30 ago 2021

Resolução CFM 2.297/21 comentada “ponto a ponto”

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Prezados leitores.

Ofereço-lhes meus comentários, sempre passivos de toda crítica, sobre a nova e importante Resolução CFM n. 2.297/2021, que versa, de forma atualizada, sobre normas específicas para médicos que atendem os trabalhadores.

A Resolução CFM n. 2.297/2021 revogou a Resolução CFM n. 2.183/2018, que por sua vez fez o mesmo com a histórica Resolução CFM n. 1.488/1998, que tratava do mesmo tema.

Ressalto que os comentários são de minha autoria e, portanto, refletem unicamente as minhas impressões pessoais.

Lembro ainda que os comentários realizados não têm a pretensão de esgotar todas as análises possíveis sobre os verbetes avaliados e tampouco citar a totalidade de amparos normativos sobre eles.

Aos que se interessarem, desejo uma ótima leitura!

Autor: Marcos Henrique Mendanha (Instagram: @professormendanha): Médico do Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito do Trabalho. Autor do livro “Limbo Previdenciário Trabalhista – Causas, Consequências e Soluções à Luz da Jurisprudência Comentada” (Editora JH Mizuno), e “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Coautor do livro “Desvendando o Burn-Out – Uma Análise Multidisciplinar da Síndrome do Esgotamento Profissional” (Editora LTr). Diretor e Professor da Faculdade CENBRAP. Mantenedor dos sites SaudeOcupacional.org e MedTV. Coordenador do Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas, e do Congresso Brasileiro de Psiquiatria Ocupacional. Diretor Técnico da ASMETRO – Assessoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda (Goiânia/GO). Colunista da Revista PROTEÇÃO.

Resolução CFM n. 2.297, de 05/08/2021 (DOU: 18/08/2021)

Art. 1º Aos médicos do trabalho e demais médicos que atendem o trabalhador, independentemente do local em que atuem, cabe:

I – assistir ao trabalhador, elaborar seu prontuário médico e fazer todos os encaminhamentos devidos;

Comentário:  Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Esse texto está amparado pelo art. 2 da Lei 12.842/2013 (Lei do Ato Médico) e artigos 86, 87 e 91 do Código de Ética Médica (CEM), além dos artigos 1 e 3 da Resolução CFM n. 1.658/2002.

II – fornecer atestados e pareceres para o trabalhador sempre que necessário, considerando que o repouso, o acesso a terapias ou o afastamento da exposição nociva faz parte do tratamento;

Comentário: A revogada Resolução CFM n. 1.488/1998 dizia: “fornecer atestados e pareceres para o afastamento do trabalho sempre que necessário”. Já a presente resolução mantém o texto da também revogada Resolução CFM n. 2.183/2018 e coloca “fornecer atestados e pareceres para o trabalhador sempre que necessário”. Texto acertado na minha opinião, já que atestados e pareceres são partes integrantes do ato médico e devem ser confeccionados sempre que necessário, e não apenas quando houver necessidade de afastamento ao trabalho, nos termos dos artigos 86 e 91 do CEM e nos artigos 1 e 3 da Resolução CFM n. 1.658/2002.

III – fornecer laudos, pareceres e relatórios de exame médico e dar encaminhamento, sempre que necessário, dentro dos preceitos éticos;

Comentário: A revogada Resolução CFM n. 1.488/1998 dizia: “fornecer laudos, pareceres e relatórios de exame médico e dar encaminhamento, sempre que necessário, para benefício do paciente e dentro dos preceitos éticos, quanto aos dados de diagnóstico, prognóstico e tempo previsto de tratamento.” Já a presente resolução mantém o texto da também revogada Resolução CFM n. 2.183/2018 e coloca: “fornecer laudos, pareceres e relatórios de exame médico e dar encaminhamento, sempre que necessário, dentro dos preceitos éticos”. Pra mim, o texto ficou mais sucinto e evita redundância, pois ao evocar os “preceitos éticos” já se impõe que tudo deve ser feito para o benefício do paciente (princípio bioético da beneficência, um dos princípios norteadores do Código de Ética Médica). O texto também é amparado pelos artigos 86 e 91 do CEM e pelos artigos 1 e 3 da Resolução CFM n. 1.658/2002.

IV – promover, com a ciência do trabalhador, a discussão clínica com o especialista assistente do trabalhador sempre que julgar necessário e propor mudanças no contexto do trabalho, quando indicadas, com vistas ao melhor resultado do tratamento.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Observando o direito ao sigilo profissional evocado no art. 73 do CEM, o texto enfatiza (acertadamente, na minha opinião) a necessidade da discussão clínica entre o médico que atende o trabalhador para as empresas (ex.: médico do trabalho) e o médico especialista assistente que acompanha o trabalhador (ex.: ortopedista, psiquiatra, etc.). O texto termina enaltecendo uma das mais importantes funções do médico do trabalho: propor mudanças no contexto ocupacional, quando indicadas, em sintonia com o que ensina o Princípio Fundamental n. 12 do Código de Ética Médica, e o item 7.4.8 da vigente Norma Regulamentadora n. 7 (NR-7) (e itens 7.3.2 e 7.5.19.5 da “nova NR-7”, prevista para entrar em vigência em 2022).

§ 1º Quando requerido pelo paciente, deve o médico pôr à sua disposição ou à de seu representante legal tudo o que se refira ao seu atendimento, em especial cópia dos exames e do prontuário médico.

Comentário:  Nada mudou. Trecho transcrito da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018, que por sua vez também transcreveu da Resolução CFM n. 1.488/1998, apenas com o acréscimo de “ou à seu representante legal”. Texto amparado pelo art. 88 do CEM e pelo art. 3 da Resolução CFM n. 1.658/2002.

§ 2º Na elaboração do atestado médico, deve o médico assistente observar o contido na Resolução CFM nº 1.658/2002, alterada pela Resolução CFM nº 1.851/2008.

Comentário: Nenhuma novidade, já que as resoluções citadas normatizam a emissão de atestados médicos. O texto apenas as enfatiza.

§ 3º O médico do trabalho pode discordar dos termos de atestado médico emitido por outro médico, desde que justifique a discordância, após o devido exame clínico do trabalhador, assumindo a responsabilidade pelas consequências do seu ato.

Comentário: Texto transcrito da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018, que por sua vez o transcreveu, sem alterações, da ementa do Parecer CFM n. 10/2012. Este texto está em alinho com o art. 6 da Lei 605/1949, art. 60 da Lei 8.213/1991 e Súmula n. 15 do TST. Na minha opinião, o texto é bem-vindo pela clareza e objetividade quanto ao tema, mantendo-o no patamar de uma resolução (e não apenas de um parecer).

§ 4º O médico do trabalho, ao ser solicitado pelo médico assistente do trabalhador, deverá produzir relatório com descrição dos riscos ocupacionais e da organização do trabalho e entregá-lo ao trabalhador ou ao seu responsável legal, em envelope lacrado endereçado ao médico solicitante, de forma confidencial.

Comentário: Texto transcrito, sem alterações, da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Ele versa sobre os riscos ocupacionais e da organização do trabalho (que também devem ser assinalados e descritos em documentos já alcançáveis aos trabalhadores e empregadores, tais como: PPRA/PGR, PCMSO, ASO, Laudo Ergonômico, etc.), ou seja, são informações não sigilosas (não protegidas pelo sigilo médico). Assim, o fato de o envelope ser lacrado e endereçado ao médico assistente apenas protege dados relativos à empresa, o que não é necessariamente errado, já que muitas empresas possuem até cláusulas de confidencialidade entre seus empregados (o que inclui os médicos do trabalho por ela contratados) e pessoas alheias à empresa (como seria o caso do médico assistente do trabalhador). Na mesma linha vem o item 13 do Código de Conduta do Médico do Trabalho (ANAMT): “É dever do médico do trabalho manter sigilo das informações confidenciais da empresa, técnicas e administrativas, de que tiver conhecimento no exercício de suas funções, exceto nos casos em que este sigilo cause dano à saúde do trabalhador ou da comunidade”.

O mais importante aqui é destacar que o artigo 12 do Código de Ética Médica estabelece que o médico (seja o médico do trabalho, o “médico examinador” ou o médico assistente) é obrigado a comunicar o trabalhador sobre as condições de trabalho que ponham em risco sua saúde, devendo comunicar o fato aos empregadores responsáveis. Se o fato persistir, é dever do médico comunicar o ocorrido às autoridades competentes e ao Conselho Regional de Medicina. Na mesma esteira, o artigo 13 do CEM estabelece que o médico (seja o médico do trabalho, o “médico examinador” ou o médico assistente) deve esclarecer ao seu paciente sobre as determinantes sociais, ambientais ou profissionais de sua doença.

§ 5º O médico assistente ou especialista, ao ser solicitado pelo médico do trabalho, deverá produzir relatório ou parecer com descrição dos achados clínicos, prognóstico, tratamento e exames complementares realizados que possam estar relacionados às queixas do trabalhador e entregar a ele ou ao seu responsável legal, em envelope lacrado endereçado ao médico solicitante, de forma confidencial.

Comentário: Texto transcrito, sem alterações, da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Lido isoladamente, esse texto deixa a impressão de que, quando o médico do trabalho solicitar dados confidenciais do trabalhador ao médico assistente, este último estará obrigado a fazê-lo, independente da autorização do trabalhador, sob pena de incorrer em infração ética.

No meu entender, sendo um parágrafo do inciso IV do art. 1, esse texto precisa ser interpretado considerando a necessidade da “ciência do trabalhador” (como diz o próprio inciso IV). Na mesma linha, o art. 73 do Código de Ética Médica proíbe o médico (incluindo o médico assistente) de “revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente”.

Com o mesmo entendimento vem o Código Internacional de Ética para os Profissionais de Saúde no Trabalho (ICOH, versão atualizada em 2016), ao afirmar que “os médicos do trabalho podem buscar informação médica adicional ou informações registradas em prontuários do trabalhador, que estejam com seu médico particular ou com o hospital onde costuma ser atendido, desde que haja o consentimento informado do trabalhador, e desde que o único propósito seja o de proteger a saúde deste trabalhador.

Portanto o médico assistente só deve abrir dados sigilosos do seu paciente nessas condições, ainda que diante de uma solicitação do médico do trabalho o que, como regra, não entra no conceito trazido pelo art. 73 do CEM de “motivo justo” para quebra de sigilo médico. Fosse essa permissão dada de forma genérica ao médico do trabalho, o art. 73 do CEM deveria ser reescrito para proibir o médico (qualquer médico) de “revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal, solicitação do médico do trabalho, ou consentimento, por escrito, do paciente”. Sabemos que não é assim.

Se a solicitação do médico do trabalho não é, o que seria um “motivo justo” para o médico assistente revelar dados sigilosos do seu paciente? Por “motivo justo ou justa causa” entendemos uma razão superior relevante (onde o interesse coletivo supera o interesse do sigilo individual), ou um estado de necessidade, por exemplo, informação ao parceiro de paciente com doença contagiosa (nos termos do art. 154 do Código Penal). Podemos considerar também “motivo justo” para a quebra do sigilo médico quando a manutenção deste sigilo colocar em risco a saúde do próprio trabalhador ou da comunidade, conforme evocado pelo art. 76 do CEM.

Destaco que a regra da confidencialidade envolve médico e paciente, e não médico e médico. Caso fosse entre médico e médico, num grupo de whatsapp formado apenas por médicos, por exemplo, não haveria sigilo médico a ser resguardado, o que não é verdade. Pra ficar adequado ao Código de Ética Médica, eu sugeriria um ligeiro ajuste no texto deste § 5º, no sentido de evitar qualquer interpretação equivocada. Ficaria assim: “O médico assistente ou especialista, ao ser solicitado pelo médico do trabalho e com consentimento, por escrito do paciente, deverá produzir relatório ou parecer com descrição dos achados clínicos, prognóstico, tratamento e exames complementares realizados que possam estar relacionados às queixas do trabalhador e entregar a ele ou ao seu responsável legal, em envelope lacrado endereçado ao médico solicitante, de forma confidencial.” Fica essa sugestão de redação para análise futura do CFM.

Art. 2º Para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além da anamnese, do exame clínico (físico e mental), de relatórios e dos exames complementares, é dever do médico considerar:

Comentário: Texto transcrito, sem alterações, da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018 que, por sua vez, adicionou os termos “anamnese” e “relatórios” no texto trazido pela também revogada Resolução CFM n. 1.488/1998. Considero essa manutenção do texto adequada.

I – a história clínica e ocupacional atual e pregressa, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal;

Comentário: Texto transcrito, sem alterações, da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018 que, por sua vez, acrescentou que devem ser analisadas as histórias clínica e ocupacional, atual e pregressa. Considero essa manutenção do texto adequada.

II – o estudo do local de trabalho;

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018, que por sua vez também o transcreveu, sem alterações, da Resolução CFM n. 1.488/1998. Considero essa manutenção do texto adequada.

III – o estudo da organização do trabalho;

Comentário: Nada mudou. Transcrição literal da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018, que por sua vez também o transcreveu, sem alterações, da Resolução CFM n. 1.488/1998. Considero essa manutenção do texto adequada.

IV – os dados epidemiológicos;

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018, que por sua vez também o transcreveu, sem alterações, da Resolução CFM n. 1.488/1998. Considero essa manutenção do texto adequada.

V – a literatura científica;

Comentário: Texto transcrito, sem alterações, da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018 que, por sua vez, substituiu “literatura atualizada” por “literatura científica” em relação a também revogada Resolução CFM n. 1.488/1998. Na minha opinião, talvez ficasse melhor o termo “literatura científica referendada pela ampla comunidade acadêmica e sociedades médicas”. Isto porque, conforme um dos mais importantes ensinamentos trazidos pela pandemia da COVID-19, para uma literatura ser confiável, não basta que ela seja meramente “científica”. É preciso que ela tenha um robusto lastro científico para seu uso seguro e reprodutível. Fica essa sugestão de redação para análise futura do CFM.

VI – a ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhadores expostos a riscos semelhantes;

Comentário: Texto transcrito, sem alterações, da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018 que, por sua vez, adequou a revogada Resolução CFM n. 1.488/1998. Esta última colocava: “a ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhador exposto a condições agressivas”. Acredito ter sido uma adequação acertada pois a investigação do nexo de (con)causalidade entre uma doença e um determinado trabalho deve considerar, conforme ampla e predominante literatura científica, os eventuais impactos dos riscos ocupacionais sobre a mesma população de trabalhadores da qual faz/fazia parte o interessado, ou seja, em trabalhadores expostos a riscos semelhantes. Ficou mais claro agora. O termo “condições agressivas” era inespecífico e genérico. Considero essa manutenção do texto adequada.

VII – a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes e outros;

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018, que por sua vez também o transcreveu, sem alterações, da Resolução CFM n. 1.488/1998. Apenas como sugestão futura ao CFM, acredito que o termo “estressantes” possa ser substituído por “ergonômicos”, um nome mais técnico e que inclui a chamada “ergonomia cognitiva” (que envolve os processos mentais).

VIII – o depoimento e a experiência dos trabalhadores;

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018, que por sua vez também o transcreveu, sem alterações, da Resolução CFM n. 1.488/1998. Considero essa manutenção do texto adequada.

IX – os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou não da área da saúde.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018, que por sua vez também o transcreveu, sem alterações, da Resolução CFM n. 1.488/1998. Considero essa manutenção do texto adequada.

Parágrafo único. Ao médico assistente é vedado determinar nexo causal entre doença e trabalho sem observar o contido neste artigo e seus incisos.

Comentário: O caput do art. 2 desta Resolução CFM n. 2.297/2021 já estabelece que o médico (qualquer um, inclusive o assistente) deve observar todos os nove incisos acima para determinar nexo causal entre doença e trabalho. Acredito que esse parágrafo único tenha sido propositalmente redundante para chamar a atenção dos médicos assistentes quanto ao tema. Estratégia acertada e oportuna, na minha opinião.

Art. 3º Os médicos do trabalho e os demais médicos que atendem os trabalhadores de empresas e instituições, que admitem trabalhadores independentemente de sua especialidade, devem:

Comentário: Texto transcrito, sem alterações, da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018 que, por sua vez, adequou a revogada Resolução CFM n. 1.488/1998. Esta última colocava que: “Aos médicos que trabalham em empresas, independentemente de sua especialidade, é atribuição: (…)”. Gostei da inclusão da palavra “instituições” na Resolução CFM n. 2.183/2018, pois alargou o escopo do artigo para médicos que atuam em instituições públicas e do terceiro setor. Mas acredito que se manteve agora um erro de colocação da vírgula nesse texto. Ficaria correto se a vírgula estivesse após o termo “admitem trabalhadores”, e não após a palavra “instituições”. Do jeito que está, o texto direciona-se apenas “aos médicos que admitem trabalhadores”, o que não é coerente sob nenhum aspecto.

I – atuar visando essencialmente a promoção da saúde e a prevenção da doença, conhecendo, para tanto, os processos produtivos e o ambiente de trabalho da empresa.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018, que por sua vez também o transcreveu, sem alterações, da Resolução CFM n. 1.488/1998. Considero essa manutenção do texto adequada.

II – promover o esclarecimento e prestar as orientações necessárias sobre a condição dos trabalhadores com deficiência, idosos e/ou com doenças crônico-degenerativas e gestantes; e promover a inclusão destes no trabalho, participando do processo de adaptação do trabalho ao trabalhador, quando necessário.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito (com pequenos ajustes de redação) da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. O texto está em sintonia com os ensinamentos do Princípio Fundamental n. 12 e art. 12 do Código de Ética Médica, do item 7.4.8 da NR-7 (e itens 7.3.2 e 7.5.19.5 da “nova NR-7”, prevista para entrar em vigência em 2022), e do Código Internacional de Ética para os Profissionais de Saúde no Trabalho (ICOH, versão atualizada em 2016).

III – dar conhecimento formalmente aos empregadores, aos trabalhadores e às comissões internas de prevenção de acidentes sobre os riscos existentes no ambiente de trabalho, informações da vigilância epidemiológica e outros informes técnicos, desde que resguardado o sigilo profissional.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018, que por sua vez adequou o texto da Resolução CFM n. 1.488/1998. Esta última colocava: “dar conhecimento aos empregadores, trabalhadores, comissões de saúde, CIPAS e representantes sindicais, através de cópias de encaminhamentos, solicitações e outros documentos, dos riscos existentes no ambiente de trabalho, bem como dos outros informes técnicos de que dispuser, desde que resguardado o sigilo profissional”. A mudança principal da Resolução CFM n. 2.183/2018 foi relativa aos atores a quem o médico deve dar conhecimento sobre os riscos existentes no ambiente de trabalho, que passaram a ser somente: empregadores, trabalhadores e CIPAs. Com o advento da terceirização, da reforma trabalhista e da atual dinâmica do mercado do trabalho, penso que foi uma modificação que se atualizou em relação a atual legislação. Frisa-se aqui que os atores mais interessados mantêm-se contemplados: empregadores e trabalhadores. À partir deles, essas informações continuam podendo ser repassadas para representantes sindicais, membros de comissões de saúde diversas, etc.

IV – Notificar, formalmente, o empregador quando da ocorrência ou de sua suspeita de acidente ou doença do trabalho para que a empresa proceda a emissão de Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT), devendo deixar registrado no prontuário do trabalhador.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018, que por sua vez adequou o texto da Resolução CFM n. 1.488/1998. Esta última, assinalava que aos médicos que trabalhavam nas empresas cabia “promover a emissão de Comunicação de Acidente do Trabalho, ou outro documento que comprove o evento infortunístico, sempre que houver acidente ou moléstia causada pelo trabalho.” A dúvida ainda vigente é: os médicos do trabalho e os demais médicos que atendem os trabalhadores devem emitir (eles mesmos) a CAT ou apenas comunicar aos empregadores sobre o acidente ou doença de trabalho, para que estes emitam a CAT, como estabelece a Resolução CFM n. 2.297/2021? O item 7.4.8 da NR-7 estabelece que o médico coordenador do PCMSO ou seu encarregado deve solicitar à empresa a emissão da CAT, o que é ratificado pelo item 7.5.19.5 da “nova NR-7”, prevista para entrar em vigência em 2022. Portanto, a nova Resolução CFM n. 2.297/2021 não erra quando estabelece que o médico deve notificar formalmente o empregador para que este emita a CAT. O ato ainda deve ser resguardado pelo registro no prontuário, como bem registra a nova norma do conselho.

Mas vislumbro uma discussão futura: a Resolução CFM n. 2.297/2021 permite que o médico promova (ele mesmo) a emissão da CAT ou proíbe que o médico promova a emissão da CAT? Na minha opinião, a norma apenas permite que o médico não promova (ele mesmo) a emissão da CAT, já que este profissional continua tendo a prerrogativa de promover a emissão do documento, conforme Instrução Normativa INSS n. 77/2015, arts. 330 e 331.

Observem também que o texto faz referência à situações de “ocorrência ou de sua suspeita de acidente ou doença do trabalho”. Ficou impreciso, já que não se notifica suspeita de acidentes de trabalho típicos (ou tipo). Ao contrário, estes só são comunicados quando consumados. As doenças ocupacionais ou relacionadas ao trabalho (que abrangem as doenças profissionais e as doenças do trabalho, nos termos do art. 20 da Lei 8.213/1991), estas sim devem ser notificadas quando confirmadas ou objetos de suspeita, nos termos do art. 169 da CLT.

V – Notificar formalmente os agravos de notificação compulsória ao órgão competente do Ministério da Saúde quando suspeitar ou comprovar a existência de agravos relacionados ao trabalho, bem como notificar formalmente ao empregador a adoção dos procedimentos cabíveis, independentemente da necessidade de afastar o empregado do trabalho, devendo registrar tudo em prontuário.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. O texto praticamente reproduz o que já apregoava a revogada Resolução n. 1.488/1998, com alguns ajustes na redação. O texto ficaria ainda melhor escrito se fosse colocado da seguinte forma: “Notificar formalmente ao órgão competente do Ministério da Saúde quando suspeitar ou comprovar a existência de agravos relacionados ao trabalho que sejam de notificação compulsória, (…)”. Isto porque, atualmente, nem todos os agravos relacionados ao trabalho são de notificação compulsória para o Ministério da Saúde. Tais agravos devem sim ser continuamente monitorados, por meio de estratégias de vigilância em Saúde do Trabalhador, através das chamadas “unidades sentinelas” (nos termos da Portaria de Consolidação MS n. 05/2017, que incorporou a Portaria MS n. 205/2016), mas não devem necessariamente notificados compulsoriamente.

Quanto a proposição de melhorias no ambiente de trabalho, o texto encontra respaldo no Princípio Fundamental n. 12 do Código de Ética Médica, no item 7.4.8 da NR-7 e itens 7.3.2 e 7.5.19.5 da “nova NR-7”, que está prevista para entrar em vigência em 2022.

Art. 4º Compete ao médico do trabalho avaliar as condições de saúde do trabalhador para determinadas funções e/ou ambientes, propondo sua alocação para trabalhos compatíveis com seu atual estado de saúde, orientando-o, bem como ao empregador ou chefia imediata, se necessário, em relação ao processo de adaptação do trabalho.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito (com pequenos ajustes de redação) da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018 que, por sua vez, adequou o texto trazido na revogada Resolução n. 1.488/1998. Esta última afirmava que competia aos médicos que trabalhavam em empresas, independentemente de sua especialidade, “avaliar as condições de saúde do trabalhador para determinadas funções e/ou ambientes, indicando sua alocação para trabalhos compatíveis com suas condições de saúde, orientando-o, se necessário, no processo de adaptação”. O texto restringiu essa competência apenas aos médicos do trabalho. Para estar mais ajustado a prática cotidiana, penso que seria melhor manter a competência aberta para “médicos que trabalham em empresas, independentemente de sua especialidade”, pois assim incluiríamos, no mínimo, a figura do chamado “médico examinador”, de quem não se pode extrair essa responsabilidade.

Art. 5º Os médicos do trabalho, como tais reconhecidos por lei, especialmente investido na função de Coordenador do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), estarão obrigados a fazerem-se presentes, com a regularidade que for necessária, nas empresas e em suas filiais para coordenarem o referido programa, estando devidamente inscrito nos conselhos regionais de medicina dos estados em que estiver atuando.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito (com pequenos ajustes de redação) da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018 que, por sua vez, trouxe aqui algo não contemplado pela revogada Resolução n. 1.488/1998.

Podemos dividir o texto deste art. 5 em duas partes. Primeira: “os médicos do trabalho, como tais reconhecidos por lei, especialmente investido na função de Coordenador do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) [ou “responsável pelo PCMSO”, como designado pela “nova NR-7”, prevista para entrar em vigor em 2022], estarão obrigados a fazerem-se presentes, com a regularidade que for necessária, nas empresas e em suas filiais para coordenarem o referido programa”. Particularmente, estou de acordo, sobretudo pelo fato de que a mensagem literal do texto é pela obrigatoriedade presencial apenas quando esta for necessária. Assim, o próprio texto deve ser interpretado à luz do momento tecnológico atual. Isto posto, é preciso reconhecer que, dependendo do caso concreto, há a possibilidade de o médico do trabalho coordenar e responsabilizar-se por vários PCMSOs (e bem!) à distância, fazendo o bom uso dos recursos (humanos e tecnológicos) disponíveis. Assim, a presencialidade deste profissional pode, nesses casos, não ser tecnicamente necessária.

A segunda parte do art. 5 da Resolução 2.297/2021 merece uma avaliação particular. Há necessidade legal e ética do médico do trabalho realizar inscrições nos CRMs dos estados em que estiver atuando como coordenador/responsável dos/pelos PCMSOs? No caso de um médico do trabalho cuja empresa tenha uma filial por estado, deverá ele estar inscrito em todos os CRMs do país? Com todo respeito aos que discordam, penso que não. E justifico abaixo.

Diz o art. 18, § 2º, da Lei 3.268/1957: “Se o médico inscrito no Conselho Regional de um Estado passar a exercer, de modo permanente, atividade em outra região, assim se entendendo o exercício da profissão por mais de 90 (noventa) dias, na nova jurisdição, ficará obrigado a requerer inscrição secundária no quadro respectivo, ou para ele se transferir, sujeito, em ambos os casos, à jurisdição do Conselho local pelos atos praticados em qualquer jurisdição.” Enfatizando a necessidade de habitualidade/permanência do exercício médico como condição para necessidade da inscrição secundária, o art. 3 da Resolução CFM n. 1.948/2010 estabelece que “o médico que exerça a medicina de forma habitual em mais de um estado da Federação deverá requerer inscrição secundária, ainda que o somatório anual descontínuo não ultrapasse o período de 90 (noventa) dias”. Pra mim, “de modo permanente” ou “de forma habitual” são termos que não se equivalem à “com a regularidade que for necessária”, como estabelece este art. 5 da Resolução 2.297/2021.

No meu compreender, um médico pode estar presente em uma empresa com a regularidade que for necessária, sem que isso se configure um exercício de modo permanente ou habitual, ou seja, sem que tenha necessariamente que ter inscrição secundária naquele local.

Já o art. 2 da Resolução CFM n. 1.948/2010 afirma que “aos médicos peritos, auditores, integrantes de equipes de transplante, equipes desportivas, ou aqueles que se deslocam temporariamente acompanhando eventos artísticos e sociais, e integrantes de equipes médicas de ajuda humanitária em caráter beneficente, pertencentes a entes públicos, empresas de âmbito nacional ou ainda aqueles contratados como assistentes técnicos em perícias cíveis e criminais, de modo temporário e excepcional, poderá ser concedido o visto provisório de forma fracionada, respeitado o período total de 90 (noventa) dias em um mesmo ano”. Assim, quando for o caso, me parece que este visto provisório de forma fracionada é o mais adequado para médicos do trabalho (que coordenem ou se responsabilizem pelos PCMSOs) quando em atendimentos diretos e presenciais (e não através de telemedicina, tema que abordarei adiante, nos comentários do art. 6, inciso I), realizados juntos aos trabalhadores, nas empresas situadas em outras unidades da federação.

Vale aqui uma análise mais aprofundada. Percebam que os médicos elencados no art. 2 da Resolução CFM n. 1.948/2010 (vide acima) “se deslocam” entre unidades da federação e estão prioritariamente envolvidos com atendimentos diretos à pacientes ou periciandos. Vale refletir então: a realização da visita técnica pelo médico coordenador ou responsável pelo PCMSO em outro estado (sem atendimento direto aos trabalhadores) é motivo suficiente para requerer o visto provisório de forma fracionada? Também com respeito aos discordantes, penso que não.

O PCMSO e suas regras estão estabelecidos através da NR-7 (lembrando que a “nova NR-7”, está prevista para entrar em vigor em 2022). E com base no já aludido Despacho MTb/SSST n. 01/1996 “o médico do trabalho coordenador pode elaborar e ser responsável pelo PCMSO de várias empresas, filiais, unidades, frentes de trabalho, inclusive em várias Unidades da Federação”. Por outro lado, o profissional encarregado pelo médico coordenador (o chamado “médico examinador”) para atender presencial e diretamente aos trabalhadores, realizar os exames médicos e assinar os respectivos ASOs, deve estar registrado no CRM da Unidade da Federação em que atua. Esse entendimento me parece estar mais alinhado com o regramento do art. 2 da Resolução CFM n. 1.948/2010, já que estabelece a obrigação de inscrição no CRM local apenas sobre quem, de fato, atende diretamente aos trabalhadores.

Fazendo uma grossa analogia, fosse qualquer atuação do médico fora do seu estado de origem uma necessidade genérica e imperativa de inscrição no CRM de destino, todos os palestrantes de um congresso em estado brasileiro diferente do estado de origem do médico palestrante deveriam ter número de CRM no estado anfitrião do respectivo congresso. Isso não seria razoável. Daí a Resolução CFM n. 1.948/2010 estabelecer a necessidade de inscrição secundária para aqueles profissionais que estejam prioritariamente envolvidos com atendimentos diretos à pacientes, trabalhadores ou periciandos.

Vale ressaltar aqui que, embora eu não concorde com seus termos, enquanto do art. 5 da Resolução 2.297/2021 estiver em vigor e com essa redação e/ou não perder sua eficácia por determinação judicial, é possível a interpretação pelos CRMs de que médicos do trabalho que coordenem ou se responsabilizem por PCMSOs em diversos estados, mesmo sem presença regular em nenhum desses locais, devam ser cobrados quanto a uma inscrição secundária em cada um desses estados. Torço para que isso não ocorra.

[Curiosidade: “Se o médico atende pacientes via telemedicina em todos os estados da federação, há que se ter uma inscrição secundária em cada um dos CRMs estaduais?” Veja nota da AMB sobre o tema, clique AQUI.]

§ 1º Os médicos que executam os exames ocupacionais devem observar o contido nos programas instituídos para proteção integral à saúde do trabalhador, devendo ter conhecimento sobre as condições e riscos do trabalho.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Esse texto está amparado pelo item 7.3.2 da vigente NR-7, e pelo item 7.5.4 da “nova NR-7”, prevista para entrar em vigor em 2022.

§ 2º Ao médico do trabalho da empresa contratante é facultado exigir exames específicos da atividade a ser realizada pelo trabalhador por exposição a risco não contemplado no PCMSO de origem.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Esse texto está amparado pelo item 7.4.2.3 da vigente NR-7, e pelo item 7.5.18 da “nova NR-7”, prevista para entrar em vigor em 2022. Vale lembrar que a NR-7 inclui a figura do que chamamos costumeiramente de “médico examinador” (que não necessariamente é um médico do trabalho). Portanto, acredito que esse texto ficaria mais adequado da seguinte forma: “Aos médicos que realizam os exames ocupacionais da empresa contratante são facultados exigir exames específicos da atividade a ser realizada pelo trabalhador por exposição a risco não contemplado no PCMSO de origem.” Dessa forma, os “médicos examinadores” estariam justamente incluídos.

Art. 6º É vedado ao médico que presta assistência ao trabalhador:

I – Realizar exame médico ocupacional com recursos de telemedicina, sem o exame presencial do trabalhador.

Comentário: Esse texto é uma polêmica novidade em relação a Resolução CFM n. 2.183/2018. Na minha opinião, trata-se de um texto que colide frontalmente com a Lei 13.989/2020, que em seu art. 1o autoriza o uso da telemedicina (independente da especialidade médica) enquanto durar a crise ocasionada pelo coronavírus (crise ainda vigente e sem previsão de término efetivo). O texto legal vai além e no seu art. 6o estabelece que o CFM somente poderá regulamentar a telemedicina após o término da “crise ocasionada pelo coronavírus”.

Discutível, inclusive judicialmente? Sim, como tantas outras leis. No entanto, enquanto estiver em vigor, seu cumprimento deve ser considerado e respeitado, conforme regramento basilar do estado democrático de direito.

Do ponto de vista legal, o que não se pode admitir é a lei (norma superior) autorizar a telemedicina e o CFM, via resolução (norma inferior) e num tempo anterior ao término da crise ocasionada pelo coronavírus, desautorizar sumariamente essa prática, conforme se extrai do verbete impresso neste art. 6, inciso I. Na mesma linha veio o seguinte posicionamento do STF: “Normas inferiores não podem inovar ou contrariar normas superiores, mas unicamente complementá-las e explicá-las, sob pena de exceder suas competências materiais, incorrendo em ilegalidade.” (STF – Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.398-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 25.06.2007).

Vale ressaltar aqui que, embora eu não concorde com seus termos pelas razões jurídicas que mencionei, enquanto esse art. 6o, inciso I, da Resolução 2.297/2021 estiver em vigor e com essa redação e/ou não perder sua eficácia por determinação judicial, é possível que médicos que atuem em empresas sejam penalizados eticamente caso realizem exames ocupacionais por meio da telemedicina, ainda que durante a vigente crise ocasionada pelo coronavírus. Torço para que isso não ocorra e que o CFM reconsidere o que foi escrito.

[Curiosidade: Se o médico atende pacientes via telemedicina em todos os estados da federação, há que se ter uma inscrição secundária em cada um dos CRMs estaduais? Veja nota da AMB sobre o tema, clique AQUI.]

II – Assinar Atestado de Saúde Ocupacional (ASO) em branco.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Esse texto está amparado pelo art. 302 do Código Penal e art. 80 do Código de Ética Médica.

III – Emitir ASO sem que esteja familiarizado com os princípios da patologia ocupacional e suas causas, bem como com o ambiente, as condições de trabalho e os riscos a que está ou será exposto cada trabalhador.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Esse texto está amparado pelo item 7.3.2 da vigente NR-7, e pelo item 7.5.4 da “nova NR-7”, prevista para entrar em vigor em 2022. O texto estabelece como infração ética, seja pelo médico do trabalho, seja pelo “médico examinador”, emitir ASO sem conhecer minimamente as condições de trabalho e os riscos a que está ou será exposto cada trabalhador. Os emissores dos famosos “ASOs avulsos”, por exemplo, poderão ser questionados (e condenados) eticamente a partir desse texto.

O texto também estabelece como infração ética a atuação de “médico examinador” sem familiaridade com os princípios da patologia ocupacional e suas causas. Apesar do esforço do CFM com o novo texto, neste particular, considero que haverá dificuldade de qualificar essa atuação antiética pela dificuldade de estabelecer limites para o que seja estar (ou não) “familiarizado com os princípios da patologia ocupacional e suas causas”. De forma genérica, o Despacho MTb/SSST n. 01/1996 já dizia que “o profissional médico familiarizado, que poderá ser encarregado pelo médico coordenador [do PCMSO] de realizar os exames médicos ocupacionais, deverá ser um profissional da confiança deste que, orientado pelo PCMSO, poderá realizar os exames satisfatoriamente. Quando um médico coordenador encarregar outro médico de realizar os exames [o chamado “médico examinador”], recomenda-se que esta delegação seja feita por escrito, e este documento fique arquivado no estabelecimento”.

Aqui, vale rememorarmos um artigo da revogada Resolução CFM n. 1.488/1998. Reproduzo-o: “Art. 5º. Os médicos do trabalho (como tais reconhecidos por lei), especialmente aqueles que atuem em empresa como contratados, assessores ou consultores em saúde do trabalhador, serão responsabilizados por atos que concorram para agravos à saúde dessa clientela conjuntamente com os outros médicos que atuem na empresa e que estejam sob sua supervisão nos procedimentos que envolvam a saúde do trabalhador, especialmente com relação à ação coletiva de promoção e proteção à sua saúde.” Esse texto não foi mantido pela Resolução CFM n. 2.183/2018 e também não faz parte da Resolução CFM n. 2.297/2021. E nem precisaria já que sua ausência não retira as responsabilidades conjuntas do médico coordenador/responsável do/pelo PCMSO e do “médico examinador”, nos termos do art. 932, III, do Código Civil, do item  7.3.2 da vigente NR-7, e pelo item 7.5.4 da “nova NR-7”, prevista para entrar em vigor em 2022.

IV – Deixar de registrar no prontuário médico do trabalhador todas as informações referentes aos atos médicos praticados.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Esse texto está amparado pelo item 7.4.5 da vigente NR-7, pelo item 7.6.1 da “nova NR-7” (prevista para entrar em vigor em 2022) e pelo art. 87 do Código de Ética Médica.

V– Informar resultados dos exames no ASO.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Esse texto está amparado pelo item 7.4.4.3 da vigente NR-7, pelo item 7.5.19.1 da “nova NR-7” (prevista para entrar em vigor em 2022) e pelos arts. 73 e 76 do Código de Ética Médica.

Art. 7º Conforme as Resoluções do CFM nº 2.007/2013 e nº 2.147/2016, o ambulatório de assistência à saúde do trabalhador deverá ter médico do trabalho com Registro de Qualificação da Especialidade (RQE) como diretor técnico responsável pelo estabelecimento de saúde perante os conselhos regionais de medicina, autoridades sanitárias, ministério público, judiciário e demais autoridades.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Na minha opinião, respeitosamente, esse texto deveria ter sido excluído dessa Resolução CFM n. 2.297/2021.

Explico. A Resolução CFM n. 2007/2013 foi considerada ilegal pelo Ministério Público Federal e pela Justiça Federal (em órgão colegiado de segunda instância – TRF3, por unanimidade, em 18 de abril de 2018 – para saber mais, leia AQUI). Mesmo assim, o CFM mantém e reforça reiteradamente os termos da Resolução n. 2007/2013. Pra mim, com toda consideração aos que discordam, definitivamente não é elegante que uma figura pública ou um órgão de direito público (como é o CFM) mantenha condutas que desprezem por completo decisões judiciais de segunda instância já prolatadas. Como médico e advogado, eu lamento. Mas que cada um faça livremente sua análise.

Art. 8º Os atestados, relatórios e demais documentos apresentados emitidos por médicos e odontólogos, regularmente inscritos nos seus respectivos conselhos, podem ser considerados pelo médico do trabalho, perito ou junta médica para subsidiar a decisão sobre capacidade laborativa, sendo indispensável proceder a avaliação clínica.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Esse texto está amparado pelo art. 6 da Lei 605/1949, pelo art. 6 da Lei 5.081/1966, pelo art. 6 da Resolução CFM n. 1.658/2002.

Legalmente e eticamente, outros documentos que não sejam os atestados, relatórios e demais emitidos por médicos e odontólogos podem até ser desconsiderados pelo médico do trabalho. O que é indispensável, no entanto, é a avaliação clínica, independente da forma como o trabalhador tenha chegado até o médico do trabalho, acesso que, ao meu ver, não deve ser impedido por questões burocráticas, corporativas ou documentais, sob pena de ofensa ao chamado “princípio da dignidade da pessoa humana”, evocado no art. 1 da Constituição Federal, e que comumente fundamenta as petições iniciais dos litígios trabalhistas.

Art. 9º Em sua peça de contestação de nexo ao perito médico da Previdência, o médico do trabalho poderá enviar documentação probatória demonstrando que os agravos não possuem nexo com o trabalho exercido pelo trabalhador, tais como:

I – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA;

II – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO;

III – Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP;

IV – Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT

V – Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho – LTCAT;

VI – Programa de Gerenciamento de Riscos – PGR;

VII – Programa de Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção – PCMAT;

VIII – análise ergonômica do posto de trabalho, ficha de produtos químicos e outros documentos relacionados às condições de trabalho e pertinentes à contestação poderão ser utilizados, quando necessários.

Comentário: Exceto quanto a retirada definitiva da possibilidade do uso do prontuário médico para fins de contestação do nexo previdenciário entre doença e trabalho (algo que se deu por correta e necessária obediência às determinações judiciais dos processos ACP 0000571-49.2019.5.10.0018 e 0001624-78.2017.5.10.000), o texto foi transcrito da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018, com a manutenção intacta dos incisos I ao VIII. Agora o texto ficou incontroverso. Todos os documentos citados não são objetos de sigilo médico e se relacionam com o meio ambiente laboral, ou seja, são aptos como documentações que visam demonstrar, quando necessário, que determinados agravos não possuem nexo com o trabalho exercido pelo trabalhador.

Ratifico minha discordância quanto a decisão judicial que atribuiu ilegalidade e antieticidade no uso do prontuário médico para fins de contestação do nexo previdenciário entre doença e trabalho. Para os que se interessarem, meus argumentos podem ser lidos AQUI. No entanto, se o Poder Judiciário decidiu por essa ilegalidade e antieticidade, que essa decisão seja integralmente cumprida e acatada, como agora faz esta Resolução CFM n. 2.297/2021. Fim de assunto, “página virada”, vida que segue.

Parágrafo único. Por ocasião do encaminhamento do trabalhador à perícia previdenciária, deve o médico do trabalho entregar relatório médico ao trabalhador com a descrição das condições em que se deu o acidente ou a doença.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito (com pequenos ajustes de redação) da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Esse texto complementa o parágrafo único do art. 3 da Resolução CFM n. 1.658/2002, que descreve todos os itens necessários para o atestado de encaminhamento dos trabalhadores à perícia médica.

Mas há algo interessante a se observar aqui: o “acidente ou a doença” descritos neste parágrafo único são relacionados ao trabalho ou não? A resposta mais lógica do ponto de vista hermenêutico é de que não sejam relacionados ao trabalho, já que estamos dentro do artigo 9o da Resolução n. 2.297/2021, cujo caput e seus demais incisos tratam justamente da contestação de nexo estabelecido pela perícia médica federal. Sendo assim, a evocada “descrição das condições em que se deu o acidente ou a doença” deve se referir exclusivamente às condições de natureza não ocupacional. Fosse o contrário, o texto ficaria melhor escrito da seguinte forma: “Nos casos de acidentes de trabalho (ou doenças relacionadas ao trabalho, ainda que objetos de suspeita), por ocasião do encaminhamento do trabalhador à perícia previdenciária, deve o médico do trabalho (ou médico por ele designado) entregar relatório ao trabalhador com a descrição das condições em que se deu o acidente ou favoreceu o desenvolvimento da moléstia, para que seja anexada a CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho)“.

Art. 10. Em ações judiciais, a cópia do prontuário médico, de exames complementares ou outros documentos poderão ser liberados por autorização do paciente ou dever legal.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Esse texto está amparado pelos arts.73 e 89 do Código de Ética Médica.

Art. 11. O médico de empresa, o médico responsável por qualquer programa de controle de saúde ocupacional de empresa e o médico participante do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho podem atuar como assistente técnico nos casos envolvendo a empresa contratante e/ou seus assistidos desde que observem os preceitos éticos.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Esse texto está amparado pelo art. 466 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, e pela revogada Resolução CFM n. 2.015/2013.

Embora permitido pela lei, na minha opinião, para não macular sua independência e confiança entre os trabalhadores, o ideal é que o médico do trabalho não atue como assistente técnico nos casos envolvendo a empresa contratante e/ou seus assistidos. Na mesma linha, o CFM colocava essa atuação como proibida até maio de 2013. No entanto, devido aos vários processos judiciais que obrigaram o CFM a obedecer ao CPC, o entendimento do conselho foi modificado pela então Resolução CFM n. 2.015/2013. Pra mim, a modificação foi correta e necessária. No estado democrático de direito, se a lei estabelece algo, as resoluções dos conselhos profissionais devem obedecer a lei, mesmo que em discordância com seus termos.

§ 1º No desempenho dessa função no Tribunal, o médico deverá agir de acordo com sua livre consciência, nos exatos termos dos princípios, direitos e vedações previstos no Código de Ética Médica.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Esse texto é praticamente uma transcrição da Recomendação CFM n. 05/2014, que já estava em alinho com a comentada Resolução CFM n. 2.015/2013. Na minha opinião, texto acertado.

§ 2º Existindo relação médico–paciente, permanecerá a vedação estabelecida no Código de Ética Médica vigente, sem prejuízo do contido no § 1º.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. A aludida vedação está contida no art. 93 do CEM, que expressa: “É vedado ao médico ser perito ou auditor do próprio paciente, de pessoa de sua família ou de qualquer outra com a qual tenha relações capazes de influir em seu trabalho ou de empresa em que atue ou tenha atuado.”

Especificamente para médicos que atendam trabalhadores, é nessa mesma esteira que veio o art. 12 dessa mesma Resolução n. 2.297/2021 (vide a seguir).

Art. 12. Ao médico do trabalho responsável pelo PCMSO da empresa e ao médico participante do Serviço Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT) é vedado atuar como peritos judiciais, securitários ou previdenciários nos casos que envolvam a firma contratante e/ou seus assistidos, atuais ou passados.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Esse texto é uma transcrição exata da já comentada Resolução CFM n. 2.015/2013.

Art. 13. São atribuições e deveres do médico perito judicial e assistentes técnicos:
I – examinar clinicamente o trabalhador e solicitar os exames complementares, se necessários;

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Esse texto remete ao art. 2 dessa mesma resolução, quando preceitua que, para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, o médico deve considerar o exame clínico (físico e mental) e os exames complementares. O texto enfatiza como dever o trabalho cuidadoso que peritos e assistentes técnicos devem ter, o que encontra amparo também no art. 466 do Código de Processo Civil (CPC).

II – o médico perito judicial e assistentes técnicos, ao vistoriarem o local de trabalho, devem fazer-se acompanhar, se possível, pelo próprio trabalhador que está sendo objeto da perícia, para melhor conhecimento do seu ambiente de trabalho e função;

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Esse texto complementa o mandamento expresso no art. 2 dessa mesma resolução, quando afirma que, para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, é dever do médico considerar: a história clínica e ocupacional atual e pregressa, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal; o estudo do local de trabalho; o estudo da organização do trabalho; e o depoimento e a experiência dos trabalhadores. O texto encontra amparo também no art. 466 do Código de Processo Civil (CPC) e no Código Internacional de Ética para os Profissionais de Saúde no Trabalho (ICOH, versão atualizada em 2016).

III – estabelecer o nexo causal, considerando o exposto no artigo 2º e incisos (redação aprovada pela Resolução CFM nº 1.940/2010) e tal como determina a Lei nº 12.842/2013, ato privativo do médico.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Sendo bem detalhista, a menção à redação da Resolução CFM n. 1.940/2010 foi equivocada. Isto porque a mencionada resolução fazia referência ao art. 2 da Resolução CFM n. 1.488/1998, que já havia sido revogada pela Resolução CFM n. 2.183/2018.

No mais, o texto é redundante na orientação quanto a forma do estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, já que o art. 2 da presente Resolução CFM n. 2.297/2021 trata exatamente disso em seus 9 incisos.

Importante salientar que a Lei 12.842/2013 (Lei do Ato Médico) não estabelece de forma literal que o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador é um ato privativo do médico. A mesma lei afirma sim que perícia médica é ato privativo do médico. Cabe a discussão: o estabelecimento do referido nexo causal é ato privativo do médico? Penso que sim, pelos motivos expostos AQUI.

Art. 14. Conforme artigo 465 do Código de Processo Civil, o juiz nomeará perito especializado no objeto e na natureza da perícia. A perícia com fins de determinação de nexo causal, avaliação de capacidade laborativa/aptidão, avaliação de sequela/valoração do dano corporal, requer atestação de saúde e definição do prognóstico referente ao diagnóstico nosológico, o que é, legalmente, ato privativo do médico.

Comentário: Exceto a primeira frase do texto, que apenas fundamenta o resto do artigo com o art. 465 ndo CPC, nada mudou. A segunda frase foi transcrita (com poucos ajustes na redação) da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018

Lei 12.842/2013 (Lei do Ato Médico) estabelece de forma literal que a “atestação médica de condições de saúde, doenças e possíveis sequelas” e a “determinação de prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico” são atos privativo do médico. Com a minha total concordância, o texto do art. 14 interpreta que a determinação de nexo causal, avaliação de capacidade laborativa/aptidão e a avaliação de sequela/valoração do dano corporal compõem as atividades de “atestação médica de condições de saúde, doenças e possíveis sequelas” e a “determinação de prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico” e, portanto, deveriam ser consideradas como sendo atos exclusivos dos médicos.

§ 1º É vedado ao médico participar como assistente técnico de perícia privativa de outra profissão regulamentada em lei.

Comentário: Esse texto é uma novidade da Resolução CFM n. 2.297/2021 em relação a revogada Resolução 2.183/2018 e trata de uma situação especialmente rara: uma eventual participação de médico como assistente técnico de perícia privativa de outra profissão regulamentada em lei.

Mesmo sendo uma inovação, o texto se mostra coerente com a Resolução 2.183/2018, que já vedava a realização de perícia médica em presença de assistente técnico não médico. Tal coerência reside na ideia de que se a perícia médica não pode ser realizada com assistente técnico não médico, uma perícia “não médica” também não deve ser realizada com assistente técnico médico.

É no que acredito e desejo também! O que sempre me pareceu mais lógico, científico, adequado e coerente é que “cada macaco esteja no seu galho” dentro de uma perícia técnica, ou seja: se o perito é médico, que o assistente técnico também o seja; se o perito é engenheiro, que o assistente técnico também o seja; se o perito é contador, que o assistente técnico também o seja, e assim sucessivamente.

No entanto, pouco importa o que acredito e desejo se a lei disser outra coisa. Nesse particular, entendo que o texto esbarra na literalidade do art. 466 do CPC, que estabelece que “o assistente técnico não está sujeito a impedimento ou suspeição” e depende da escolha da parte que o contratou. Dessa forma, se o juiz nomeou um educador físico (por exemplo) para ser o perito sobre um tema de uma atividade privativa deste profissional, hoje, não há nenhuma ilegalidade de qualquer uma das partes em contratar um médico como assistente técnico pericial, com fulcro na letra do art. 466 do CPC. Para o legislador, trata-se de um direito das partes julgar e escolher quem deverá ser o melhor profissional para defender seus interesses quanto ao objeto da perícia, assim como o juiz o faz na escolha do perito.

Vale ressaltar aqui que, embora eu não concorde com seus termos devido aos argumentos jurídicos mencionados, enquanto este texto da Resolução 2.297/2021 estiver em vigor e com essa redação e/ou não perder sua eficácia por determinação judicial, é possível a interpretação pelos CRMs de que médicos devam ser penalizados caso não o cumpram.

§ 2º É vedado ao médico realizar perícia médica na presença de assistente técnico não médico. Nesse caso, o médico perito deve suspender a perícia e informar imediatamente ao magistrado o seu impedimento.

Comentário: O texto reforça os textos do Parecer CFM n. 50/2017 e da Resolução CFM n. 2.183/2018, que já entendiam haver infração ética na realização de perícia médica em presença de assistente técnico não médico. Desde 2018, portanto, o médico já pode ser processado e condenado em seu CRM caso permita a presença de assistente técnico não médico durante o ato médico pericial.

Confesso certo cansaço de me aprofundar nesse tema mais uma vez. Há vários anos que ele está na pauta, com os mesmos ruídos de sempre e sem uma resolução definitiva. Ouso propor um caminho. Que haja uma luta política do CFM pela inclusão no CPC do parágrafo no art. 466, com a seguinte redação: “Sendo o perito designado graduado [lembrando que o art. 465 do mesmo código não exige graduação para o perito], o assistente técnico deverá ter, pelo menos, a mesma graduação deste perito”.

A rejeição corporativa a esse texto tenderia a ser baixa, já que qualquer conselho profissional que fosse contrário a essa sugestão estaria assumindo sua questionável intenção de invadir competências alheias. Enfim, não tenho dúvidas que o CFM tem força política e ainda mais argumentos técnicos para conseguir essa modificação no CPC. E dessa forma seria mais simples, eficaz e bem menos desgastante para toda classe médica e sociedade.

Mas enquanto a pauta ainda está na agenda, apesar do cansaço, vamos a ela…

É verdade que em grupos médicos de whatsapp são postadas frequentes decisões judiciais que reforçam a tese defendida nesse texto da Resolução 2.297/2021, ou seja, a de que é vedado ao médico realizar perícia médica na presença de assistente técnico não médico. Para os mais curiosos, no entanto, basta uma pesquisa rápida para constatar que assim como existem várias decisões judiciais que vedam ao médico realizar perícia médica na presença de assistente técnico não médico, existem também outras várias decisões judiciais com conclusões diametralmente opostas. Sim, este assunto não é e nunca esteve pacificado nos tribunais.

Particularmente, por razões meramente legalistas e não técnicas, mantenho minhas já manifestas reservas quanto a essa vedação ao médico perito de permitir a presença de assistente técnico não médico durante o ato médico pericial. Para os que quiserem ver minhas justificativas e reflexões sobre o tema, cliquem AQUI ou AQUI. Reconheço e respeito que entre meus colegas médicos minha posição seja minoritária. No meio jurídico, talvez não.

Indo além e aprofundando um pouco mais, entre as fundamentações do Parecer CFM n. 50/2017, está a conclusão do CFM de que o médico perito que permite atuação de assistente técnico não médico está sendo cúmplice com os que exercem ilegalmente a medicina (um crime previsto no art. 282 do Código Penal). Será mesmo? Pra mim, não. Fosse assim muitos não médicos já teriam sido presos em flagrante (como sabemos pela própria mídia, esse é o caminho natural dos que exercem ilegalmente a medicina). Você, leitor, já viu um único não médico ser preso ou condenado por atuar em perícias? Um só que seja? Não. Então permita-se questionar, para o bem da reputação do CFM no Judiciário e para além dos gritos corporativos (os quais entendo perfeitamente) que o cercam desde sempre: será mesmo que estamos falando de exercício ilegal da medicina nesses casos? O próprio TST também entende que não. Em maio de 2018, por unanimidade, o tribunal considerou válido um laudo pericial de fisioterapeuta (RR – 49500-18.2013.5.13.0026), apesar da argumentação contrária de afronta a Lei do Ato Médico.

Aliás, permitam-se imaginar se o Judiciário considerasse como crime a atuação pericial de um profissional não médico dentro de uma “perícia médica”. Já que quem nomeia o perito – muitas vezes um não médico – é o juiz, o crime de exercício ilegal da medicina teria tido como mandante o próprio Poder Judiciário, o que o colocaria também como criminoso. Ou seja, pra considerar a atuação desse não médico perito como exercício ilegal da medicina, o Judiciário deveria antes condenar a ele mesmo pelo cometimento de um crime. Sabem qual a chance de isso acontecer na prática? Melhor deixar pra lá…

Art. 15. Em ações judiciais, o médico perito poderá peticionar ao Juízo que oficie o estabelecimento de saúde ou o médico assistente para anexar cópia do prontuário do periciado, em envelope lacrado e em caráter confidencial.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Esse texto está amparado pelos arts.73 e 89 do Código de Ética Médica.

Art. 16. Esta Resolução não se aplica aos médicos peritos previdenciários cuja atuação possui legislação própria, ressalvando-se as questões éticas do exercício profissional.

Comentário: Nada mudou. Texto transcrito literalmente da revogada Resolução CFM n. 2.183/2018. Pra mim, texto acertado. Diferente do que fez o art. 6o, inciso I; ou o art. 7o, o artigo 16 faz uma bela homenagem ao ordenamento jurídico. Ele enaltece que o estabelecido em lei (e não em resolução), mesmo que verse sobre o exercício médico (no caso, a perícia médica previdenciária), deve ser obedecido, com as ressalvas éticas possíveis e limitadas pela própria lei.

O exercício dos peritos médicos federais possui peculiaridades previstas na Lei 11.907/2009Lei 8.213/1991Decreto 3.048/1999, entre outras normas. Por exemplo, diante do art. 21-A da Lei 8.213/1991, cabe ao perito médico previdenciário estabelecer (ou não) o nexo técnico epidemiológico entre doença e trabalho, mesmo sem realizar o estudo do local e da organização do respectivo ambiente laboral, conforme determina o art. 2o desta Resolução CFM n. 2.297/2021. Muitos podem discordar disso, mas essa discordância deve ser direcionada a Lei 8.213/1991 e não à Resolução CFM n. 2.297/2021, já que esta última deve ser obediente ao texto da lei. E, nesse caso, com todos os louvores, foi.

Art. 17. Revoga-se a Resolução CFM nº 2.183 publicada no Diário Oficial da União em 21 de setembro de 2018, Seção I, página 206, e as disposições em contrário.

Art. 18. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 05 de agosto de 2021.

MAURO LUIZ DE BRITTO RIBEIRO – Presidente do CFM

DILZA TEREZINHA AMBRÓS RIBEIRO – Secretária-Geral

Fonte: CFM.

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