A Justiça do Trabalho determinou a reintegração do trabalhador dispensado sem justa causa de uma indústria de produtos em aço, mesmo com o diagnóstico de câncer de bexiga. Ficou provado nos autos que o trabalhador descobriu a doença no curso do aviso-prévio, inviabilizando a dispensa. A decisão é dos julgadores da Oitava Turma do TRT-MG, que consideraram a medida discriminatória.
Segundo o trabalhador, ele foi admitido na empresa em 21/8/1989 e dispensado sem justa causa em 17/9/2020, com aviso-prévio de 90 dias. Documentos apresentados no processo comprovaram que uma médica da empresa, após examinar o trabalhador, constatou a existência de nódulo na bexiga, com o relatório e o ultrassom datados de 2/12/2020. O laudo da tomografia, realizado em 3/12/2020, apontou que a lesão é mesmo tumoral, diagnóstico ratificado pelos relatórios e exames de dezembro de 2020, comprovando a presença de câncer de bexiga.
Em depoimento, o trabalhador esclareceu que só desconfiou que poderia estar doente após o término do trabalho na empresa, procurando atendimento médico. Informou ainda que não comunicou à empregadora o diagnóstico da existência do câncer no curso da relação de emprego.
Ao decidir o caso, o juízo da Vara do Trabalho de Sabará negou os pedidos formulados pelo trabalhador. Ele apresentou recurso reiterando o pleito de nulidade da dispensa com a imediata reintegração ao emprego.
Para o desembargador relator do caso, Marcelo Lamego Pertence, diversamente do que entendeu a sentença, o caso é de dispensa discriminatória, nos moldes da Súmula 443/TST. Segundo o julgador, restou provado que, no curso do aviso-prévio, o ex-empregado descobriu ser portador de câncer de bexiga, confirmado após procurar médica da empresa.
Para o julgador, o aviso-prévio integra o tempo de serviço para os devidos fins. “Isso nos moldes do artigo 487, § 1º da CLT; das OJs 82 e 83 da SBDI-1/TST e da Súmula nº 371 do TST; preservando o dever das partes de manutenção de suas obrigações contratuais, entre elas, a de não dispensar empregado portador de doença grave que impeça a prática do ato empresário”.
O julgador ressaltou que a doutrina e a jurisprudência já sedimentaram entendimento de que se presume como discriminatória a dispensa de empregado portador de doença grave, ainda que sem justa causa.
Para o magistrado, o câncer é, ainda hoje, uma doença que causa, senão preconceito, ao menos estigma, devido às graves repercussões na vida pessoal e profissional decorrentes do tratamento médico. “Assim, a dispensa do autor se presume discriminatória”, reforçou.
No entendimento do magistrado, no Estado Democrático de Direito, não se pode tolerar qualquer ato discriminatório e que promova a desigualdade. “A discriminação para a admissão ou dispensa em cargo ou emprego é prática odiosa, repudiada pelo ordenamento jurídico, à luz do artigo 5º, caput, da CR e Lei 9.029/1995 (artigo 1º)”.
Segundo o julgador, tendo a empresa ciência da doença, detectada no curso do aviso-prévio, deveria ao menos reverter a dispensa realizada em 17/9/2020. “Aliás, nem mesmo em defesa a empregadora se dispôs a reintegrar o trabalhador, descumprindo a função social, preconizada pela Carta Magna (artigos 5º, XXIII e 170, III)”, pontuou.
Dessa forma, o relator considerou nula a dispensa e determinou a imediata reintegração do trabalhador ao emprego, nas mesmas condições anteriores à dispensa, inclusive mesmo cargo, mesma função e jornada de trabalho, como se o ato ilícito não tivesse sido praticado. Fixou pena de multa diária equivalente a R$ 500,00 até o efetivo cumprimento da obrigação, sem limitação.
Determinou ainda o pagamento das verbas devidas, como os salários, 13° salários, férias acrescidas de 1/3, gratificação anual, PLR e depósitos do FGTS, bem como as demais vantagens que lhe forem asseguradas pela lei ou convencionalmente, desde a dispensa ilegal até a efetiva reintegração. A empresa interpôs recurso de revista, que, atualmente, está em andamento no TST.