Série “Limbo Previdenciário Trabalhista” – Texto 11
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O chamado “limbo” ocorre quando o Médico do Trabalho/Médico Examinador (comumente chamado de “Médico da Empresa”), após ter avaliado e qualificado determinado empregado como “inapto” para sua função, o encaminha para o serviço de Perícias Médicas da Previdência Social, sugerindo, mediante atestado médico (próprio e/ou do Médico Assistente do trabalhador), determinado lapso de tempo para respectivo tratamento e recuperação. Por sua vez, o “Perito do INSS” nega esse afastamento. Assim, o trabalhador ficará, ao mesmo tempo, sem o recebimento do salário e do benefício previdenciário, ou seja, ficará no “limbo”. Vale lembrar também que, nessas condições, o contrato de trabalho já está em plena vigência, ainda que o empregado esteja sem trabalhar e apenas à disposição do empregador. O tempo, nessa condição, deve ser remunerado como se o trabalhador estivesse trabalhando, conforme já exposto fartamente nos textos anteriores.
No último texto que escrevi sobre o tema, abordei aquela que, na minha opinião, é a mais drástica forma de enfrentamento do “limbo”: a demissão do trabalhador. Conforme adiantei, os riscos jurídicos envolvidos nessa demissão são vários. Hoje, começaremos a falar sobre eles.
Há exemplos de trabalhadores dispensados na vigência do “limbo” que, mesmo estando “aptos” pelo Perito Médico Federal e pelo Médico do Trabalho/Médico Examinador no exame demissional, alegaram judicialmente que não poderiam ter sido desligados da empresa naquele momento. Justificaram que foram dispensados por razões discriminatórias relacionadas à saúde e violação do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado pelo art. 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988. Muitos obtiveram sentenças e acórdãos favoráveis.
Antes de aprofundarmos, é preciso lembrar que a dispensa (demissão) de um trabalhador é permitida em nossa legislação. O empregador tem assegurado constitucionalmente os direitos da livre iniciativa e do poder potestativo (poder que o empregador tem de “escolher com quem quer trabalhar”).
Mas, se por um lado a carta magna dá ao empregador a possibilidade de este contratar (e descontratar) quem quiser, e quando quiser, a mesma lei maior dá garantias fundamentais a cada cidadão brasileiro, tais como: preservação da intimidade, da liberdade de expressão, da igualdade (não discriminação), da dignidade da pessoa humana etc.
E quando, num caso concreto, a constituição for contrária à própria constituição? Ou seja, e quando o poder potestativo do empregador (de contratar e descontratar quem quiser, e quando quiser) ofender alguma garantia fundamental do cidadão, como a preservação da igualdade ou da dignidade da pessoa humana, por exemplo?
Vejamos alguns casos extraídos de situações concretas:
a) Suponhamos um excelente professor de uma escola de ensino médio. Nas horas vagas, esse professor escreve poesias eróticas e alimenta um blog pessoal com tais poesias. A escola poderia dispensá-lo do emprego por esse motivo, ou haveria aí uma afronta à garantia constitucional da liberdade de expressão desse professor?
b) Um empregado é HIV positivo. Ao revelar isso na empresa, esse empregado é dispensado do trabalho. Houve lesão à preservação da igualdade estabelecida na Constituição Federal de 1988, ou seja, houve discriminação?
c) Um trabalhador é dispensado em virtude de uma doença crônica não ocupacional (por exemplo, um câncer de origem não ocupacional). Houve lesão ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana?
Todos os exemplos citados confrontam direitos constitucionais, tanto do empregador, como também do empregado. Qual direito deve prevalecer: o do empregador ou o do empregado? Acionado, o Poder Judiciário decidirá.
Nesse contexto, a dispensa de um trabalhador portador de doença capaz de suscitar algum tipo de estigma ou preconceito (seja ela uma doença relacionada ao trabalho ou não, relacionado ao “limbo” ou não) poderá ser considerada discriminatória. Se isso ocorrer judicialmente, é possível que o empregador seja condenado a reintegrar o empregado e arcar com o tempo de salários não pagos; e/ou custear alguma possível indenização.
No próximo texto dessa série, abordarei sobre este e outros riscos jurídicos que envolvem a demissão de um trabalhador como estratégia de enfrentamento do limbo previdenciário-trabalhista. Até lá!
Autor: Marcos Henrique Mendanha (Instagram: @professormendanha): Médico do Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito do Trabalho. Autor do livro “Limbo Previdenciário Trabalhista – Causas, Consequências e Soluções à Luz da Jurisprudência Comentada” (Editora JH Mizuno), e “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Coautor do livro “Desvendando o Burn-Out – Uma Análise Multidisciplinar da Síndrome do Esgotamento Profissional” (Editora LTr). Diretor e Professor da Faculdade CENBRAP. Mantenedor dos sites SaudeOcupacional.org e MedTV. Coordenador do Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas, e do Congresso Brasileiro de Psiquiatria Ocupacional. Diretor Técnico da ASMETRO – Assessoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda (Goiânia/GO). Colunista da Revista PROTEÇÃO.
Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista Marcos Henrique Mendanha, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.