Série “Limbo Previdenciário Trabalhista” – Texto 4
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Por que a decisão do “Perito do INSS” prevalece legalmente sobre a decisão do Médico da Empresa?
No últimos textos que discorri nessa coluna, destaquei que a mais frequente situação de ocorrência do chamado limbo previdenciário trabalhista ocorre quando o Médico do Trabalho/Médico Examinador (comumente chamado de “Médico da Empresa”), após ter avaliado e qualificado determinado empregado como “inapto” para sua função, o encaminha para o serviço de Perícias Médicas da Previdência Social, sugerindo, mediante atestado médico (próprio e/ou do Médico Assistente do trabalhador), determinado lapso de tempo para respectivo tratamento e recuperação. Por sua vez, o “Perito do INSS” nega esse afastamento. Assim, o trabalhador ficará, ao mesmo tempo, sem o recebimento do salário e do benefício previdenciário, ou seja, ficará no “limbo”.
Em minha última coluna, destaquei que, conforme a jurisprudência trabalhista dominante sobre o tema, a decisão do Perito Médico Federal prevalece, do ponto de vista legal, sobre a decisão do Médico do Trabalho/Médico Examinador (ou “Médico da Empresa”). Nos próximos parágrafos, veremos os fundamentos normativos desse posicionamento majoritário dos magistrados.
A Norma Regulamentadora n. 7 (NR-7) ainda vigente assim nos traz no item 7.4.4.3:
O ASO (Atestado de Saúde Ocupacional) deverá conter, no mínimo: (e) definição de apto ou inapto para a função específica que o trabalhador vai exercer, exerce ou exerceu.
Uma análise literal do referido texto nos sugere que essa definição de aptidão/inaptidão é prerrogativa do Médico do Trabalho/Médico Examinador, a quem coube a função de emitir o ASO.
No entanto, a Lei n. 11.907/2009, em seu art. 30, parágrafo 3º, assim coloca:
São atribuições essenciais e exclusivas dos cargos de Perito Médico Federal, (…) as atividades médico-periciais relacionadas com: (I) (a) a emissão de parecer conclusivo quanto à incapacidade laboral.
Ocorre que muitas vezes o INSS qualifica o segurado como “capaz” enquanto o Médico do Trabalho/Médico Examinador o julga como “inapto”. Conquanto estejamos tratando de legislações diferentes (previdenciária – Lei 11.907/2009, e trabalhista – NR-7), por terem repercussões fáticas interligadas (consubstanciadas no chamado “limbo”), entendo que verifica-se entre essas normas o que no estudo do Direito recebe o nome de antinomia, ou seja, a presença de duas normas conflitantes, gerando dúvidas sobre qual delas deverá ser aplicada no exemplo dado.
No caso em tela, a Lei n. 11.907/2009 goza de uma posição hierárquica privilegiada em nosso ordenamento jurídico, uma vez que se classifica como lei federal ordinária, enquanto que a NR-7 vigente foi editada por força da Portaria n. 24/1994, de lavra do então Ministério do Trabalho. Como hierarquicamente as leis ordinárias prevalecem sobre as portarias, juridicamente, deve prevalecer a Lei n. 11.907/2009.
Outras normativas corroboram no sentido de que a decisão do Perito Médico Federal deva, legalmente, prevalecer sobre a decisão do Médico do Trabalho/Médico Examinador, vejamos.
Lei n. 605/1949, art. 6º, § 2º:
“A doença será comprovada mediante atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado, e, na falta deste e sucessivamente, de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria; de médico da empresa ou por ela designado; de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública; ou não existindo estes, na localidade em que trabalhar, de médico de sua escolha”.
Essa lei deixa clara a hierarquia existente entre os atestados médicos para fins de justificativa de faltas ao trabalho (o que também entendo como “hierarquia legal das decisões médicas” e não apenas dos atestados médicos), na qual o atestado de médico da instituição da previdência social prevalece sobre o atestado de médico da empresa ou por ela designado (Médico do Trabalho ou Médico Examinador). Isso equivale dizer que a decisão proferida pelo médico da instituição da previdência social prevalece sobre a decisão proferida pelo “Médico da Empresa”. Mais uma vez enfatizo que minha interpretação é sobre a literalidade da Lei n. 605/1949, art. 6º, § 2º.
Súmula n. 15 do TST (Tribunal Superior do Trabalho):
“A justificação da ausência do empregado motivada por doença, para a percepção do salário-enfermidade e da remuneração do repouso semanal, deve observar a ordem preferencial dos atestados médicos, estabelecida em lei”.
A ordem dos atestados estabelecida em lei nos remete obrigatoriamente à Lei n. 605/1949 (vista anteriormente). Trata-se da única lei federal em que o ranking dos atestados médicos foi colocado. Em outras palavras, essa súmula diz que deve ser obedecida primeiro a decisão do Perito Médico Federal, para, só depois, a decisão do Médico do Trabalho/Médico Examinador. Importante lembrar que essa súmula foi reavaliada e ratificada pelo TST em 2003, o que mostra a inquestionável importância da Lei n. 605/49 ainda nos dias atuais.
Dessa forma, para evitar o “limbo” e suas consequências, qual a conduta mais apropriada para o Médico do Trabalho/Médico Examinador (que age como se empresa fosse, nos termos do Código Civil, art. 932, inciso III), com relação ao empregado, à própria empresa, e ao INSS? Entendo que, ao receber um empregado considerado “capaz” pelo serviço de Perícias Médicas da Previdência Social, caso julgue o mesmo trabalhador como “inapto”, o Médico do Trabalho/Médico Examinador deverá ter um protocolo próprio de ações legalmente embasadas, tanto para encaminhar suas próprias condutas, quanto para orientar corretamente cada um dos principais atores envolvidos.
Nos próximos textos, falarei sobre esse protocolo e suas justificativas, bem como os possíveis riscos jurídicos das condutas nele indicadas. Até lá!
Autor: Marcos Henrique Mendanha (Instagram: @professormendanha): Médico do Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito do Trabalho. Autor do livro “Limbo Previdenciário Trabalhista – Causas, Consequências e Soluções à Luz da Jurisprudência Comentada” (Editora JH Mizuno), e “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Coautor do livro “Desvendando o Burn-Out – Uma Análise Multidisciplinar da Síndrome do Esgotamento Profissional” (Editora LTr). Diretor e Professor da Faculdade CENBRAP. Mantenedor dos sites SaudeOcupacional.org e MedTV. Coordenador do Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas, e do Congresso Brasileiro de Psiquiatria Ocupacional. Diretor Técnico da ASMETRO – Assessoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda (Goiânia/GO). Colunista da Revista PROTEÇÃO.
Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista Marcos Henrique Mendanha, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.