A Justiça do Trabalho condenou uma empresa do ramo de distribuição de medicamentos a pagar indenização por danos morais de R$ 5 mil a uma empregada acometida por fasceíte (ou fascite) plantar, também conhecida como esporão do calcâneo. Ficou demonstrado que as atividades que ela exercia na empresa contribuíram para o surgimento da doença. A conclusão foi de que a trabalhadora foi vítima de doença ocupacional e a empresa foi considerada responsável pelos danos físicos e morais causados à trabalhadora.
A sentença é do juiz André Luiz Maia Secco, no período em que atuou na 6ª Vara do Trabalho de Contagem (MG), que constatou que a empregada trabalhava quase o tempo todo em pé e andando, já que era responsável por buscar os medicamentos e colocá-los nas caixas que vinham em esteiras, o que contribuiu para o desenvolvimento da moléstia, agindo como concausa. Na análise do magistrado, a empresa foi negligente no cuidado com a integridade física da trabalhadora, omitindo-se em adotar medidas que poderiam evitar o surgimento da doença ocupacional.
Perícia médica realizada por profissional da confiança do juízo atestou que a trabalhadora foi acometida por fasceíte – ou fascite – plantar no pé esquerdo, o que levou a tratamento cirúrgico, com afastamento do trabalho pelo órgão previdenciário por cerca de um ano. O perito constatou que houve incapacidade total e temporária e reconheceu o nexo de causalidade entre o trabalho e a moléstia. Concluiu tratar-se de doença ocupacional, tendo em vista que as atividades exercidas na empresa agiram como concausa para o surgimento da doença. Ressaltou ainda que a empregada, na ocasião da diligência pericial, encontrava-se clinicamente apta para o trabalho e para as atividades da vida diária, mas que, caso retornasse às atividades na empresa, deveriam ser adotadas medidas para mitigar o risco ergonômico e evitar o agravamento da doença.
Por se tratar de matéria eminentemente técnica, as conclusões do perito foram acolhidas pelo juiz, até porque elas não foram afastadas por qualquer outro meio de prova existente no processo. “As impugnações lançadas pela empresa não conseguiram alterar o trabalho realizado pelo perito de confiança do Juízo. Restou claro que, durante o labor, a reclamante fazia movimentos que desenvolveram a fasceíte plantar, doença que possui o trabalho como concausa para seu surgimento”, destacou o juiz na sentença.
Ainda segundo o laudo médico, a empresa tinha conhecimento de que as atividades desenvolvidas pela empregada poderiam gerar o quadro de doença ocupacional, tanto que propôs rodízio de tarefas a fim de alterar o padrão de movimentos realizados pela trabalhadora, medida que, entretanto, não foi consolidada. O perito ainda ressaltou que a empregada tinha os pés planos, conhecido fator de risco para a fasceíte plantar. “Havia caminhadas frequentes e não havia comprovação, pela ré, de medidas para mitigar o risco ergonômico. A ré tinha conhecimento, pela análise ergonômica que apresentou, de que deveria adotar tais medidas”, destacou.
Ficou esclarecido também que a empresa é uma distribuidora de medicamentos e a empregada trabalhava em pé o tempo todo, e andando. “A esteira ia rodando e eu tinha que ir saindo pra buscar os remédios nas prateleiras. A gente bipava a caixa com o coletor e apareciam quais medicamentos tinha que pegar e por na caixa”, informou a trabalhadora durante a diligência pericial.
Tendo em vista a prova pericial, o julgador não teve dúvida de que o trabalho desenvolvido pela profissional na empresa atuou como concausa, vale dizer que contribuiu para o desenvolvimento da fasceíte plantar, sendo ressaltado que a concausa é suficiente para caracterizar a doença ocupacional, nos termos do artigo 21 da Lei 8.213/1991.
Para o magistrado, a empresa não cumpriu sua obrigação de fornecer à empregada um ambiente de trabalho seguro e saudável, o que configura a prática de ilícito. O juiz frisou que o empregado tem direito a trabalhar em condições que preservem sua saúde, integridade e capacidade, sendo obrigação do empregador assegurar-lhe um ambiente de trabalho que conserve suas capacidades, potencialidades e habilidades e, ainda, oferecer-lhe método de trabalho que não comprometa o seu bem-estar físico e psicológico.
A condenação da empresa ao pagamento de indenização se baseou no artigo 186 do Código Civil, segundo o qual “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Na sentença, também houve referência ao artigo 927 do Código Civil, que dispõe que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
O juiz destacou na sentença: “Permitindo a reclamada que o trabalho tornasse a reclamante uma pessoa lesionada e doente (ainda que temporariamente), violando, assim, seu direito moral e fundamental de ter preservada sua integridade física, resta evidente a negligência da empregadora em cuidar daquele que lhe emprestou a mão de obra, possibilitando-lhe o cumprimento de sua finalidade social, o que configura omissão frente ao seu dever legal e, por consequência, inegável ato ilícito”.
Tendo em vista a presença dos elementos necessários à responsabilidade civil da empregadora – ato ilícito, dano e a relação de causa e efeito entre eles, o magistrado reconheceu o dever da empresa de indenizar a empregada pelo mal físico e pelo sofrimento vivenciado por ela, com fundamento no artigo 5º, X, da Constituição Federal.
Para o arbitramento do valor da indenização por danos morais, em R$ 5 mil, foram considerados o caráter fundamental do direito violado, o grau de culpa da empregadora e também o fato de que as atividades exercidas na empresa atuaram apenas como concausa da doença. Em grau de recurso, os julgadores da Segunda Turma do TRT-MG mantiveram a sentença nesse aspecto. Atualmente, o recurso aguarda decisão de admissibilidade do recurso de revista.