O surgimento do Limbo sanitário-trabalhista ocorre quando o empregado se encontra inapto ao trabalho devido a alguma medida sanitária, como aquela que ocorre com o grupo de risco COVID-19, porém possui capacidade laboral para desempenhar a atividade laboral pretendida.
Explico melhor: a Medicina do Trabalho faz a avaliação do candidato ou trabalhador quanto a aptidão para determinada função/atividade laboral. O médico examinador ou médico do trabalho é aquele que tem conhecimento do ambiente de trabalho assim como de suas atribuições e tarefas para desenvolvera sua atividade laboral.
Na avaliação de aptidão para o trabalho, avaliamos os riscos ocupacionais envolvidos assim como os aspectos físicos e psíquicos do examinado conforme sua atividade/função e o desenvolvimento desta.
A avaliação da aptidão leva em conta a individualidade do examinado em relação com a atividade desempenhada. No dicionário de língua portuguesa Michaelis, a palavra aptidão envolve: “Capacidade inata ou adquirida para determinada coisa” ou “Conjunto de capacidades necessárias para realizar determinada tarefa ou função; competência.”
Está claro que para avaliar a aptidão devemos levar em conta os riscos ocupacionais e os aspectos individuais do trabalhador/candidato assim como o local a ser desenvolvido a atividade.
Conforme manual do COVID do Ministério da saúde, assim como Manual da ANAMT (Associação Nacional de Medicina do Trabalho) publicado em 11/05/2020; Portaria conjunta N. 20 do Ministério da Economia e Secretaria Especial de Previdência e Trabalho publicada em 18/06/2020; Biblioteca virtual de Saúde da Atenção Primária publicada em 26/08/2020; Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra COVID-19, uma das medidas adotadas para o enfrentamento ao COVID-19 é o estabelecimento das doenças/situações enquadradas como grupos de risco para o COVID 19.
O Grupo de risco engloba as patologias/situações: Idade superior a 60 anos; Doenças cardíacas descompensadas; Doença cardíaca congênita; Insuficiência cardíaca mal controlada; Doença cardíaca isquêmica descompensada; Doenças respiratórias descompensadas; DPOC e asma mal controlados ; Doenças pulmonares intersticiais com complicações; Fibrose cística com infecções recorrentes; Displasia broncopulmonar com complicações; Doenças renais crônicas em estágio avançado (graus 3,4,5); Pacientes em diálise; Imunossupressos; Transplantados de órgãos sólidos e de medula óssea; Imunossupressão por doenças e/ou medicamentos (em vigência de quimioterapia/radioterapia, entre outros medicamentos); Portadores de doenças cromossômicas e com estados de fragilidade imunológica (ex: Síndrome de Down); Diabetes (conforme juízo clínico); Obesidade mórbida com IMC >= 40; Gestante de alto risco e mais recentemente, com a Nota técnica do Ministério Público do Trabalho, todas as gestantes.
Cabe salientar que a pessoa que se encontra no grupo de risco possui mais chance de agravamento da doença, caso seja infectada pelo COVID-19, mas não necessariamente encontra-se em condição de incapacidade laboral, sendo esta condição avaliada por médico assistente, médico do trabalho ou perito médico federal.
As orientações contidas nas portarias, nota técnica e manuais referidos acima é de que os trabalhadores que estejam no grupo de risco sejam preferencialmente escalonados para trabalhos em home-office ou tele trabalho e na impossibilidade deste, sucessivamente: trabalho em local sem contato ao público ou afastamento de suas atividades sem prejuízo a sua remuneração.
Ocorre que, para as pessoas que não possuem, dentro de suas atividades laborais, a possibilidade de teletrabalho ou trabalho sem contato ao público, ficam a mercê de afastamento como licença remunerada, pois aqui não cabe o encaminhamento a perícia médica federal, uma vez que a pessoa encontra-se capaz para exercer a sua atividade, no entanto, o que a impede de realizar, são medidas sanitárias abordadas nos materiais já mencionados. Portanto, para a pessoa que já está empregada, parece-me o caminho mais certeiro a licença remunerada, fazendo com que a empresa exerça seu papel de solidariedade, mantendo a pessoa em seu quaro de empregados, sem ter a devida contrapartida de prestação de serviço.
Agora, e para quem está em busca de uma oportunidade no mercado de trabalho? Como fica esse candidato? Se de um lado, o médico do trabalho poderá considerar a pessoa inapta para aquela atividade que está pleiteando a vaga, por outro lado, ela não se encontra incapaz ao ponto de requer junto ao INSS um auxílio doença previdenciário temporário.
Isso ocorre uma vez que a pessoa encontra-se capaz, porém inapta para aquela determinada atividade, ou melhor, para aquela determinada tarefa, naquela determinada situação.
Vejamos um exemplo: um candidato apresenta-se para o exame admissional de uma empresa, na atividade de auxiliar de produção, estando ela dentro do grupo de risco. O médico do trabalho irá avaliar a disponibilidade de realizar o trabalho sem contato ao público. Em algumas empresas, onde há separação das células de trabalho, isso é perfeitamente viável. Logo, este candidato, mesmo estando no grupo de risco, poderia ser considerada APTO, uma vez que a atividade a ser desenvolvida não está atrelada ao contato ao público.
Por outro lado, se o ambiente fabril não possui a separação de células e este candidato vai entrar em contato direto e contínuo com os outros trabalhadores, este candidato estaria INAPTO para aquela determinada atividade.
Observamos que neste segundo caso, mesmo o candidato estando CAPAZ de realizar e desenvolver todas as atividades, estaria INAPTO pois a empresa/médico do trabalho não poderá expor este candidato, conforme manuais e outros citados acima (condizente com normativas sanitárias), a desenvolver a sua atividade naquele ambiente de contato ao público. Isso gera um limbo sanitário-trabalhista.
Temos que ter em mente que não poderá a empresa considerá-lo apto sem que o candidato consiga realmente desenvolver a suas atividades pelas quais foi contratado no exame admissional. Por outro lado, a empresa não poderá contratar em seu quadro de empregados um candidato considerado INAPTO para desenvolver aquela atividade, ainda que o desejo da empresa seja de realizar a remuneração deste candidato, conforme os outros empregados de grupo de risco, pois no preenchimento do E-social da empresa, deverá constar a aptidão do Atestados de Saúde Ocupacional (ASO) do candidato, além das demais implicações trabalhistas para esta situação.
Convido a uma reflexão sobre este cenário e se, nestes casos, não deveria a Previdência Social, em seu papel primordialmente social, proporcionar a este candidato um auxílio remunerado? Sugiro, ainda, que este candidato realize perícia médica para revalidar a constatação do grupo de risco, assim como avaliar, através de carta emitida pelo médico do trabalho ou empresa, as condições expostas para o desenvolvimento da atividade. A de se pensar que este auxílio teria caráter temporário, até que o candidato seja novamente inserido no mercado de trabalho ou até que haja uma mudança nos padrões sanitaristas, permitindo que o grupo de risco possa novamente ser exposto ao contato do público em geral ou até mesmo, que seja abolido.
Referências:
https://www.gov.br/saude/pt-br/media/pdf/2020/dezembro/16/plano_vacinacao_versao_eletronica.pdf Acessado em 02/02/21
https://www.anamt.org.br/portal/wp-content/uploads/2020/05/PARTE2_GUIA_CORONA_VIRUS_2020_v2-1.pdf Acessado em 02/02/2021
https://www.gov.br/saude/pt-br/media/pdf/2020/novembro/03/manual_como-organizar-o-cuidado-de-pessoas-com-doencas-cronicas-na-aps-no-contexto-da-pandemia.pdf Acessado em 02/02/21
https://www.gov.br/trabalho/pt-br/inspecao/seguranca-e-saude-no-trabalho/canpat-2/canpat-1/canpat_2020_live_20_08_2020_prevencao-e-controle-dos-riscos-de-transmissao-da-covid-19-nos-ambientes-de-trabalho.pdf Acessado em 02/02/2021
PORTARIA Nº 2.994, DE 29 DE OUTUBRO DE 2020 do Ministério da Saúde/Gabinete do Ministro
Portaria Conjunta MS/SEPRT nº 20 DE 18/06/2020
NOTA TÉCNICA 01/2021 DO GT NACIONAL COVID-19 publicado em 14/01/2021
Autora: Dra. Ana Paula Waldrich – Médica Especialista em Medicina do Trabalho, Perita Judicial, Pós graduada em perícia trabalhista pela ACAMT, Pós graduanda em Psiquiatria pelo CENBRAP, Professora de curso de pós graduação pela Católica/SC e pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, Membro da Associação Nacional de Medicina do Trabalho – ANAMT e Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP.
Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal da autora, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.