“Não importa a pergunta, a resposta é sempre a mesma: o que diz a lei?” (Emilio Bicalho Epiphanio)
Os honorários periciais são verbas alimentares e a única fonte de recursos, fruto do trabalho do perito para prover seus sustento e o de sua família. Verba de natureza alimentar é amplamente reconhecida como direito humano fundamental.
Mesmo diante de direito humano fundamental, a justiça trabalhista paga o perito médico somente após o trânsito em julgado, o que pode demorar até uma década, desconsiderando a natureza alimentar dos honorários.
Com a inviabilização econômica das perícias médicas trabalhistas causada pela reforma trabalhista, Lei nº 13.467, de 2017, estudos e discussões passaram a ocorrer e concluíram que as mazelas das perícias são frutos do pagamento dos honorários ocorrer somente na fase de execução.
Inicia-se a busca pelo dispositivo legal capaz de suprimir direito fundamental. Esperava-se que tal lei, dado a grandeza do direito que suprime, fosse explícita, direta, enfrentando objetivamente a questão, além de se localizar em alta posição na hierarquia das leis.
A busca intensa revelou que não existe tal lei.
Passou-se então a buscar um dispositivo que, mesmo indiretamente e por dedução, pudesse produzir tão grandioso efeito. A conclusão indireta necessariamente precisa ser fruto de raciocínio lógico irrefutável (ser conclusão obrigatória de premissas verdadeiras) e também ter força legal suficiente para suprimir direitos garantidos por outros dispositivos legais.
De pronto, o Artigo 790-B é apresentado como determinante indireto da obrigação do perito em receber somente na fase da execução. Vejamos
Art. 790-B. A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita.
A determinação indireta se daria da seguinte maneira:
1. O responsável pelo pagamento dos honorários periciais é o sucumbente.
a. Premissa verdadeira oriunda de lei.
2. O sucumbente é definido somente após o trânsito em julgado.
a. Premissa verdadeira
3. Logo, o responsável pelo pagamento somente é conhecido após o trânsito em julgado.
a. Conclusão verdadeira posto que é consequência obrigatória dos itens anteriores.
4. O desconhecimento do responsável final pelo pagamento dos honorários dá às partes o direito de não pagar os honorários periciais até o trânsito em julgado.
a. Conclusão falsa pois o direito alegado não é consequência obrigatória dos itens anteriores.
5. O direito de não pagar supera o direito fundamental do perito a receber verba alimentar em tempo adequado para garantir seu sustento.
a. Conclusão falsa pois não é consequência obrigatória dos itens anteriores e nem teria força legal para suprimir o direito que atenta.
As falhas lógicas são insuperáveis pois o raciocínio:
(a) Não atrela o perito à sucumbência;
(b) Não dá às partes o direito de não pagar por serviço que contratam;
(c) Não suprime o direito fundamental do perito.
O que relaciona, liga, os itens 1,2 e 3 é a sucumbência.
O que liga as partes à sucumbência é o fato de estarem em litígio. Somente sucumbe quem litiga. O perito não é parte, portanto, não sucumbe e nem vence. Não tem interesse na sucumbência. Diferente das partes, o perito não pertence à fase de execução.
O perito pertence à fase de instrução. As partes compram um serviço necessário para a solução da lide em que se encontram. Necessariamente devem pagar pelo serviço contratado.
Sucumbência diz respeito somente às partes e define os deveres de cada um. Neste momento o sucumbente é condenado a pagar ao vencedor o que lhe é devido, inclusive as despesas processuais que este tenha realizado.
Portanto fica claro que o perito não se relaciona de nenhuma forma com a sucumbência.
A desconhecimento, na fase de instrução, de quem será o responsável final pela despesa não dá às partes o direito de não pagar pelo serviço que estão comprando. O comprador não tem o direito de transferir ao prestador de serviço suas obrigações.
A obrigação de produzir prova é das partes. Trabalhar gratuitamente significa que o perito está produzindo provas no lugar das partes e financiando o andamento processual. Não cabe ao perito realizar nenhuma destas funções. Perito não é parte.
O artigo 790B não dá às partes o direito de não pagar as despesas necessárias para solucionar a lide em que se encontram e nem de impor ao perito o dever de produzir provas e de financiar o andamento processual.
O perito, por seu turno, continua tendo o direito de receber seus honorários pois este é o único meio que garante sua subsistência e a de sua família. O Artigo 790 B não tem o condão de suprimir o direito fundamental do ser humano em receber verba alimentar fruto do seu trabalho.
Como dito, o dever de produzir provas é das partes e está tutelado por lei.
Ao definir de quem é o dever de produzir provas na fase de instrução, a legislação reconhece o direito do perito em receber honorários e afasta a pretensão das partes em ter o direito de não pagar pelo serviço necessário à solução da lide.
Na justiça trabalhista, o dever de produzir provas está definido no artigo 818 da CLT:
Art. 818. O ônus da prova incumbe:
I – ao reclamante, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II – ao reclamado, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do reclamante.
§ 1. Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos deste artigo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juízo atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
§ 2. A decisão referida no § 1o deste artigo deverá ser proferida antes da abertura da instrução e, a requerimento da parte, implicará o adiamento da audiência e possibilitará provar os fatos por qualquer meio em direito admitido.
§ 3. A decisão referida no § 1o deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
Desta forma:
1. Não existe dispositivo legal determinando que o perito deva receber seus honorários somente após o trânsito em julgado;
2. As partes não tem o direito de não pagar as provas necessárias para a solução da lide;
3. O perito tem o direito de receber as verbas alimentares oriunda de seu trabalho;
4. A lei define de quem é a responsabilidades na produção das provas durante a fase de instrução do processo.
Por todo o exposto estamos diante de uma falsa crise econômica na perícia, bastando ao judiciário aplicar integralmente a legislação no que tange à produção das provas.
Diante de argumentos contrários, mudança de posicionamento é sempre possível.
Autor: Marcos Alvarez – Médico, formado na FAMERP em 1984, cirurgião geral via residência médica, Médico Endoscopista (SOBED/AMB), Médico do Trabalho (ANAMT/AMB), especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas (ABMLPM/AMB). É Pós-Graduado em Ergonomia. Possui experiência na área pericial de mais de 20 anos de atuação.