Prezados leitores.
Antes de falarmos sobre a decisão do STF (de 30/08/2018) que autorizou a “terceirização irrestrita” (que inclui, além da terceirização das atividades-meio, a terceirização de atividades-fim de uma empresa), vale lembrar que ela repercute “somente” sobre as mais de 4 mil ações que tramitam no Judiciário, e que foram propostas antes de 31/03/2017, data da publicação da Lei n. 13.429/2017 (chamada “Lei da Terceirização” que é parte integrante da “Reforma Trabalhista” juntamente com a Lei n. 13.467/2017).
Antes de 31/03/2017, e desde 2011, havia um entendimento diverso do TST, segundo o qual não era lícito a terceirização de atividades-fim, mas somente de atividades-meio (ex.: serviços de limpeza de um hospital). À partir de agora, com a decisão do STF, pacifica-se o entendimento, mesmo para essas mais de 4 mil ações judiciais propostas antes da “Lei da Terceirização“(e que ainda não transitaram em julgado), que sim, é possível e lícito a terceirização de atividades-fim (ex.: serviços médicos de um hospital).
Desde 31/03/2017 já está valendo de forma clara e inquestionável a chamada “terceirização irrestrita” e isso não foi alterado. A decisão do STF apenas corroborou com os termos da “Lei da Terceirização” e acabou por dar mais segurança jurídica a ela.
Isto posto, falemos sobre o SESMT.
Será possível a terceirização de um SESMT inteiro (médico do trabalho, engenheiro de segurança, etc.)? Por enquanto, penso que não. E justifico com base no item 4.4.2 da Norma Regulamentadora n. 4 (NR-4), que assim coloca:
“Os profissionais integrantes dos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho deverão ser empregados da empresa, salvo os casos previstos nos itens 4.14 e 4.15.”
Se os profissionais do SESMT devem ser empregados da empresa, obviamente então que não podem ser terceirizados.
Por que digo que “por enquanto” penso que não haverá terceirização dos profissionais do SESMT? Pois cabe discussão aí. Certamente alguns argumentarão que a “Lei da Terceirização” deve se sobrepor aos termos do item 4.4.2 da NR-4. De fato, juridicamente é um argumento razoável.
Mas por enquanto, tendo a acreditar na força da NR-4 nesse caso (só o futuro nos dirá se estou certo ou não). E enumero os motivos de minha crença:
(1) Princípio da norma mais benéfica ao trabalhador: trata-se de um princípio observado na Justiça do Trabalho que garante a prevalência de uma NR em detrimento a uma lei, desde que seu conteúdo seja mais benéfico ao trabalhador do que os termos da própria lei. Embora aceite controvérsias, me parece razoável a tese de que um SESMT composto por empregados diretos da empresa seja mais efetivo (mais benéfico) no cuidado com a segurança e saúde dos trabalhadores (finalidades maiores de um SESMT) do que um SESMT terceirizado.
(2) As NRs estão fortemente ancoradas no art. 200 da CLT, que também é uma lei, no entanto, é mais específica quanto à Saúde e Segurança no Trabalho (SST) do que a chamada “Lei da Terceirização“. E essa especificidade conta para o Judiciário, sendo critério de desempate quanto a escolha de leis de mesma hierarquia que se conflitam.
O inciso VI do art. 200 da CLT assim coloca: “Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares [referindo-se às NRs] às normas de que trata este Capítulo [capítulo 5 da CLT, que versa sobre segurança e medicina do trabalho], tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre: proteção do trabalhador exposto a substâncias químicas nocivas, radiações ionizantes e não ionizantes, ruídos, vibrações e trepidações ou pressões anormais ao ambiente de trabalho, com especificação das medidas cabíveis para eliminação ou atenuação desses efeitos limites máximos quanto ao tempo de exposição, à intensidade da ação ou de seus efeitos sobre o organismo do trabalhador, exames médicos obrigatórios, limites de idade, controle permanente dos locais de trabalho e das demais exigências que se façam necessárias”.
Ou seja, é possível a argumentação de que a “Lei da Terceirização” afronta uma outra lei, a CLT (art. 200, VI), e que esta última seja mais específica sobre o tema SST do que a própria “Lei da Terceirização“. Forçado?! Talvez não. Por se tratar de um tema que envolve SST, tido como um tema “inegociável” por muitos juristas, a tese torna-se razoável.
No entanto, alguns outros aspectos também merecem nossa atenção.
Primeiro: a possibilidade da terceirização poderá diminuir o número total de empregados diretos de uma empresa. Isso é fato. A consequência disso sobre o SESMT diz respeito ao seu dimensionamento. Sim, uma empresa que hoje tem 1000 empregados diretos, amanhã poderá ter 200 empregados diretos e 800 terceiros. Isso poderá mudar completamente o dimensionamento do SESMT, isto é, muitos médicos do trabalho, engenheiros de segurança, etc., podem se tornar dispensáveis para o cumprimento da NR-4.
Ou não…
Existe na Justiça do Trabalho o chamado “princípio da primazia da realidade”, segundo o qual “mais vale a realidade dos fatos do que aquilo que está escrito”. Assim, não importa se a documentação da empresa comprova um número de trabalhadores empregados menor do que o número de trabalhadores terceirizados. A realidade é que o número de vidas (objeto maior de cuidado e atenção do SESMT) que ali trabalha é o que deve(ria) justificar e fundamentar o dimensionamento do respectivo SESMT.
Eis outro ponto que quero destacar. Vejamos o que diz (texto em vigor) o item 4..5.1 da NR-4: [No caso de uma empresa que contrata outra – como é o caso da terceirização] “Quando a empresa contratante e as outras por ela contratadas não se enquadrarem no Quadro II, anexo, mas que pelo número total de empregados de ambos, no estabelecimento, atingirem os limites dispostos no referido quadro II, deverá ser constituído um serviço especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT) comum, nos moldes do item 4.14.” E conforme o item 4.14.4.1, o dimensionamento do SESMT comum deve considerar o somatório dos trabalhadores assistidos e a atividade econômica que empregue o maior número entre os trabalhadores assistidos.
Vejam que interessante: é como se a própria NR-4 já tivesse feito a previsão da terceirização em 1983 (ano de redação do item 4.5.1), tentando estabelecer, ainda que de forma falha, uma espécie de “trava” para diminuição do contingente do SESMT nessas situações.
Exemplificando, uma empresa que hoje tem 1000 empregados diretos e “amanhã” tem 200 empregados diretos e 800 terceiros, em tese, deverá ter um SESMT comum com a empresa de terceirização considerando o número total de 1000 trabalhadores e o grau de risco da empresa terceirizada (agora, com maior número de trabalhadores assistidos). Se o item 4.5.1 da NR-4 for cumprido no caso desse exemplo, e se os graus de risco das empresas contratante e terceirizada forem os mesmos, o dimensionamento do SESMT comum não se alterará.
Mas com base nesse mesmo texto da NR-4, o risco da diminuição do número dos profissionais do SESMT ainda persiste! Percebam que o SESMT poderá ser reduzido em seu tamanho se o grau de risco da empresa terceirizada (agora, com o maior número de trabalhadores assistidos, conforme exemplo que propomos) for menor do que o grau de risco da empresa contratante, nos termos do Quadro II da NR-4 que dimensiona os SESMTs. Sim! Pois para 1000 empregados de grau de risco 1 (por exemplo) o SESMT comum será menor do que para 1000 empregados de grau de risco 4 (por exemplo também).
Outro “detalhe matemático” que também preocupa: SESMT comum presume um único SESMT para as duas empresas (contratante e terceirizada). Antes do SESMT comum eram dois SESMTs (um da empresa contratante e outro da empresa terceirizada). Via de regra, dois SESMTs necessitam de mais profissionais do que um único SESMT (SESMT comum). Ou seja, o risco de diminuição de oferta de trabalho para os profissionais do SESMT é real, apesar da “trava” imposta pelo do item 4.5.1 da NR-4.
Mas, amigos… tudo que coloquei acima são hipóteses, exercício de futurologia. E certamente ouviremos e ponderaremos sobre muitas outras possibilidades daqui pra frente. Só o tempo – e o posicionamento do Judiciário sobre todas essas questões – nos dirá o que de fato vai ocorrer.
Oremos.
À vontade para os bons, identificados e embasados comentários (alinhados ou contraditórios)!
Autor: Marcos Henrique Mendanha: Médico do Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito e Processo do Trabalho. Perito Judicial / Assistente Técnico junto ao TRT-GO e TRF-GO. Diretor Técnico da ASMETRO – Assessoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda. Autor do livro “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Coordenador do Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas e do Congresso Brasileiro de Psiquiatria Ocupacional. Professor e Coordenador Geral do CENBRAP – Centro Brasileiro de Pós-Graduações. Colunista da Revista PROTEÇÃO.
Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista Marcos Henrique Mendanha, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.
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