A juíza Ângela Castilho Rogêdo Ribeiro, titular da 14ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, declarou nulo o pedido de demissão feito por uma empregada com deficiência intelectual que trabalhava em uma empresa de telecomunicações. De acordo com a perícia, a mulher possui discernimento reduzido, entendendo a juíza que o pedido de demissão e a própria homologação não poderiam ter sido realizados sem a assistência dos representantes legais, por se tratar de relativamente incapaz. A empregadora foi condenada a pagar as diferenças de verbas rescisórias.
Contratada para vaga destinada a trabalhador com deficiência, nos termos do Decreto nº 3.298/99, que dispõe sobre a “Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência”, a mulher atuou na confecção de uniformes por cerca de um ano até pedir demissão. A deficiência cognitiva foi identificada como “déficit de atenção, dificuldade de fazer contas e tarefas que exijam mais concentração”.
Ao analisar a reclamação trabalhista, a magistrada considerou inválido o ato, por ter sido praticado sem a assistência dos pais. No caso, a mãe, que acompanhou a trabalhadora à audiência, e o pai, que foi à perícia médica. Perícia determinada constatou que a filha possui deficiência intelectual leve, com redução da capacidade cognitiva. Segundo apontado no laudo, a sequela foi causada por exposição a baixa oxigenação no nascimento e, posteriormente, em procedimento cirúrgico realizado aos 13 anos de idade.
Apesar de não considerar a mulher incapacitada para o trabalho e para o convívio em sociedade, o perito concluiu que ela não possui capacidade adequada de dimensionar as consequências de suas decisões. Ela contou ao perito que pediu demissão porque queria submeter-se a um procedimento estético e acreditou que, com o pedido de demissão, receberia “acerto” que viabilizaria o pagamento do procedimento. No entanto, nada recebeu a título de parcelas rescisórias.
Para a julgadora, a conduta “quase infantil” da trabalhadora se deu justamente por causa da deficiência cognitiva que a impede de ter o real dimensionamento da decisão de pedir demissão. Ficou demonstrado que ela possui alteração comportamental – principalmente temperamento agressivo – que é controlada com medicação psiquiátrica desde os seus 16 anos, mas que não a incapacita para o trabalho. Também apresenta déficit cognitivo, que impacta sua habilidade de avaliar as relações de causa e efeito ou dimensionar o efetivo alcance de suas decisões.
“Apesar de o limite cognitivo não a incapacitar física ou emocionalmente para trabalhar em tarefa simples tal como exercia na ré, certamente, haveria incapacidade para exercer atividades mais complexas, que exigissem decisões com correlação de causa e efeito”, registrou, considerando a mulher relativamente incapaz, conforme inciso III, do artigo 4º, do Código Civil.
Na sentença, a magistrada explicou que o contrato de trabalho tende à continuidade e seu encerramento exige que a vontade do trabalhador seja manifestada de forma válida. No caso, isso não ocorreu, aplicando-se, por analogia, o artigo 439 da CLT, que prevê que a rescisão do contrato do menor de 18 anos só é válida se realizada com assistência dos responsáveis legais pelo trabalhador.
Reportando-se a situação semelhante já decidida pelo TRT de Minas, a juíza decidiu reconhecer a nulidade do pedido de demissão e condenar a empresa de telecomunicações a pagar saldo de salário, aviso-prévio proporcional, férias vencidas e proporcionais, 13º salário proporcional e FGTS com multa de 40%. Foi autorizada a dedução dos valores comprovadamente recolhidos e determinada a entrega das guias para levantamento do FGTS e recebimento do seguro-desemprego, bem como determinada a retificação da baixa na carteira de trabalho. A empresa recorreu da decisão, mas o recurso não foi conhecido, por deserto. Há recurso de revista para o TST.
Fonte: TRT-3ª Região