A tem o poder de designar B ou C para trabalhar contigo.
A é um poderoso agente público, melhor não me atritar com ele.
B sou eu.
C estudou menos que eu, é um criminoso, faz coisas que a lei não permite.
As vezes, é A quem determina e/ou recomenda C cometer o crime. Logo, A, como mandante, também é criminoso. E comete pelo menos dois crimes tipificados no Código Penal quando autoriza C fazer o que a lei não lhe permite: o de prevaricação (art. 319, CP) e o de condescendência criminosa (art. 320, CP). E faz isso há muito tempo, de forma reincidente e escancarada.
Sei que A é criminoso, mas é também o único que tem o poder de me designar para trabalhar com ele. E prezo por essa designação.
Se muitas vezes estou indisponível, C é mais barato e mais farto no mercado, e A é cobrado e punido pelos seus superiores quando seu ofício não anda, nada disso é problema meu. Se existem muitas cidades onde membros de minha família não querem auxiliar A por questões financeiras mais do que justificáveis, isso também não me importa quando o assunto é a luta contra C.
Nesse xadrez, para que A me nomeie exclusivamente como seu auxiliar, independente de me ter de forma alcançável, há anos que denuncio o crime de C, ao mesmo tempo em que poupo A. Sim! Faço visitas para A, tiro fotos com A, faço questão de que A esteja nos eventos de minha família, mesmo sabendo que A é um criminoso contumaz e historicamente nunca se empenhou pelas minhas causas.
Faço como Cazuza: “digo ‘alô’ ao inimigo, encontro um abrigo no peito do meu traidor… faz parte do meu show”.
Show que já dura muito tempo, muitos anos. Assim tem sido – e continua sendo – o meu grito, minha luta, meus escritos. Muita energia sincera, tanto minha como de meus familiares, já foi gasta em prol dessa estratégia.
Mas como funciona exatamente essa estratégia? É assim: luto para que C seja reconhecido criminoso por A. Mas se isso acontecer, por consequência, A estará se assumindo criminoso também, já que, por vezes, é ele quem manda C cometer o crime. Em última instância, embora as aparências enganem, eu brigo publicamente para que A seja considerado um criminoso e, ao mesmo tempo, mantenha sua confiança exclusivamente em mim.
Pode parecer estranho, mas é como se um ministro delatasse o presidente na expectativa de que esse presidente passasse a admirar e confiar ainda mais nesse ministro, nomeando-o apenas este para alguns cargos de sua confiança. Reconheço: é uma estratégia bem ousada!
Se a estratégia está dando certo? Devo reconhecer que não. Aliás, a sensação é a de que as coisas só pioraram nos últimos anos. Mas convenhamos, tudo piorou nesse país de tanta impunidade, não é?! Além disso, devo reconhecer também que as vezes bati fraco. Preciso bater mais forte.
Se consegui criminalizar alguém? Apesar das inúmeras tentativas nesses últimos anos, incluindo vários processos judiciais que já transitaram em julgado, ainda não consegui criminalizar e, muito menos, ver a pena de detenção ou multa ser aplicada a alguém, nos termos do Código Penal. A ninguém mesmo! Nem a C, o meu maior alvo, nem a A, o criminoso do qual preciso. Mas seguirei tentando.
Mudar de estratégia agora? Prefiro não. Não pegaria bem. Seria vergonhoso, em especial, pela maneira tão incisiva como me expressei até aqui. Ainda que essa não seja a melhor estratégia, prefiro nem pensar em outras, sejam elas quais forem. Vou manter o discurso usado há anos.
À propósito, alguns poucos parentes dizem que talvez seria uma boa estratégia se, ao invés de tentar criminalizar A e C (que são estão inevitavelmente juntos em muitos crimes que cometem), em ação articulada pelos chefes que representam minha família e por um tempo pré-estabelecido, eu me colocasse amplamente e verdadeiramente à disposição de A, e o tentasse convencer de que o meu trabalho é bem mais qualificado do que o trabalho de C, sem invocar a criminalização de quem quer que seja.
É sério. Quando eu soube disso, dei risada. Que ideia ridícula e romântica, pra não dizer infantil! Falemos a verdade: não adianta tratar criminoso soltando pomba branca no céu. Criminoso é criminoso! E mais, além de utópica, essa estratégia me tomaria muito tempo e dinheiro porque, pra piorar, minha disponibilidade hoje tem um preço que A não consegue mais pagar. Devo reconhecer: o cenário que já era difícil, ficou ainda mais complicado depois que reformaram recentemente essas regras dos pagamentos.
Mas uma coisa é certa: A precisa de mim! Tanto ele, como toda sociedade, governo, empresas e trabalhadores hão de reconhecer isso brevemente com a estratégia que estou usando, especialmente se eu bater mais forte à partir de agora. Não deixarei C sequer pisar na minha sala. Hei de ver C criminalizado, e A livre e contente para manter somente em mim a sua confiança. Essa é a meta! É por isso que luto há anos, mas agora radicalizei.
Se o mundo mudou, o problema é do mundo. Eu não vou mudar. Vou manter a mesma estratégia! E grita-la com cada vez mais força, inclusive, considerando como infratores aqueles da minha família que não a seguirem.
Sim, devo ter muitos parentes com outros posicionamentos por aí, mas “ai” de quem criticar minha estratégia ou propuser outra à essa altura do campeonato! Deveria ter feito antes. Ficar “querendo aparecer” agora não dá! Se não quer me ajudar, que também não me atrapalhe. Agora não vou ouvir. Ao contrário, meu voto é para que “cortem” seu microfone, retirem-lhe o holofote, excluam-o dentre nós, e o apequenem em conversas privadas… as mesmas armas de sempre, Maquiavel explica. E mais: o considerarei inimigo declarado das causas familiares, mesmo fazendo parte da minha própria família.
É assim que tem que ser. Chega de conversa fiada. É hora de união e ação. A estratégia não mudará. Minha família e eu colheremos os resultados disso juntos, sejam eles quais forem. Tenho certeza de que a maioria dos meus familiares estão comigo nessa.
Vou até o fim. Dizem que ações iguais geram os mesmos resultados, e não resultados diferentes. Duvido. Especialmente se eu bater mais forte.
Não dá mais pra voltar atrás. Guerra é guerra! É proibido pensar. Para o alto e avante!
Assinado, B.
Autor: Marcos Henrique Mendanha: Médico do Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito e Processo do Trabalho. Perito Judicial / Assistente Técnico junto ao TRT-GO e TRF-GO. Diretor Técnico da ASMETRO – Assessoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda. Autor do livro “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Coordenador do Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas, e da Jornada Brasileira de Psiquiatria Ocupacional. Coordenador do CENBRAP – Centro Brasileiro de Pós-Graduações. Colunista da Revista PROTEÇÃO.
Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista Marcos Henrique Mendanha, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.