Recentemente foi publicada a Resolução CFM 2217/18 que estabeleceu o Novo Código de Ética Médica, que entrará em vigor no início do próximo ano.
Uma alteração importante realizada na redação do código foi em relação a entrega de prontuários médicos quando houver determinação judicial.
O Código de Ética Médica (CEM), Resolução CFM 1931/2009, estabelecia que, quando requisitado judicialmente, o prontuário médico deveria ser entregue ao perito nomeado pelo juiz.
Já a nova redação do artigo 89 do CEM estabelece que o prontuário será encaminhado ao juízo requisitante.
O Prof. Marcos Mendanha já publicou em sua coluna neste portal uma excelente análise sobre o tema, mas meu ponto não é este.
A ideia do CFM ao dispor anteriormente que o prontuário deveria ser entregue ao perito judicial era justamente reconhecer que existia, ainda que de forma relativa, sigilo sobre alguma das informações que constavam do prontuário, mesmo quando havia algum interesse da Justiça em relação aos dados que ali constavam.
Isto porque um médico, perito judicial nomeado no processo, receberia o prontuário na íntegra e apenas traria aos Autos as informações médicas que tivessem algum interesse processual.
Entendo que a redação anterior do CEM fazia todo sentido, uma vez que existe informações constantes de um prontuário médico que não são de interesse processual e, desta forma, não faz sentido revela-las.
Este também é o meu entendimento, conforme expus em meu livro “Sigilo Médico em Perícia Médica” publicado pela editora LTR.
Porém, havia questionamento judicial sobre o disposto no artigo 89 do CEM em sua atual redação, por meio de uma ação civil pública, o que, certamente, deve ter sido uma das razões para o CFM mudar agora à redação do artigo 89 nesta revisão do CEM.
O CFM resolveu estabelecer a entrega direta ao juiz requisitante, o que significará, na prática, a juntada do prontuário diretamente, na íntegra, no processo.
Para mim este novo entendimento do CFM tem uma implicação prática muito relevante: o CFM está reconhecendo que não existe qualquer sigilo médico quando se determina a realização da perícia médica.
Explico.
O entendimento vigente era de que existiria sigilo médico em pericias médicas, mesmo que relativo, pois durante o ato pericial o autor poderia revelar alguma informação médica que não fosse de interesse processual, o que deveria ser protegido pelo perito.
Este mesmo princípio aplicaria-se ao prontuário médico, o que, agora, foi alterado.
Com este novo entendimento, o CFM sinalizou que não existem informações médicas que devem ser protegidas em processos judiciais, pois o prontuário será juntado na íntegra no processo, desde que exista requisição judicial.
Não faz sentido o médico perito entender que existe sigilo durante o ato pericial se o próprio Conselho entende que, havendo determinação judicial, não existe sigilo algum.
Está totalmente superada uma das principais justificativas, se não a maior, para que se impeça o acompanhamento da perícia médica por parte dos advogados e de outras pessoas.
Alegação de sigilo médico para se impedir o acompanhamento por parte de terceiros da perícia médica está esvaziada.
Sempre defendi que esta não era uma justificativa plausível, já que o próprio periciando poderia abrir mão do sigilo e permitir o referido acompanhamento.
Ao meu ver a discussão sobre a presença de terceiros não incumbidos da tarefa pericial sempre foi sobre uma possível interferência, mesmo que involuntária, na semiologia pericial.
Agora os peritos judiciais terão que discutir esta questão técnica: um terceiro durante a perícia interfere na técnica e na semiologia pericial?
Porque a justificativa para impedir o acompanhamento de terceiros do ato pericial, anteriormente utilizada em relação ao sigilo médico, simplesmente não existe mais!
Não faço aqui neste artigo um juízo de valor, apenas a constatação de um fato, gostemos dele ou não.
Espero que, finalmente, se discuta o cerne da questão: terceiros no ato pericial médico podem prejudicar a busca da verdade real?
Autor: Dr. João Baptista Opitz Neto – Médico do Trabalho, Mestre em Bioética e Biodireito pela UMSA/AR; Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas; Especialista em Ergonomia; Perito Judicial / Assistente Técnico nas áreas trabalhista, cível e previdenciária. Autor do livro “Perícia Médica no Direito” (Editora Rideel); Colunista do portal SaudeOcupacional.org; Professor e Palestrante nas área de Pericia Médica, Medicina do Trabalho e Meio Ambiente do Trabalho; Diretor do Instituto Paulista de Higiene, Medicina Forense e do Trabalho.
O Dr. João Baptista Opitz Neto escreve periodicamente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Opitz”.
Obs.: o texto acima é de autoria do colunista João Baptista Opitz Neto, e não reflete a opinião institucional do SaudeOcupacional.org.