24 jul 2024

As 06 (seis) razões pelas quais o médico perito é condenado no Conselho Federal de Medicina (CFM)

postado em: Coluna do Puy

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A Medicina do Trabalho e Perícias Médicas é uma das especialidades que mais se envolve em denúncias junto aos Conselhos Regionais de Medicina (CRM’s).

As estatísticas dos casos de sindicâncias que evoluem para o Processo Ético-Profissional (PEP) demonstram que a Medicina do Trabalho é a 10º especialidade mais processada (Tabela 1).

EspecialidadeMédicos processados (nº)Médicos processados (%)Médicos condenados% de médicos condenados (para 100 processos na especialidade)
Ginecologia e Obstetrícia71114,818225,6
Clínica Médica3326,98024,1
Ortopedia e Traumatologia2745,75720,8
Medicina do Trabalho1282,71914,8

Tabela 1 – Total de médicos processados e condenados por especialidade e percentuais, entre 1995 e 2003 (fonte: Distribuição dos processos disciplinares pelo CREMESP – Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo e seus resultados nas diversas especialidades médicas, Centro Universitário São Camilo – 2007;1(2):56-62).

Ao longo de mais de 10 (dez) anos atuando constantemente nos tribunais de ética e após estudar aproximadamente duas centenas e meia de decisões do CFM, sintetizei as 05 (cinco) razões pelas quais o CFM condena o médico perito na esfera ético-disciplinar:

Suspeição do perito: Perito é médico assistente do periciado
Assinar laudo sem praticar ato profissional que o justifique
Não cumprir o “munus público” legal previsto no encargo pericial
Criar artificialmente direitos
Atestar óbito que não verificou
Ausência de metodologia no laudo pericial

1º: SUSPEIÇÃO DO PERITO – PERITO É MEDICO ASSISTENTE DO PERICIADO

Uma vez sendo nomeado para realizar a perícia médica, o expert deve avaliar o caso para verificar se está impedido ou suspeito para realizar o mister, conforme o CPC:

“Art. 467. O perito pode escusar-se ou ser recusado por impedimento ou suspeição.

Parágrafo único.  O juiz, ao aceitar a escusa ou ao julgar procedente a impugnação, nomeará novo perito.”

Ao ser impedido ou suspeito, o médico perito não deve aceitar o encargo e não realizar a perícia.

CRM DE ORIGEMNº processo CFMAnoTipo de recursoTribunalRELATOR
CRM-SP0000192018RECURSO AO PEPCâmara – CFMMARIA DAS GRACAS CREAO SALGADO – AP


EMENTA: PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL. RECURSO DE APELAÇÃO. INFRAÇÃO AO ARTIGO 93 DO CEM (RESOLUÇÃO CFM Nº 1.931/09): É VEDADO AO MÉDICO: SER PERITO OU AUDITOR DO PRÓPRIO PACIENTE, DE PESSOA DE SUA FAMÍLIA OU DE QUALQUER OUTRA COM A QUAL TENHA RELAÇÕES CAPAZES DE INFLUIR EM SEU TRABALHO OU DE EMPRESA EM QUE ATUE OU TENHA ATUADO. MANUTENÇÃO DA PENA DE “ADVERTÊNCIA CONFIDENCIAL EM AVISO RESERVADO”. I- Ao médico perito, cabe impedimento de realizar perícia médica para subsidiar inquérito policial de paciente e concomitantemente ser assistente técnico de empresa que está sofrendo ação trabalhista movida pelo mesmo paciente. II- Recurso de apelação conhecido e negado provimento.


Importante ressaltar 02 (duas) situações agravantes que podem ser consideradas na majoração da pena: a reiteração da conduta e o interesse social envolvido no caso em tela.

2º: ASSINAR LAUDO SEM PRATICAR ATO PROFISSIONAL QUE O JUSTIFIQUE

Assinar laudo pericial implica na realização de ato médico exclusivo anterior, vale dizer, a perícia médica. Neste sentido, ao se constatar a desconexão entre a não realização do ato pericial, associada de documento médico expedido sem ato médico que o justifique, a conduta é passível de sanção disciplinar.

CRM DE ORIGEMNº processo CFMAnoTipo de recursoTribunalRELATOR
CRM-MT0041252017RECURSO AO PEPCâmara – CFMHENRIQUE BATISTA E SILVA – SE


EMENTA: PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL. RECURSOS DE APELAÇÃO. PRELIMINARES ARGUIDAS: FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO; DECISÃO GENÉRICA; DOSIMETRIA DA PENA. INFRAÇÃO AOS ARTIGOS 33, 55, 116 E 119 DO CEM (RESOLUÇÃO CFM Nº 1.246/88): É VEDADO AO MÉDICO: ASSUMIR RESPONSABILIDADE POR ATO MÉDICO QUE NÃO PRATICOU OU DO QUAL NÃO PARTICIPOU EFETIVAMENTE. É VEDADO AO MÉDICO: USAR DA PROFISSÃO PARA CORROMPER OS COSTUMES, COMETER OU FAVORECER CRIME. É VEDADO AO MÉDICO: EXPEDIR BOLETIM MÉDICO FALSO OU TENDENCIOSO. É VEDADO AO MÉDICO: ASSINAR LAUDOS PERICIAIS OU DE VERIFICAÇÃO MÉDICO-LEGAL, QUANDO NÃO O TENHA REALIZADO, OU PARTICIPADO PESSOALMENTE DO EXAME. MANUTENÇÃO DA PENA DE “CENSURA PÚBLICA EM PUBLICAÇÃO OFICIAL”. I- O argumento de que a decisão é genérica não se sustenta, na medida em que os respectivos votos encontram-se fundamentados ainda que tais fundamentos sejam contrários aos interesses do recorrente. II- As condutas éticas não guardam a mesma similitude das condutas penais, que exigem uma perfeita tipificação. No âmbito da averiguação ética, as normas deontológicas são mais abertas. III- Os conselheiros julgadores devem observar com atenção o comando do § 1º da Lei nº 3.268/57, na medida em que estabelece uma gradação natural das penas passíveis de serem aplicadas ao médico infrator do Código de Ética Médica. IV- Comete infração ao Código de Ética Médica o médico que preenche laudo pericial sem ter efetivamente participado do ato profissional ou que o justifique, corrompendo, desta maneira, os bons costumes da prática médica. V- Preliminares rejeitadas. VI- Recursos de apelação conhecidos e negado provimento.

Por fim, compete salientar que são 02 (duas) situações agravantes a reiteração da conduta e a contribuição para a prática de crime.

3º: NÃO CUMPRIR O “MUNUS PÚBLICO” LEGAL PREVISTO NO ENCARGO PERICIAL

Ao aceitar o encargo pericial, o médico deve ter dimensão do ônus que envolve a atividade pericial, desde o cumprimento de prazos (realizar a perícia em tempo razoável, apresentar o laudo pericial no prazo estabelecido), ao atendimento das regras atinentes à metodologia do laudo pericial, conforme o CPC:

“Art. 473.  O laudo pericial deverá conter:

a exposição do objeto da perícia;

a análise técnica ou científica realizada pelo perito;

a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou;

resposta conclusiva a todos os quesitos apresentados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão do Ministério Público.

§1º No laudo, o perito deve apresentar sua fundamentação em linguagem simples e com coerência lógica, indicando como alcançou suas conclusões.

§2º É vedado ao perito ultrapassar os limites de sua designação, bem como emitir opiniões pessoais que excedam o exame técnico ou científico do objeto da perícia.

§3º Para o desempenho de sua função, o perito e os assistentes técnicos podem valer-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder da parte, de terceiros ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias ou outros elementos necessários ao esclarecimento do objeto da perícia.”

CRM DE ORIGEMNº processo CFMAnoTipo de recursoTribunalRELATOR
CRM-BA0070202017RECURSO AO PEPCâmara – CFMHERMANN ALEXANDRE VIVACQUA VON TIESENHAUSEN – MG


EMENTA: PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL. RECURSO DE APELAÇÃO. INFRAÇÃO AOS ARTIGOS 45 E 142 DO CEM (RESOLUÇÃO CFM Nº 1.246/88): É VEDADO AO MÉDICO: DEIXAR DE CUMPRIR, SEM JUSTIFICATIVA, AS NORMAS EMANADAS DOS CONSELHOS FEDERAL E REGIONAIS DE MEDICINA E DE ATENDER ÀS SUAS REQUISIÇÕES ADMINISTRATIVAS, INTIMAÇÕES OU NOTIFICAÇÕES, NO PRAZO DETERMINADO. O MÉDICO ESTÁ OBRIGADO A ACATAR E RESPEITAR OS ACÓRDÃOS E RESOLUÇÕES DOS CONSELHOS FEDERAL E REGIONAIS DE MEDICINA. MANUTENÇÃO DA PENA DE “CENSURA PÚBLICA EM PUBLICAÇÃO OFICIAL”. I- Comete ilícito ético o médico que, nomeado perito em juízo, não cumpre seu numus público, sem justificativa legal, desobedecendo, com isso, resolução específica do CFM. II- Recurso de apelação conhecido e negado provimento.

CRM DE ORIGEMNº processo CFMAnoTipo de recursoTribunalRELATOR
CRM-SC0099132016RECURSO AO PEPCâmara – CFMROSYLANE NASCIMENTO DAS MERCES ROCHA – DF


EMENTA: PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL. RECURSO DE APELAÇÃO. INFRAÇÃO AO ARTIGO 18 DO CEM (RESOLUÇÃO CFM Nº 1.931/09): É VEDADO AO MÉDICO: DESOBEDECER AOS ACÓRDÃOS E ÀS RESOLUÇÕES DOS CONSELHOS FEDERAL E REGIONAIS DE MEDICINA OU DESRESPEITÁ-LOS. DESCARACTERIZADA INFRAÇÃO AO ARTIGO 17 DO CEM (RESOLUÇÃO CFM Nº 1.931/09). MANUTENÇÃO DA PENA DE “CENSURA CONFIDENCIAL EM AVISO RESERVADO. I – Comete infração ética o médico que nomeado perito não executa e não cumpre o encargo, no prazo que lhe é determinado. II – Recurso de apelação conhecido e dado provimento parcial.


4º: CRIAR ARTIFICIALMENTE DIREITOS

Neste tópico, entende-se que o “perito não cria ou crê”, devendo se ater à risca da legislação envolvida. Por exemplo, se determinada legislação previdenciária estabelece o benefício de isenção de imposto de renda para segurados que apresentem “neoplasia maligna, excetuando-se os casos de displasia e neoplasia in situ ou não invasiva”, o perito não está autorizado a conceder o pleito para uma mulher que apresente displasia acentuado do colo uterino ou carcinoma mamário in situ, em virtude de expressa condição legal. Ao negligenciar a regra e mudar o entendimento legal, o expert cria um direito ao qual o segurado não faz jus.

CRM DE ORIGEMNº processo CFMAnoTipo de recursoTribunalRELATOR
CRM-MT0041262017RECURSO AO PEPCâmara – CFMEMMANUEL FORTES SILVEIRA CAVALCANTI – AL


EMENTA: PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL. RECURSOS DE APELAÇÃO. INFRAÇÃO AO ARTIGO 116 DO CEM (RESOLUÇÃO CFM Nº 1.246/88): É VEDADO AO MÉDICO: EXPEDIR BOLETIM MÉDICO FALSO OU TENDENCIOSO. MANUTENÇÃO DA PENA DE “CENSURA PÚBLICA EM PUBLICAÇÃO OFICIAL”. I- Comete infração ao Código de Ética Médica o médico que elabora documentos médicos falsos com o objetivo de criar direitos, ludibriando terceiros. II- Recursos de apelação conhecidos e negado provimento.


5º: ATESTAR ÓBITO QUE NÃO VERIFICOU

Por fim, temos o caso da atestação de óbito no qual o expert não fez verificação prévia da realidade do óbito, expedindo um documento que possui fé pública.

CRM DE ORIGEMNº processo CFMAnoTipo de recursoTribunalRELATOR
CRM-SP0018422017RECURSO AO PEPCâmara – CFMNEMESIO TOMASELLA DE OLIVEIRA – TO


EMENTA: PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL. RECURSO DE APELAÇÃO. INFRAÇÃO AOS ARTIGOS 80 E 83 DO CEM (RESOLUÇÃO CFM Nº 1.931/09): É VEDADO AO MÉDICO: EXPEDIR DOCUMENTO MÉDICO SEM TER PRATICADO ATO PROFISSIONAL QUE O JUSTIFIQUE, QUE SEJA TENDENCIOSO OU QUE NÃO CORRESPONDA À VERDADE. É VEDADO AO MÉDICO: ATESTAR ÓBITO QUANDO NÃO O TENHA VERIFICADO PESSOALMENTE, OU QUANDO NÃO TENHA PRESTADO ASSISTÊNCIA AO PACIENTE, SALVO, NO ÚLTIMO CASO, SE O FIZER COMO PLANTONISTA, MÉDICO SUBSTITUTO OU EM CASO DE NECROPSIA E VERIFICAÇÃO MÉDICO-LEGAL. REFORMA DA PENA DE “CENSURA CONFIDENCIAL EM AVISO RESERVADO” PARA “CENSURA PÚBLICA EM PUBLICAÇÃO OFICIAL”. I– Comete ilícito ético o médico que expedir atestado de óbito sem ter praticado o ato e sem verificação prévia do mesmo. II- Recurso de apelação conhecido e dado provimento.

6º: AUSÊNCIA DE METODOLOGIA NO LAUDO PERICIAL

            Conforme verificamos alhures, o laudo pericial deve se ater ao rigor metodológico previsto no art. 483 do CPC, bem como deve seguir a Resolução do CFM nº 2056/2013.

CRM DE ORIGEMNº processo CFMAnoTipo de recursoTribunalRELATOR
CRM-PR0002492016RECURSO AO PEPCâmara – CFMSIDNEI FERREIRA – RJ


EMENTA: PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL. RECURSO DE APELAÇÃO. INFRAÇÃO AO ARTIGO 119 DO CEM (RESOLUÇÃO CFM Nº 1.246/88): É VEDADO AO MÉDICO: ASSINAR LAUDOS PERICIAIS OU DE VERIFICAÇÃO MÉDICO-LEGAL, QUANDO NÃO O TENHA REALIZADO, OU PARTICIPADO PESSOALMENTE DO EXAME. MANUTENÇÃO DA PENA DE “ADVERTÊNCIA CONFIDENCIAL EM AVISO RESERVADO”. I- Comete ilícito ético o médico que negligencia a elaboração de seu parecer sem informar que a conclusão do mesmo foi indireta, ou seja, análise documental sem a presença do paciente. II- Recurso de apelação conhecido e negado provimento.

Recomendo fortemente o médico perito denunciado no CRM esteja acompanhado do advogado especialista de sua confiança. Procedimentos ético-disciplinares são “sui generis” e a melhor fase de se responder assertivamente uma denúncia é na fase de sindicância médica, devidamente municiada de provas que embasem as alegações.

Um forte abraço a todos!

Fonte:

1- SOUZA, Rodrigo Tadeu De Puy e. Curso de Perícia Médica administrativa e judicial, 278 páginas. Editora Lujur, 2024. Link para adquirir a obra: https://www.lujur.com.br/livros/previdencia-social/curso-de-pericia-medica-administrativa-e-judicial-p

2- https://www.saudeocupacional.org/2016/12/sou-medico-do-trabalho-e-fui-notificado-de-sindicancia-junto-ao-crm-o-que-fazer.html – Acessado em 22/07/2024.

3- https://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Jornal&id=765 – Acessado em 22/07/2024.

4- Distribuição dos processos disciplinares pelo CREMESP – Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo e seus resultados nas diversas especialidades médicas, Centro Universitário São Camilo – 2007;1(2):56-62.

RODRIGO TADEU DE PUY E SOUZA

Médico especialista em Patologia e Medicina do Trabalho. Mestre em Patologia. MBA em Auditoria em Saúde. Advogado especialista em Direito Médico e Direito do Trabalho. Palestrante. Autor das obras: “Novo Código de Ética Médica: aspectos práticos e polêmicos”, editora CRV; “Documentos médicos comentados”, “Tratado de Direito Médico ético” e “Curso de Perícia Médica administrativa e judicial”, editora CRV.

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