O juiz do trabalho Munif Saliba Achoche, em exercício na 49ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, condenou a empresa CNS Nacional de Serviços LTDA. a indenizar em R$ 20 mil, por dano moral, uma empregada transexual do gênero feminino, por considerar que a trabalhadora sofreu discriminação em seu local de trabalho em função de algumas condutas, como a de ser proibida pelo supervisor de usar o banheiro feminino mesmo após ter a mudança de nome civil reconhecida. Na sentença, o magistrado também declarou a rescisão indireta do contrato de trabalho situação em que o empregador comete algum tipo de falta grave, inviabilizando a manutenção da relação empregatícia.
Ao ingressar com a ação, a trabalhadora afirmou que foi admitida como auxiliar de serviços gerais em junho de 2014 na empresa, que atua na prestação de diversos serviços terceirizados, como limpeza e conservação, higienização hospitalar, manutenção predial e atividades administrativas. A trabalhadora afirmou ter exercido atividades no Hospital do Coração, no Hospital Getúlio Vargas e no Hospital do Câncer I (Inca). Segundo seu relato, apesar de ser transexual, em todos esses locais, após explicar sua situação e seu direito ao uso do banheiro feminino, sempre conseguiu contornar as dificuldades surgidas.
Entretanto, ao ser transferida, em setembro de 2017, para o Hospital Central do Exército, o seu supervisor direto lhe proibiu expressamente de utilizar o banheiro feminino, determinando que usasse o masculino.
Ainda segundo a empregada, em função dessa determinação, em três plantões teve que trocar de roupa no vestiário masculino, na frente de vários homens, submetendo-se a diversos constrangimentos, como piadas e comentários discriminatórios e preconceituosos em relação a sua situação. Segundo ela, a situação só mudou quando denunciou o fato a emissoras de televisão, ocasião em que recebeu autorização para utilização do banheiro feminino.
O preposto da empresa, em depoimento pessoal, afirmou que um grupo de aproximadamente seis funcionárias do Hospital Central do Exército havia se sentido constrangido por compartilhar o mesmo banheiro com a reclamante, fato que resultou em uma reclamação à empresa. A testemunha trazida pela empresa confirmou a reclamação de um grupo de empregadas e disse que, na condição de supervisor, havia solicitado à autora que usasse o banheiro masculino, mas, para evitar constrangimentos, o fizesse em horários alternativos. Entretanto, afirmou que, após a realização de uma palestra de conscientização sobre diversidade na empresa, todo o problema havia sido resolvido, passando a empregada transexual a usar o banheiro feminino.
Ao analisar o caso, o juiz Munif Saliba Achoche afirmou que somente após a intervenção da mídia é que a ré se deu conta do tamanho do erro, preconceito e discriminação por ela praticado contra a autora, tanto que tentou amenizar a situação com palestras acerca do tema no local do trabalho, mas o fato anterior ocorrido e sua gravidade fizeram com que tal conduta tivesse sido tardia e vã para todos os constrangimentos causados à demandante.
Segundo o magistrado, tais constrangimentos foram imensos e eram totalmente evitáveis, bastando para tanto chamar a autora e as supostas colegas para uma conversa e deixar claro que aquele tipo de conduta era preconceituosa e inaceitável.
“Com efeito, a dignidade humana é vetor axiológico do ordenamento pátrio, tendo sido alçada a verdadeiro valor supremo da Constituição (art. 1º, III), a qual permanece plena inclusive durante o vínculo empregatício (…). Nesse sentido, não se pode olvidar que o valor social do trabalho também foi erigido a fundamento da República (…), decorrendo necessariamente disso que o tratamento dispensado aos empregados pelos seus gestores diretos e colegas deve ser digno e respeitoso, inclusive em relação à questão de gênero.
Esse tratamento nunca pode ser preconceituoso, discriminatório, ofensivo, grosseiro, extremado ou indiferente, valendo lembrar que o empregado permanece detentor de seus direitos fundamentais ao ser contratado para trabalhar”, ponderou o juiz.
Ainda segundo ele, a culpa da empresa é notória, visto que a proibição partiu e foi comunicada pelo chefe imediato da autora, que deveria ser o primeiro a exigir o comportamento respeitoso e digno de todos e, portanto, ser o primeiro a cumprir também tal exigência. “Aliás, a teor dos artigos 932, III, e 933 do Código Civil, tem-se que a ré responde objetivamente pelos atos de seus prepostos”, asseverou.
Diante de todo o conjunto probatório, o magistrado concluiu que a autora sofreu danos morais, fixando indenização de R$ 20 mil, bem como declarando a rescisão indireta do contrato de trabalho: “A mera tentativa de a autora permanecer por um tempo trabalhando, não obstante a ofensa que lhe foi dirigida, não é óbice à rescisão indireta e não gera perdão tácito ou violação à imediatidade, mas ao revés evidencia sua tentativa de superar esse obstáculo, quanto ao que não logrou êxito. Isso, é claro, além do próprio caráter alimentar dos salários que impediram que a autora simplesmente parasse de ter o seu sustento”.
Fonte: TRT-1