, o CPC 2015 trouxe ao universo jurídico a chamada “perícia simplificada” ou “prova técnica simplificada”, descrita nos parágrafos 2, 3 e 4 do art. 464 da referida norma legal, vejamos:
§ 2. De ofício ou a requerimento das partes, o juiz poderá, em substituição à perícia, determinar a produção de prova técnica simplificada, quando o ponto controvertido for de menor complexidade.
§ 3. A prova técnica simplificada consistirá apenas na inquirição de especialista, pelo juiz, sobre ponto controvertido da causa que demande especial conhecimento científico ou técnico.
§ 4. Durante a arguição, o especialista, que deverá ter formação acadêmica específica na área objeto de seu depoimento, poderá valer-se de qualquer recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens com o fim de esclarecer os pontos controvertidos da causa. (Percebam que aqui “pontos controvertidos” foi escrito no plural, o que sugere que o juiz poderá fazer várias perguntas sobre tais pontos a fim de esclarece-los – nota do autor.)
Entre as vantagens assinaladas da “perícia simplificada” sublinho a maior celeridade processual resultante, algo sempre e cada vez mais bem-vindo.
Mas diante das repercussões negativas da reforma trabalhista sobre os honorários periciais na Justiça do Trabalho (escrevi sobre isso recentemente, leia AQUI), a chamada “perícia simplificada” ou “prova técnica simplificada” pode ganhar um novo e perigoso objetivo. Qual? O de fazer com que os magistrados enquadrem cada vez mais trabalhos periciais dentro do grupo das “perícias simplificadas” com o intuito de:
a) evitar que haja atraso e morosidade processual (já que o CNJ cobra, avalia e até pune os juízes por esse critério);
b) fazer com que os baixos honorários propostos pela Resolução CSJT n. 66/2010 pareçam justos aos peritos, sob o argumento de que “a perícia é simplificada”.
Num contexto de cobrança social e do CNJ pela produtividade dos magistrados, fica simples entender a lógica desse risco. O raciocínio é o seguinte: como o perito recebe um honorário baixo, pouco estimulante, por que não incentivá-lo a fazer uma “perícia simplificada”, apenas respondendo algumas perguntas do juiz sobre determinada matéria? O juiz então abriria mão de uma maior profundidade do trabalho pericial em prol da continuidade e celeridade dos processos. Bom pro juiz!
O perito, por sua vez, economizaria mais tempo por cada trabalho pericial, já que a “perícia simplificada” assim permite. De forma cada vez mais sintética, preferindo a conclusão e as respostas aos quesitos formulados em detrimento a apurada investigação/fundamentação, o perito passaria a ganhar mais pela quantidade do que pela profundidade de seu trabalho. Financeiramente, pode sair ganhando o perito! Ou seja, “macabramente, magistrados e peritos podem ser beneficiados”.
Essa análise pode soar improvável para alguns e até delirante para outros. Mas por que acredito que esse risco existe? Pois o CPC 2015 estabelece apenas que a “perícia simplificada” deve ser realizada “quando o ponto controvertido for de menor complexidade”. Mas qual seria o conceito de “ponto controvertido de menor complexidade”? Seria aquele que não fosse necessário realizar uma avaliação quantitativa dos riscos ambientais na caracterização de uma insalubridade, por exemplo? Ou seria o equivalente a fazer uma perícia com base apenas na avaliação documental do processo, o que chamamos de “perícia indireta”?
Enfim, o fato é que o CPC 2015 não definiu com exatidão o que seria um “ponto controvertido de menor complexidade”, deixando essa análise à critério do magistrado, que pouco (ou nenhuma) expertise possui para tal fim. Assim, pela norma legal, hoje, não há limites precisos para demarcar quando o magistrado deve optar por uma “perícia convencional” (aqui me referindo às perícias “não simplificáveis”, de maior complexidade) em detrimento a uma “perícia simplificada”, e vice-versa.
Dentro dessa grande margem de possibilidades interpretativas, vale como sugestão, mesmo reconhecendo que “cada caso é um caso”, que as entidades representativas dos peritos, através de expedientes próprios e públicos, estabeleçam com a maior clareza e embasamento técnico possíveis, quais matérias poderiam ser objetos de uma “perícia convencional” e quais poderiam ser avaliadas mediante uma “perícia simplificada”. E que orientem os peritos a seguirem tais orientações. Além disso, que tais documentos sejam convalidados pelo Judiciário Trabalhista o quanto antes possível, sob pena de tentarem (os juízes), cada vez mais, simplificar análises periciais “insimplificáveis”, ferindo gravemente, e de forma genérica, a qualidade e a necessária “perícia convencional”.
Pelo bem da qualidade das perícias e da verdade processual, reflitamos… e ajamos!
À vontade para os comentários (alinhados ou contraditórios).
Autor: Marcos Henrique Mendanha: Médico do Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito e Processo do Trabalho. Perito Judicial / Assistente Técnico junto ao TRT-GO e TRF-GO. Diretor Técnico da ASMETRO – Assessoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda. Autor do livro “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Coordenador do Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas (realização anual). Coordenador Geral do CENBRAP – Centro Brasileiro de Pós-Graduações. Colunista da Revista PROTEÇÃO.
Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista Marcos Henrique Mendanha, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.
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