04 nov 2016

A Judicialização na área da Saúde

postado em: Coluna da Zafalão

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Inicialmente, cumpre esclarecer o que é judicialização. Pode-se dizer que se trata de um fenômeno que promove o deslocamento do polo de decisão de certas questões que caberiam aos poderes Legislativo e Executivo para o âmbito do Judiciário. Em outras palavras, ocorre quando o Poder Judiciário intervém em questões que, fundamentalmente, deveriam ser analisadas; resolvidas pelos poderes Legislativo e/ou Executivo.

Ora, sem dúvidas, a Justiça se tornou uma alternativa quase que imediata para solucionar problemas de acesso a: vagas para internações no SUS e/ou hospitais privados; próteses de alto custo; medicamentos de alto custo e/ou que ainda não foram liberados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (a exemplo, recente, da “pílula do câncer”, a fosfoetanolamina sintética), dentre outras demandas. As demandas judiciais são, em grande parte, endereçadas a dois destinatários: as empresas de planos de saúde e ao Sistema Único de Saúde – SUS.

Inclusive, nesse ponto, cumpre destacar, sob outro viés, parte do Voto da eminente Presidente do Supremo Tribunal Federal, a Ministra Carmén Lúcia no que tange ao uso da fosfoetanolamina sintética, a chamada “pílula do câncer”.

A Ministra votou pela suspensão da liberação; uso do medicamento ante a justificativa de que faltavam estudos para demonstrar a eficácia ou mesmo efeitos adversos do medicamento. Antes, porém, ponderou sobre o sofrimento dos pacientes: “A dor tem pressa, o desengano impõe uma demanda urgente, leva até o desespero. Quando a pessoa está no desengano, ela busca qualquer coisa, eu também buscaria (…)”.

É importante sobrelevar o embate de posicionamentos no que tange à judicialização na saúde. Ora, a aceitação e a legitimação da intervenção de magistrados em questões do SUS não é algo totalmente pacífico.

De um lado, a intervenção direta de instituições e pessoas que não atuam diariamente com os conflitos e a realidade dos serviços de saúde, altera a administração e as rotinas de trabalho, que deve sempre se ater ao atendimento isonômico a todos que se encontrem na mesma situação, e não por uma prioridade imposta por outrem.

Por outro lado, defender o direito individual especial à vida e o direito à saúde ao indivíduo, significa proteger nossa Constituição e aplicar o que ela dispõe a cada caso analisado. Dessa forma, não se trata de provocações às instituições que compõem os serviços de saúde e/ou de embates a esmo entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, mas sim de necessidades de soluções imediatas para as mais diversas situações. Trata-se da concreção do Direito.

Na prática, é possível citar como casos recorrentes: imposições ao SUS para pagar medicamentos de custo elevadíssimo, liberação para uso de medicamentos de eficácia questionável para doenças crônicas como cânceres, hepatites, diabetes e tratamentos onerosos ou controvertidos para problemas estéticos, reprodutivos e sexuais. Diante da situação delineada, o Judiciário promoveu fóruns judiciais com especialistas da saúde pública para orientar as decisões dos juízes e desembargadores, bem como o Ministério da Saúde redigiu e colocou em vigor uma legislação que tem por fito ordenar a incorporação de tecnologias no SUS.

É preciso garantir não só materialmente, mas também formalmente, o acesso de todos à saúde, tendo-se em foco a garantia de que a vida é o bem mais precioso que temos. Ao mesmo tempo- e infelizmente-, é forçoso reconhecer que, na prática, os recursos são escassos.

A título de exemplo, um levantamento feito pelo Conselho Federal de Medicina – CFM concluiu que o Poder Público brasileiro gasta em saúde, por habitante, R$3,89 (três reais e oitenta e nove centavos), por dia. Ao ano, pouco mais de R$1.419,84 (um mil, quatrocentos e dezenove reais e oitenta e quatro centavos)¹.

Entretanto, a despeito de tais dados e por corolário do fenômeno da judicialização, em recente decisão, a União foi obrigada a usar verba de publicidade para fornecer um medicamento importado e de alto custo a uma jovem de 22 anos que tem uma doença genética (hemoglobinúria paroxística noturna, HPN) que destrói os glóbulos vermelhos. Como não alcançou nenhuma melhora através de tratamentos tradicionais, a jovem ingressou com uma ação para solicitar o fornecimento da droga Soliris (Eculizumabe), importada e sem registro na ANVISA. Por ano, o tratamento custa cerca de R$1 milhão.

A decisão favorável inicialmente proveio de uma liminar concedida em 2015 pelo Juiz Federal Paulo Marcos Rodrigues, de Guarulhos. A Advocacia Geral da União – AGU recorreu da decisão. No entanto, o Desembargador Johonsom di Salvo, do Tribunal Regional Federal – TRF da 3ª Região, em São Paulo, negou provimento ao recurso da União e manteve a decisão do Juiz Federal, Dr. Paulo Marcos.

Claramente, a decisão um novo enfoque no amplo debate decorrente da judicialização, que, inclusive, está em fase de julgamento no Supremo Tribunal Federal. Conforme consigna a decisão, os recursos do SUS são finitos, o que veda que sejam usados para a compra de drogas caras e sem aprovação, no entanto, oferece a alternativa de buscar recursos de outras áreas, como a da publicidade.

Segundo dados oferecidos pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, de 2010 até julho de 2016, os custos da União totalizaram R$ 3,9 bilhões com o cumprimento das sentenças. Só neste ano já foram desembolsados R$ 730,6 milhões. Somados os gastos da União, estados e municípios, a previsão é de que o montante chegue a R$ 7 bilhões em judicialização este ano².

A judicialização da saúde veio para ficar tanto é que, recentemente, na terça-feira, dia 23/08/2016, o Conselho Nacional de Justiça e o Ministério da Saúde assinaram um termo de cooperação técnica que permitirá a criação de um banco de dados com informações técnicas para subsidiar os magistrados de todo o país em ações judiciais na área da saúde.

Tal sistema; banco de dados irá possibilitar que o magistrado, dentro do prazo limite de 72 (setenta e duas) horas, encontre respaldo técnico para emitir uma decisão sobre um problema de alta complexidade que envolva a vida ou a morte de um indivíduo.

Diante de tal análise, ficam os seguintes questionamento: estamos pagando mais do que o dobro por serviços garantidos constitucionalmente? Onde está a raiz do problema, senão na administração da saúde pelo próprio Poder Público? Tendo isso em mente: será que a PEC 241/2016 e seus cortes previstos na área da saúde realmente irão nos salvar?

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¹Disponível em: < https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=25985:2016-02-18-12-31-38&catid=3>. Acesso em 31 out 2016.

²Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/83208-cnj-e-ministerio-da-saude-firmam-acordo-para-criacao-de-banco-de-dados>. Acesso em: 31 out 2016.

Autor (a): Elisa Zafalão – Advogada, graduada pela Universidade Federal de Goiás – UFG e Pós-Graduanda em Direito Público pela Instituição Damásio Educacional, atuante nas áreas Cível e Administrativo. Email: elisazafalao@gmail.com.

A advogada Elisa Zafalão escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna da Zafalão”.

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