Um trabalhador flagrado no exame de “bafômetro” conseguiu reverter, na Justiça do Trabalho, a justa causa aplicada por empresa atuante no ramo de bioenergia. Para o juiz Leonardo Tibo Barbosa Lima, na Vara do Trabalho de Pará de Minas, o empregador exagerou ao aplicar a pena máxima. O magistrado levou em consideração o contexto apurado, inclusive o fato de o trabalhador não possuir sinais de embriaguez e ter um bom histórico funcional.
Na sentença, o magistrado lembrou que a justa causa decorre do poder disciplinar do empregador (artigo 2º da CLT), podendo ser aplicada independentemente da chancela judicial. Contudo, encontra como contraponto a presunção de inocência do empregado (artigo 5º, LVII, da CF). E, no caso, entendeu que a reclamada não conseguiu provar o preenchimento dos pressupostos necessários para tanto, como deveria.
Ele registrou que o teste de bafômetro é uma espécie de exame toxicológico, que afere condição ligada aos direitos da personalidade do trabalhador. Por sua vez, as normas de segurança no trabalho são de observância obrigatória por empregados e empregadores (artigos 157 e 158 da CLT). Assim, concluiu que essa espécie de exame coloca em choque o poder diretivo do empregador e o direito à personalidade do empregado.
Para o magistrado, a análise de validade do teste deve necessariamente passar por um juízo de ponderação.
De acordo com o julgador, se o resultado definitivo do exame (após a contraprova) for positivo, surge uma nova perspectiva jurídica. É que a lei não pode punir alguém com base em seu estado, mas sim em função de sua conduta. Por isso é que, por exemplo, a embriaguez completa e decorrente de caso fortuito ou força maior isenta o agente da pena (artigo 28, parágrafo 1º, do CP), ao passo que a embriaguez pré-ordenada constitui uma circunstância agravante (artigo 61, II, l, do CP).
No caso, o exame do conjunto de provas levou o magistrado a considerar lícita a aplicação do teste. Isso porque o trabalhador era operador de colheitadeira, função considerada de risco, e estava ciente da possibilidade de realização do exame, assim como os demais empregados. O exame foi realizado em sala reservada, na presença de apenas duas testemunhas, não expondo o empregado a situação vexatória. Foi realizado o teste e depois a contraprova, no mesmo dia, e não houve notícia de que o resultado do exame tenha sido divulgado pelo empregador, mantendo-se confidencial. Além disso, o juiz apontou não ter havido prova capaz de desmerecer a capacidade de aferição do equipamento.
Mas, apesar de reconhecer esse cenário, o juiz concluiu que faltou tipicidade, gravidade e proporcionalidade na aplicação da justa causa. Ele explicou: o artigo 482, “f”, da CLT, considera como fato típico a “embriaguez”, seja habitual, seja em serviço, e não o simples fato de ingerir bebida alcoólica. Por isso é que a CLT não estabelece limites mínimos de ingestão de bebida. A embriaguez depende de condições pessoais, sejam físicas, sejam psicológicas, não bastando para sua caracterização a quantidade de álcool presente no sangue. “O bafômetro, sem a companhia de outros sintomas, não é capaz de atestar que a pessoa está embriagada, para fins de aplicação de justa causa”, registrou na sentença.
O resultado do teste do bafômetro foi de 0,42 mg/l, na primeira medição, e de 0,35 mg/l, na segunda. Para o juiz, embora isso demonstre que o empregado havia ingerido bebida alcoólica, não significa que estivesse necessariamente embriagado. Ele chamou a atenção para o fato de o responsável pela aplicação do exame não ter relatado nenhum outro sintoma. Em depoimento, esse empregado disse que não sentiu hálito de álcool, mas que o autor estava calado e com olhos vermelhos.
Conforme expôs o magistrado, essas condições definitivamente não são suficientes para aferir o estado de embriaguez. Diante de um teste clínico, considera natural que algumas pessoas fiquem caladas, com medo. A vermelhidão dos olhos pode estar associada a inúmeros fatores, como uma simples noite mal dormida. Um cartão de ponto indicou que, no dia anterior ao exame, o empregado havia trabalhado a noite toda, das 23h21 às 8h07. Para o julgador, um indício de causa da vermelhidão nos olhos.
Ainda como ponderou na sentença, no caso de infração de trânsito, por exemplo, os limites do CTB (Lei nº 9.503/97) são de 0,05 mg/l (por causa da margem de erro do equipamento), para infração administrativa (artigo 165), e de 0,3 mg/l, para crime (artigo 306, §1º, I). Mas o crime depende da existência de sinais que indiquem alteração da capacidade psicomotora (artigo 306, §1º, II).
O juiz observou que o preposto declarou que “o nível de tolerância do teste do bafômetro é zero”, o que revela que a aplicação da justa causa se deu com base em normas próprias da empresa, sem correspondência com os fatos típicos do artigo 482 da CLT. A própria documentação apresentada dispensa a identificação de outros sintomas de embriaguez, partindo do pressuposto de que qualquer quantidade de ingestão de bebida alcoólica é suficiente para caracterizar a embriaguez, o que não tem respaldo na CLT.
“Para fins de aplicação de justa causa, o simples fato de a parte autora ter sido flagrada no exame do bafômetro, sem outros elementos que possam atestar seu estado de embriaguez, constitui fato atípico”, concluiu.
Na detida análise que fez sobre a questão, ainda ressaltou o juiz que a conduta não seria suficientemente grave, mesmo se fosse considerada fato típico. É que o empregado operava colheitadeira desde sua admissão (25/04/2016) e nunca causou qualquer tipo de acidente. Tampouco houve relatos de que tenha se apresentado embriagado alguma vez. Foi a primeira vez inclusive que o teste foi aplicado nele.
Nesse contexto, o juiz repudiou a conduta da empregadora de não adotar medidas pedagógicas antes e não levar em conta o histórico do trabalhador, apegando-se, nos seus dizeres, “a um rigor excessivo e desproporcional”. Por tudo isso, desconstituiu a justa causa aplicada, condenando a empresa de bioenergia a pagar as verbas rescisórias decorrentes da dispensa sem justa causa, com a entrega de guias, e multa prevista no artigo 477, parágrafo § 8º, da CLT (Súmula 36 do TRT-MG).
Recurso
A reversão da justa causa foi mantida pelo TRT de Minas. Os julgadores observaram que, apesar de a função exercida pelo trabalhador exigir cuidado quanto às normas de segurança, o teste do bafômetro foi realizado antes de se iniciar a jornada, sem que fossem aplicadas outras penalidades anteriores. A decisão chamou a atenção para o fato de as normas da empresa se referirem à proibição de consumo de bebida alcoólica ou qualquer entorpecente no local de trabalho e durante a jornada. No caso dos autos, isso não ocorreu. Ademais, o autor não estava conduzindo a colheitadeira, não houve acidente e ele não recebeu advertências anteriores por quaisquer outros motivos. Devido às peculiaridades do alcoolismo, o colegiado reconheceu não ter sido observada a gradação da penalidade.
Fonte: TRT-3ª Região