A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a Universidade de São Paulo (USP) reduza em 50% a jornada de trabalho de uma técnica de laboratório para que ela possa acompanhar a filha com Transtorno de Espectro Autista (TEA) nas atividades multidisciplinares, médicas e terapêuticas que necessitar. A mudança na jornada não implicará redução da remuneração nem compensação de horários.
Diagnóstico
Na reclamação trabalhista, a técnica disse que sua filha, nascida em 2018, fora diagnosticada com TEA, Transtorno de Linguagem Receptivo e Expressivo e Transtorno Específico de Leitura. Essa condição exige diversos tratamentos e acompanhamentos médicos, como terapia psicológica comportamental e ocupacional, neurologista, fonoaudiólogo, aulas de judô e escola de educação especial, e a menina depende totalmente da mãe para atividades básicas da vida diária.
Dificuldade e impedimento de compensação
Desde o diagnóstico, ela disse que vinha negociando com sua chefia a compensação de jornada, já que o registro de ponto era manual. Contudo, recentemente, a USP havia adotado o ponto eletrônico, dificultando essa possibilidade. Ainda segundo seu relato, o regulamento da universidade veda a compensação a quem recebe adicional de insalubridade e não prevê redução de carga horária para cuidar de dependentes com deficiência.
Princípio da legalidade
A USP defendeu que está submetida ao princípio da legalidade, que condiciona toda atividade do agente público à previsão legal, sob pena de caracterização de improbidade administrativa.
Lacuna legislativa
O juízo da 13ª Vara do Trabalho de São Paulo (SP) indeferiu o pedido, com o entendimento de ausência de previsão legal. De acordo com a sentença, a redução da jornada não é assegurada na CLT nem no Estatuto do Servidor Público Civil do Estado de São Paulo e não está prevista em outras normas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente ou o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Assim, não caberia ao Judiciário suprir essa lacuna legislativa.
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região manteve a sentença.
Resposta normativa
Para o relator do recurso de revista da técnica, ministro Mauricio Godinho Delgado, de fato não há legislação estadual que atribua à USP o dever de reduzir da jornada. Contudo, segundo ele, a ordem jurídica sempre terá, necessariamente, uma resposta normativa para qualquer caso concreto levado à Justiça.
Nesse sentido, o relator fundamentou a decisão na CLT, no Estatuto da Criança e do Adolecente (ECA), na Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, na Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e na Lei 8.112/1990. De acordo com o ministro, essas normas formam um conjunto sistemático que ampara a pretensão da técnica.
Decisão reiterada
O relator lembrou, ainda, que a Turma vem decidindo reiteradamente que o responsável por pessoa que necessite cuidados especiais de forma constante, com apoio integral para as atividades da vida cotidiana e assistência multidisciplinar, tem direito a ter sua jornada de trabalho flexibilizada sem prejuízo da remuneração, com vistas a amparar e melhorar a saúde física e mental da pessoa com deficiência.
A seu ver, a redução da jornada contempla os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, entre outros direitos sociais e normas nacionais e internacionais que amparam a criança, o adolescente e a pessoa com deficiência.
A decisão foi unânime.
Fonte: TST