Série “Limbo Previdenciário Trabalhista” – Texto 6
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No últimos textos que discorri nessa coluna, destaquei que a mais frequente situação de ocorrência do chamado limbo previdenciário trabalhista ocorre quando Perito Médico Federal (“Perito do INSS”) considera o trabalhador segurado como capaz (“apto”) e o Médico do Trabalho/Médico Examinador (comumente chamado de “Médico da Empresa”) qualifica este mesmo trabalhador como “inapto” para retornar à sua função. Assim, o trabalhador ficará, ao mesmo tempo, sem o recebimento do benefício previdenciário e também do seu salário, ou seja, ficará no “limbo”.
Concluí também, com as devidas justificativas, que, conforme a legislação e jurisprudência trabalhista dominante sobre o tema, a decisão do Perito Médico Federal prevalece, do ponto de vista legal e ético, sobre a decisão do Médico do Médico da Empresa, e deve, portanto, com todos os cuidados referentes à preservação da saúde do trabalhador, ser respeitada.
As consequências para o Médico da Empresa que, discordando da conduta do Perito Médico Federal, faz valer sua própria decisão variam, desde absolutamente nenhuma, até uma possível condenação judicial em ação regressiva movida pela empresa no sentido de reaver os prejuízos causados por essa discordância mantida. Para não me alongar demais, focarei apenas nessa última possibilidade.
Vejamos o julgado a seguir:
TRECHO DO ACÓRDÃO: “Incontroverso que foi negado ao obreiro o trabalho, impondo-lhe a inação e o prejuízo salarial. Jamais poderia o empregador simplesmente constatar a inaptidão o empregado e mandá-lo para casa, mormente sabendo que este já recebera do INSS o diagnóstico de apto. Ao adotar tal comportamento o empregador deixa obreiro entregue à sua própria sorte. Mas, não é só isso, mesmo quando o acolheu, nenhuma medida tomou para readaptá-lo impondo-lhe inação compulsória. O perito do juízo censura o comportamento do médico do trabalho da empresa. (…) Induvidoso que houve inércia do médico da empresa que simplesmente discordou do laudo do INSS, mas não tomou nenhuma providência para proteger a saúde do trabalhador, seja acolhendo-o em outra função, seja oferecendo um laudo, ou acompanhamento, ou qualquer outra medida que considerasse cabível para solver a questão do empregado, tudo, menos simplesmente cruzar os braços e abandoná-lo ao seu destino. A obrigação de indenizar, no caso em tela, mostra-se evidente, pois restaram caracterizados, de forma clara e irretorquível, os elementos componentes da responsabilidade civil, ou seja, uma ação ou omissão; a culpa imputável ao agente causador do dano; o dano em si e o nexo de causalidade, entre a ação ou omissão e o dano, tudo isso em estrita consonância com o disposto no art. 186 do Código Civil.” (Processo: 0000095-42.2012.5.03.0053 AIRR)
Este acórdão narra o caso de um empregado qualificado como “capaz” pelo INSS, e impedido de retornar às suas atividades laborais. Pergunto: quem constatou a “inaptidão” para retorno ao trabalho? Tenho por certo que foi o Médico da Empresa, que age como se empresa fosse, conforme interpretação extraída do art. 932, inciso III, do Código Civil. Não acredito que tenha havido nenhuma má intenção deliberada do Médico da Empresa. Ao contrário! Reputo sua conduta como certamente muito bem-intencionada.
Mas observem que a empresa foi condenada a indenizar o trabalhador em virtude do dano causado em razão de uma conduta afrontosa a hierarquia legal das decisões médicas (já abordada nos meus textos anteriores), mesmo com as nobres intenções do seu médico.
Como o empregador é o responsável maior por cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho dentro da empresa, nos termos do art. 157 da CLT, a condenação foi por ele custeada. No entanto, oportunamente, o empregador poderá entrar com uma ação contra esse Médico da Empresa no sentido de reaver o valor condenatório pago em virtude do equívoco cometido por este último. É o que chamamos de ação regressiva, prevista no art. 934 do Código Civil:
Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.
Embora ainda incomuns, ações como essa já começam a aparecer no Poder Judiciário. Isso ressalta a importância de o Médico da Empresa estar amparado legalmente em todas as suas condutas.
Reflexão oportuna: vale a pena o Médico da Empresa, mesmo que cheio de ótimas intenções, agir de forma afrontosa a hierarquia legal das decisões médicas (estampada na Lei n. 605/1949, art. 6º, § 2º), e assumir todas as consequências dessa atitude? Entendo que não.
Continuarei refletindo sobre o tema na próxima coluna. Até lá!
Autor: Marcos Henrique Mendanha (Instagram: @professormendanha): Médico do Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito do Trabalho. Autor do livro “Limbo Previdenciário Trabalhista – Causas, Consequências e Soluções à Luz da Jurisprudência Comentada” (Editora JH Mizuno), e “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Coautor do livro “Desvendando o Burn-Out – Uma Análise Multidisciplinar da Síndrome do Esgotamento Profissional” (Editora LTr). Diretor e Professor da Faculdade CENBRAP. Mantenedor dos sites SaudeOcupacional.org e MedTV. Coordenador do Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas, e do Congresso Brasileiro de Psiquiatria Ocupacional. Diretor Técnico da ASMETRO – Assessoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda (Goiânia/GO). Colunista da Revista PROTEÇÃO.
Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista Marcos Henrique Mendanha, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.