O que é o “limbo previdenciário-trabalhista”?
Também chamado de “limbo previdenciário”, “limbo jurídico”, “limbo trabalhista-previdenciário”, “limbo previdenciário-trabalhista”, “limbo jurídico-previdenciário”, simplesmente “limbo”, entre outras nomenclaturas, trata-se de uma situação frequente que possui como maior característica o não recebimento simultâneo, por parte do empregado, tanto do salário (pago pelo empregador), quanto do respectivo benefício previdenciário (pago pela Previdência Social).
Na mesma linha, veio o julgado a seguir:
“(…) Trata-se de situação que é denominada pela doutrina de “limbo jurídico-previdenciário”, que se caracteriza por ser um período no qual o empregado deixa de receber o benefício previdenciário, e também não volta a receber os seus salários.” (Processo: RR 26907220155120048)
O “limbo” pode ocorrer, por exemplo:
a) quando o “Perito do INSS” atribui capacidade laboral para um segurado, negando-lhe o benefício previdenciário, ao mesmo tempo em que o “Médico da Empresa” caracteriza este mesmo empregado como “inapto” para o trabalho (uma das situações mais frequentes de “limbo” e sobre a qual nos debruçaremos ao longo desta obra);
b) quando o trabalhador ainda não possui, ou perdeu, a condição de segurado do INSS, encontrando-se, portanto, sem condições administrativas para percepção do respectivo benefício previdenciário (ex.: alguns casos de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, nos termos dos arts. 25 e 26 da Lei 8.213/1991), e o “Médico da Empresa” caracteriza este mesmo empregado como “inapto” para o trabalho;
c) quando o segurado dá entrada no requerimento do benefício previdenciário somente à partir do trigésimo primeiro dia após o início do afastamento laboral, situação em que não haverá obrigação legal do empregador pagar o salário à partir do 16o dia de afastamento, ao mesmo tempo em que o INSS deverá conceder-lhe o benefício (caso determinado pelo Perito Médico Federal) apenas à partir da data da entrada do requerimento, conforme art. 214, § 2º, I, da Instrução Normativa INSS n. 77/2015.
A mais frequente situação de ocorrência do “limbo” ocorre quando o Médico do Trabalho/Médico Examinador (comumente chamado de “Médico da Empresa”), após ter avaliado e qualificado determinado empregado como “inapto” para sua função, o encaminha para o serviço de Perícias Médicas da Previdência Social, sugerindo, mediante atestado médico (próprio e/ou do Médico Assistente do trabalhador), determinado lapso de tempo para respectivo tratamento e recuperação.
O Médico Assistente (ex.: um médico ortopedista, um médico psiquiatra, etc.) é, normalmente, o médico escolhido pelo próprio trabalhador para diagnosticar, tratar e acompanhá-lo em sua doença, podendo ser do sistema público ou privado (“particular” ou de plano de saúde).
O Perito Médico Federal (nomenclatura dada pela Lei 13.846/2019 e correspondente ao Perito Médico da Previdência Social), por sua vez, após avaliação e concessão de benefício previdenciário por um prazo menor do que o sugerido pelo Médico do Trabalho/Médico Examinador (ou não concessão do benefício), qualifica este empregado como “capaz” para retorno às suas atividades laborais.
Ao recepcionar este trabalhador e reavaliá-lo, o Médico do Trabalho/Médico Examinador, após novamente ter qualificado o empregado como “inapto”, o reencaminha para o serviço de Perícias Médicas da Previdência Social, sugerindo mais uma vez, mediante atestado médico (próprio e/ou do Médico Assistente do trabalhador), determinado lapso de tempo para respectivo tratamento e recuperação.
O Perito Médico Federal decide então pela não concessão do benefício pleiteado, e qualifica este empregado como “capaz” para retorno às suas atividades laborais, fazendo-o retornar ao serviço de Medicina do Trabalho da empresa.
E assim esses atos vão se repetindo por tempo indeterminado e, nesse interregno, o trabalhador não recebe, nem os salários por parte da empresa (por ser considerado “inapto” pelo Médico do Trabalho/Médico Examinador), nem o benefício previdenciário por parte do INSS (por ser considerado “capaz” pelo Perito Médico Federal). Esse é o típico quadro de “limbo”.
Essa situação foi didaticamente sintetizada pelo julgado a seguir:
“Denomina-se “limbo jurídico-previdenciário” o período em que o trabalhador recebe alta previdenciária e, ao reapresentar-se ao empregador, não lhe é viabilizada a reintegração às suas funções, por ser considerado inapto pelo serviço médico da empresa, sendo encaminhado novamente ao INSS, que, por sua vez, confirma a aptidão laboral do segurado.” (Processo: RO 00205781120165040123)
Mas por que esse “limbo” ocorre? Pois a lei estabelece a obrigação do empregador pagar apenas os mencionados quinze dias de afastamento, só voltando a fazer esse pagamento quando o empregado retornar às suas funções laborais. Por outro lado, a Lei 11.907/2009, em seu art. 30, parágrafo 3o, estabelece que compete ao Perito Médico Federal “a emissão de parecer conclusivo quanto à incapacidade laboral”, para fins de concessão de benefícios previdenciários.
Em outras palavras, o empregador age conforme a literalidade da lei quando paga apenas os aludidos quinze dias de afastamento. E também age dentro de sua prerrogativa legal o Perito Médico Federal que conclui pela capacidade laboral do segurado (mesmo que em discordância com o Médico da Empresa ou Médico Assistente do trabalhador) e não lhe concede o pertinente benefício previdenciário. A rígida concomitância dessas ações é que, em alguns casos, gerará uma das situações mais frequentes de ocorrência do “limbo” e sobre a qual nos debruçaremos em nossos próximos artigos.
Autor: Marcos Henrique Mendanha (Instagram: @professormendanha): Médico do Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito do Trabalho. Autor do livro “Limbo Previdenciário Trabalhista – Causas, Consequências e Soluções à Luz da Jurisprudência Comentada” (Editora JH Mizuno), e “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Coautor do livro “Desvendando o Burn-Out – Uma Análise Multidisciplinar da Síndrome do Esgotamento Profissional” (Editora LTr). Diretor e Professor da Faculdade CENBRAP. Mantenedor dos sites SaudeOcupacional.org e MedTV. Coordenador do Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas, e do Congresso Brasileiro de Psiquiatria Ocupacional. Diretor Técnico da ASMETRO – Assessoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda (Goiânia/GO). Colunista da Revista PROTEÇÃO.
Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista Marcos Henrique Mendanha, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.