27 dez 2017

Um dos grandes dilemas da Medicina do Trabalho

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Prezados leitores.

Diferente de outras especialidades médicas, a Medicina do Trabalho se faz dentro de um de seus grandes dilemas. Além das muitas atribuições e conhecimentos transdisciplinares, o Médico do Trabalho ainda deve ser capaz de unir em si dois qualificativos quase sempre inconciliáveis: subordinação e autonomia.

Por que o Médico do Trabalho deve ser subordinado e a quem ele deve se subordinar? Os Médicos do Trabalho que atuam em SESMTs, em regra, são contratados diretos das empresas, ou seja, são empregados (e subordinados a elas) nos termos do vigente art. 3 da CLT, que assim expressa:

“Art. 3 – Considera-se empregado toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”

Observamos que o “empregado” (nos termos legais) deve ser: pessoa física, prestadora de serviços habituais (não eventuais), oneroso (ou seja, recebe salário) e dependente do empregador. Ser dependente, segundo a doutrina jurídica, equivale a ser subordinado. Sim! Os empregados não possuem autonomia, por exemplo, para fazer o próprio horário, para trabalhar apenas nos dias desejados, para executar somente as tarefas preferidas. Ao contrário, os empregados devem cumprir aquilo que o empregador determinar, e na forma como ele estabelecer. Portanto, os empregados são subordinados ao empregador.

O patrão pode (e deve) estabelecer aquilo que deve ser feito pelos empregados, desde que todas as ordens sejam pautadas dentro da licitude, da legalidade.

Do ponto de vista jurídico, a principal distinção que se faz entre o “empregado” e o “trabalhador autônomo” é que este último é independente, ou seja, não é subordinado a ninguém. Não é possível, portanto, que o mesmo indivíduo seja “empregado” e “trabalhador autônomo” ao mesmo tempo, já que o conceito legal de um, exclui o conceito legal do outro.

Fora das regras da lei, no entanto, há outras análises. Por exemplo, o Médico do Trabalho (como qualquer outro médico) se submete às regras constantes no Código de Ética Médica, que assim coloca entre seus Princípios Fundamentais:

“VII – O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.”

Observamos que o exercício da medicina com autonomia é um dos pilares, um dos princípios fundamentais da profissão médica.

Eis um dos grandes dilemas da Medicina do Trabalho: como um Médico do Trabalho (que trabalha num SESMT), como contratado direto e empregado de uma empresa, consegue ser, ao mesmo tempo, subordinado e autônomo? Não seriam esses dois adjetivos inconciliáveis?

Minha resposta: do ponto de vista jurídico, sim, um “empregado” (subordinado) não pode ser ao mesmo tempo um “trabalhador autônomo” (que não tem subordinação). Mas conceitualmente e analisando para além das rígidas regras da lei, é possível sim, embora, por vezes, seja dificílimo fazer a conciliação da subordinação com a autonomia.

Explico. A autonomia descrita no Código de Ética Médica não visa proibir que um médico seja empregado (subordinado) de um empregador. A aludida autonomia é no sentido de que médico não aceite interferências em suas condutas profissionais.

Por exemplo: quando um Médico do Trabalho é obrigado (e aceita, ou seja, subordina-se) trabalhar 3 horas por dia, de 9h às 12h, de segunda a sexta, em uma determinada empresa, isso não afronta a autonomia prescrita no Código de Ética Médica. Ao contrário: houve um acordo bilateral (Médico do Trabalho e empresa), pautado em regras lícitas, nos termos do art. 3 da CLT. O Médico do Trabalho então torna-se empregado (subordinado) do empregador, nos termos legais.

No entanto, se no exercício do seu labor, o Médico do Trabalho for coagido pelo empregador a, por exemplo, revelar matéria resguardada por sigilo profissional, ou atribuir “apto” num exame demissional para algum trabalhador que esteja “inapto”, tais situações sim afrontariam a autonomia descrita no Código de Ética Médica. Nesses casos, o Médico do Trabalho deveria se impor e cumprir o seu ofício de forma ética, mesmo sabendo que algumas retaliações (inclusive a demissão) são possíveis.

Na teoria tudo é muito simples. Na prática é que a coisa se complica.

Em suma, os Médicos do Trabalho, para que sejam éticos e se mantenham em seus empregos, além de todo o conhecimento médico e transdisciplinar que precisam ter, devem possuir também um baita “jogo de cintura” e uma boa habilidade política. O tempo do Médico do Trabalho “asista” (que apenas emite o ASO) acabou.

Talvez, uma das grandes virtudes do Médico do Trabalho, em tempos de capitalismo selvagem, implantação do e-Social e reforma trabalhista, seja saber dizer “não” sem parecer insubordinado, e se impor sem parecer ofensivo. É preciso desenvoltura no trato e muito conhecimento técnico. Enfim, os Médicos do Trabalho precisam ser subordinados e autônomos ao mesmo tempo. Meus sinceros parabéns a todos que conseguem!

Autor: Marcos Henrique Mendanha: Médico do Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito e Processo do Trabalho. Perito Judicial / Assistente Técnico junto ao TRT-GO e TRF-GO. Diretor Técnico da ASMETRO – Assessoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda. Autor do livro “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Coordenador do Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas (realização anual). Coordenador Geral do CENBRAP – Centro Brasileiro de Pós-Graduações. Colunista da Revista PROTEÇÃO.

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista Marcos Henrique Mendanha, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

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